São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007

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JANIO DE FREITAS

A hora da visita

Intenção do clero é levar o governo a aceitar algum tipo de compromisso contra a legalização do aborto no país

A INTENÇÃO que se pode presumir na atitude do alto clero católico, com sua inesperada e áspera precipitação do tema do aborto, é de ordem tática: aproveitar a presença do papa para levar o governo brasileiro, e particularmente Lula, a um constrangimento que o faça conceder alguma forma de compromisso contra a legalização do aborto. Já se viu o suficiente, das ansiedades sedutoras e respectivas concessões de Lula, para perceber-se que a tática não foi mal pensada.
A aprovação ou sugestão do papa, tão pouco antes de descer das alturas celestes para o Brasil, de que sejam excomungados os políticos que legalizaram o aborto no México, insinua-se muito menos a destinatários mexicanos do que a determinados brasileiros. Seu efeito nas confabulações íntimas do Palácio da Alvorada, sobretudo se reiterada, por mais sutilmente que o seja, dispensa considerações. Está a fácil alcance da nossa imaginação.
Não por acaso a feroz manifestação "popular" contra o aborto, feita em Brasília por 200 a 300 católicos e evangélicos engravatados ou de salto alto, foi dada como coleta pública de assinaturas para um manifesto, a ser entregue a Lula, contra a legalização do aborto. Sem que por isso a nova marcha perdesse o vínculo com sua antecessora mais notória, ao caracterizar-se como ato também político, no seu propósito mais gritante de insultar o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
Acusado pelos marchadeiros de fazer a opção pela preferencial pela morte, por propor que a legalização do aborto seja objeto de consulta popular, Temporão expõe dois argumentos inalcançáveis por respostas sérias. O menos forte: estudos divulgados nos Estados Unidos estimam que mais de milhão e meio de mulheres submetem-se a aborto no Brasil, a cada ano. Todos sabemos a precariedade em que ocorrem os abortos forçadamente clandestinos, feitos tanto por carniceiros médicos como por aproveitadores, entre os quais o instrumento cirúrgico consagrado é a agulha de tricô.
Daí a lógica brutal do argumento mais forte citado por Temporão: a cada ano, o SUS é procurado por 220 mil mulheres em situação emergencial decorrente de aborto. Perto de 20 mil mulheres por mês.
Como diz José Gomes Temporão, "é um grave problema de saúde pública". A meu ver, não há outro modo humanamente digno de considerá-lo, para o enfrentar. Como todo problema de saúde pública, é um problema do governo.


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