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Lula se define como "multi-ideológico"
Explicação do presidente para seu novo rótulo, em entrevista-reportagem no jornal espanhol "El País", não fica clara
Petista afirma que chefe de Estado "não tem vontade própria todo santo dia, mas tem que levar a cabo os acordos que sejam possíveis"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Depois do "Lulinha, paz e
amor", depois da "metamorfose ambulante", Luiz Inácio Lula da Silva achou uma nova e
inédita maneira de auto-definir-se: "multi-ideológico".
O novo rótulo apareceu em
uma entrevista-reportagem
feita por Juan Luis Cebrián, o
principal executivo do grupo
espanhol Prisa, cuja nau-capitânia é o jornal "El País".
A conversa foi capa do caderno "Domingo". Nela, em vez de
"multi-ideológico", Lula aparece pouco ou nada ideológico,
como se vê na frase completa:
"Um chefe de Estado não é
uma pessoa, é uma instituição,
não tem vontade própria todo
santo dia, mas tem que levar a
cabo os acordos que sejam possíveis. Aprendi isso no poder e
creio que foi bom para o Brasil",
afirma, para continuar:
"Não pode ser que eu tenha
que gostar de um presidente
porque é de esquerda e de outro
não, por ser direitista. Me dei
bem com Aznar [José María
Aznar, conservador ex-presidente do governo espanhol] e
me dou com Zapatero [José
Luis Rodríguez Zapatero, sucessor de Aznar, socialista]; tenho que me relacionar com Piñera (Sebastián Piñera, recém-eleito presidente do Chile, direitista] da mesma forma como
o fiz com Bachelet (Michelle
Bachelet, antecessora de Piñera, socialista]. No exercício do
poder sou um cidadão, como
diria, multinacional, multi-ideológico, não?".
A "multi-ideologia" reaparece ainda mais confusa em outro
trecho, em que Lula recupera
um conceito de Delfim Netto,
ao dizer que "é preciso ter o que
distribuir antes de fazê-lo".
Parte da fama de Lula como
sindicalista se deveu ao fato de
atacar continuamente a tese
atribuída a Delfim de que é preciso primeiro fazer crescer o
bolo para depois distribui-lo.
Mas esse conceito serve para
anunciar um futuro salto ao socialismo. Lula repete sua conhecida avaliação de que o Brasil era "um capitalismo sem capital", antes dele, e, por isso, ele
resolveu "que era preciso primeiro construir o capitalismo
para depois fazer o socialismo".
O presidente não explica como se dará o salto para o socialismo, mas coloca na conversa
Henry Ford, que não chega a
ser um ícone do socialismo: "Os
empresários têm que saber que
é preciso pagar salários um
pouco maiores para que as pessoas possam comprar os produtos que fabricam. Isso já dizia Henry Ford em 1912" (e Lula também, quando era líder
sindical, bem mais tarde).
Em outro momento, o presidente mostra-se bastante confortável com um dos micro-símbolos do capitalismo: "Embora tenha trabalhado 27 anos
com um avental [de operário],
nunca estava à vontade; com
dois meses de gravata não tive
dificuldade em me acostumar a
ela, é uma bonita prenda".
É sintomático que, na mesma
edição de "El País", Moisés
Naïm, do Centro Carnegie de
Pesquisas (Washington), escreve que "Lula foi dos presidentes
mais pró-mercado e pró-setor
privado e investimento estrangeiro que o Brasil já teve".
O próprio Cebrián intervém
no texto para observar que o
"milagre brasileiro começou
com [Fernando Henrique] Cardoso, um professor respeitado
e um democrata exemplar, que
nivelou as contas públicas e
venceu a inflação".
Essa suposta ou real continuidade não se verá afetada pela eleição, na opinião de Lula:
"Ganhe quem ganhar, ninguém
fará nenhum disparate. O povo
quer seguir caminhando e não
voltar para trás".
Mas ele garante, como é natural, que não vê possibilidade
de perder a eleição.
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