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JANIO DE FREITAS
A hora da visita
Intenção do clero é levar o
governo a aceitar algum tipo de compromisso contra a legalização do aborto no país
A INTENÇÃO que se pode presumir na atitude do alto clero
católico, com sua inesperada
e áspera precipitação do tema do
aborto, é de ordem tática: aproveitar
a presença do papa para levar o governo brasileiro, e particularmente
Lula, a um constrangimento que o
faça conceder alguma forma de
compromisso contra a legalização
do aborto. Já se viu o suficiente, das
ansiedades sedutoras e respectivas
concessões de Lula, para perceber-se que a tática não foi mal pensada.
A aprovação ou sugestão do papa,
tão pouco antes de descer das alturas celestes para o Brasil, de que sejam excomungados os políticos que
legalizaram o aborto no México, insinua-se muito menos a destinatários mexicanos do que a determinados brasileiros. Seu efeito nas confabulações íntimas do Palácio da Alvorada, sobretudo se reiterada, por
mais sutilmente que o seja, dispensa
considerações. Está a fácil alcance
da nossa imaginação.
Não por acaso a feroz manifestação "popular" contra o aborto, feita
em Brasília por 200 a 300 católicos e
evangélicos engravatados ou de salto alto, foi dada como coleta pública
de assinaturas para um manifesto, a
ser entregue a Lula, contra a legalização do aborto. Sem que por isso a
nova marcha perdesse o vínculo
com sua antecessora mais notória,
ao caracterizar-se como ato também político, no seu propósito mais
gritante de insultar o ministro da
Saúde, José Gomes Temporão.
Acusado pelos marchadeiros de
fazer a opção pela preferencial pela
morte, por propor que a legalização
do aborto seja objeto de consulta popular, Temporão expõe dois argumentos inalcançáveis por respostas
sérias. O menos forte: estudos divulgados nos Estados Unidos estimam
que mais de milhão e meio de mulheres submetem-se a aborto no
Brasil, a cada ano. Todos sabemos a
precariedade em que ocorrem os
abortos forçadamente clandestinos,
feitos tanto por carniceiros médicos
como por aproveitadores, entre os
quais o instrumento cirúrgico consagrado é a agulha de tricô.
Daí a lógica brutal do argumento
mais forte citado por Temporão: a
cada ano, o SUS é procurado por 220
mil mulheres em situação emergencial decorrente de aborto. Perto de
20 mil mulheres por mês.
Como diz José Gomes Temporão,
"é um grave problema de saúde pública". A meu ver, não há outro modo humanamente digno de considerá-lo, para o enfrentar. Como todo
problema de saúde pública, é um
problema do governo.
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