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Julgamento põe em risco hospitais e
centros de ciência
Sessão no STF unirá PT e PSDB em favor do uso de Organizações Sociais para gerir dinheiro público
Governos terão de
"estatizar" serviços se
tribunal julgar
inconstitucional modelo
criado por lei em 1998
MATHEUS LEITÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma sessão do Supremo Tribunal Federal colocará o PT e o
PSDB do mesmo lado no calor
do período pré-eleitoral. O tribunal julgará este mês a Ação
Direta de Inconstitucionalidade 1.923, que questiona a legalidade da gestão pública no modelo de contratação de Organizações Sociais.
A Adin foi proposta pelo PDT
e o próprio PT, quando se opunha a esse modelo no governo
Fernando Henrique Cardoso.
Se a ação for considerada procedente pelo STF, petistas e tucanos ficarão igualmente em
apuros: várias instituições estaduais e federais, hoje administradas por OSs, terão de ser
imediatamente "estatizadas".
As OSs são entidades privadas sem fins lucrativos, que gerem recursos orçamentários,
num sistema de prestação de
serviço junto ao poder público.
São cada vez mais adotadas
porque têm mais flexibilidade.
Estão hoje em 14 Estados brasileiros e 71 municípios.
Em São Paulo, por exemplo,
23 hospitais estaduais são geridos por OSs -com contratos
anuais, no total, de R$ 1,36 bilhão. O Hospital de Pedreira, na
zona sul paulistana, o primeiro
a usar esse modelo, por decisão
do então governador Mário Covas, tem orçamento de R$ 80
milhões por ano.
São OSs também que administram cinco órgãos do Ministério da Ciência e Tecnologia: a
Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, o Instituto Nacional de
Matemática Pura e Aplicada, o
Laboratório Nacional de Luz
Síncroton, o Centro de Gestão e
Estudos Avançados e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Elas recebem
anualmente R$ 70 milhões do
governo do PT.
A Empresa Brasil de Comunicação, que administra a TV
Brasil e outros canais públicos,
mantém contrato de gestão
com uma OS, responsável por
parte do seu orçamento anual
de R$ 350 milhões. "As OSs
possibilitam uma gestão mais
moderna, menos sujeita aos conhecidos vícios do setor público", afirma a diretora-presidente, Tereza Cruvinel.
O líder do PT na Câmara,
Fernando Ferro (PE), diz que o
partido terá de se readaptar caso a Adin seja aprovada. "Entramos com a ação em 1998
porque recebíamos muitas denúncias de desvio de dinheiro
público. Há usos e usos", diz.
"Há mais coerência no PSDB,
que criou as OSs, do que no PT,
que as criticava e passou a usá-las", declarou o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR).
Criado por lei em 1998, o modelo é contestado por dois motivos: dispensa licitação nas
compras e, algumas vezes, tem
método de fiscalização considerado frágil (amostragem pelos Tribunais de Contas).
Na época, o então ministro
da Reforma do Estado Luiz
Carlos Bresser-Pereira, idealizador das OSs, foi acusado pelo
PT de fazer uma reforma administrativa neoliberal. "Nunca
fui neoliberal na vida. Meu interesse era ampliar o estado social, com mais investimento em
educação, saúde, ciência e cultura. O PT estava equivocado e
percebeu.Tanto que utiliza o
mesmo modelo", diz.
A Folha apurou que o plenário do STF está dividido. Em
2007, o tribunal havia julgado
-e rejeitado- uma liminar
(leia quadro) que pretendia
suspender as OSs enquanto a
Adin não tinha o mérito julgado. O resultado pode ter sido
uma prévia do que acontecerá
daqui a três semanas. Em 2007,
os ministros Joaquim Barbosa,
Marco Aurélio Mello e Ricardo
Lewandowski votaram a favor
da concessão da liminar. É possível que eles votem a favor da
Adin -e contra as OSs.
Professor da faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP), Fernando Menezes afirma que a lei das OSs tem
um problema grave: "Há um
desvio de finalidade. A licitação
deve ser a regra, com pequenas
exceções de dispensa. Não pode haver dispensa indiscriminada numa forma de contratação com um volume tão alto de
dinheiro público".
O procurador Luís Alberto
Thompson Flores Lenz concorda. "O sistema funciona
bem, é um avanço, mas tem
mazelas de fiscalização. Os Tribunais de Contas dos Estados
têm encontrado problemas de
direcionamento para OSs sem
capacidade para exercer a função", diz. "Qual o critério de escolhas dessas entidades?"
O questionamento é respondido pelo Procuradoria Geral
da República no parecer dentro
da ação. "Sua contratação [Organizações Sociais] só tem cabimento se tal opção se mostrar técnica e constitucionalmente válida. Isso só pode ser
apurado se atendido um processo público de decisão, de
que a licitação faz parte", afirma o item 57 do documento,
acatando o pedido da Adin parcialmente pela inconstitucionalidade do formato de contratação sem licitação. O parecer
ainda pede uma maior fiscalização das OSs e seus gastos
-pelo próprio Ministério Público, além dos Tribunais de
Contas.
Para o secretário de Saúde de
São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, hospitais geridos
por OSs já foram testados e
aprovados pela população.
!Basta dizer que os dois hospitais com melhor avaliação da
Pesquisa de Satisfação dos
Usuários do SUS, promovido
pela secretaria, são unidades
gerenciadas por OSs: o hospital
estadual de Ribeirão Preto e o
Instituto do Câncer do Estado
de São Paulo".
O assunto chamou a atenção
da SBPC (Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência).
Ela pediu para ser ouvida no
STF como parte interessada.
"Queríamos ajudar o tribunal a
tomar sua decisão. Impedir as
OSs será um retrocesso. O modelo tem sido fundamental para o avanço da ciência e tecnologia do país", diz o advogado
da SBPC, Eduardo Pannunzio.
Estudo do Banco Mundial,
de 2008, intitulado "Desempenho hospitalar brasileiro: em
busca da Excelência", reprovou
os hospitais brasileiros, mas
defendeu o uso das OSs no Brasil. "A qualidade de tratamento
é superior à de hospitais públicos semelhantes regidos por
arranjos organizacionais tradicionais", afirma Gerald La Forgia, especialista em saúde e autor do relatório.
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