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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ADEUS ÀS ILUSÕES
Luiz Francisco de Souza, procurador que denunciou irregularidades na gestão FHC e já foi filiado ao PT, diz se sentir revoltado com o governo Lula
"Quando os políticos brigam, o país ganha"
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ex-petista de carteirinha, mas
ainda petista de coração, Luiz
Francisco de Souza, procurador
da República em Brasília, está surpreso e "revoltado" com as denúncias que envolvem a cúpula
do PT e o governo Lula.
Para ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja demais e deveria dar mais atenção ao país.
"O governo contrariou a história do PT e traiu a confiança de
milhões de brasileiros, que esperavam um pacote de projetos de
leis anticorrupção, ampliação de
direitos trabalhistas, auditoria da
dívida pública e investigação sobre privatizações. A cúpula do PT,
responsável por isso, deveria ser
afastada do partido e do Estado."
Souza é um dos mais controvertidos procuradores da República
do país. Ex-militante filiado ao
PT, foi o responsável pela gravação de conversa do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL) a respeito da violação do painel eletrônico do Senado que resultou na
renúncia de ACM.
Travou um embate público com
Eduardo Jorge Caldas Pereira, o
EJ, ex-secretário-geral da Presidência da República no governo
Fernando Henrique (1995-2002),
a quem investigou por corrupção,
sem encontrar provas. E processou o banqueiro Daniel Dantas,
dono do grupo Opportunity.
Para o procurador, o país só se
beneficia com investigações sobre
os governos: "Quando os políticos brigam, o país ganha, pois os
corruptos de todos os lados são
nominados e apontados. Então,
ganha o Brasil em luzes e transparência. Tenho medo é que façam
acordos secretos, nos bastidores".
A seguir, os principais trechos
da entrevista que o procurador
concedeu à Folha.
Folha - O presidente Lula é conivente com o processo de corrupção
que envolve o PT?
Luiz Francisco de Souza - Até agora, não vejo ligação com Lula. Até
pode ser dito que ele, como presidente, deveria ter cuidado mais
do país, vigiado mais, dedicado
umas dez ou 12 horas ao expediente.
Folha - O que ele deveria fazer
nesse momento?
Souza - Parar de viajar e enviar
um pacote de projetos de leis contra corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação. Aumentar as penas contra corruptos e malversadores e permitir que qualquer cidadão possa processar por improbidade. Hoje, apenas o Ministério Público pode [processar], há
um monopólio errado. Deveria
banir os foros privilegiados e as
prisões especiais, extinguir o Refis
[Programa de Recuperação Fiscal], acabar com a extinção da punibilidade para os sonegadores
que pagam os tributos sonegados,
ampliar o Coaf [Conselho de
Controle de Atividades Financeiras], que hoje tem apenas uns 30
servidores, quando deveria ter
uns 3.000 ou mais, abrir o TCU
[Tribunal de Contas da União] e
todas as investigações e não permitir mais ministros escolhidos
pelo Palácio.
Os ministros devem ser velhos
servidores que trabalharam ali
por 20 anos ou mais, essa deveria
ser a regra. Deveria ainda diminuir o sigilo bancário, retirar dos
cargos todas as pessoas suspeitas
e diminuir os cargos comissionados, que hoje são cerca de 23 mil
quando bastaria que fossem cerca
de 500.
Folha - O sr. ficou surpreso com o
número de denúncias no governo
petista?
Souza - Fiquei surpreso e revoltado. A cúpula do PT centralizou
tudo na Casa Civil. O Lula manteve-se afastado e desinteressado,
viaja demais, então, o grupo de
José Dirceu [ex-ministro da Casa
Civil] geria milhões de reais da arrecadação do PT. Acho que essa
centralização é uma das causas
fundamentais da crise. E também
há as coligações com pessoas que
tinham acusações de irregularidades, como o deputado Roberto
Jefferson [PTB-RJ], Romero Jucá
[ministro demissionário da Previdência], [Henrique] Meirelles
[presidente do Banco Central] e
outros. Abri o caso contra Meirel-
les, representei contra Romero
Jucá, contra Gilberto Gil [ministro da Cultura], que gastou mais
de R$ 9 milhões em reformas em
quatro andares, sendo que R$ 3
milhões foram com o ar-condicionado, o que é imoral.
Folha - Como o sr. vê todas essas
denúncias envolvendo o PT?
Souza - Estou gostando muito. O
que me irrita e entristece é quando eles vivem de
conluios e acordos secretos, como os que ocorreram na CPI do Banestado. Quando
os políticos brigam, o país ganha,
pois os corruptos
de todos os lados
são nominados e
apontados. Então,
ganha o Brasil em
luzes e transparência. Tenho medo é que façam
acordos secretos,
nos bastidores,
como acho que fizeram na CPI do
Banestado.
Folha - Quem da
direção do PT deve
ser afastado imediatamente?
Souza - Toda a
Executiva do partido e todos os ministros e autoridades suspeitas, como querem o deputado Chico
Alencar [PT-RJ], o senador Pedro
Simon [PMDB-RS], a senadora
Heloisa Helena [PSOL-AL] e outros parlamentares éticos.
Folha - O presidente do PT, José
Genoino, afirma que assinou, sem
ler, um documento para empréstimos ao partido [no qual o avalista é
o publicitário Marcos Valério, acusado de operar o "mensalão"] em
confiança a Delúbio Soares [tesoureiro afastado do PT]. O que o sr.
acha disso?
Souza - Ninguém assina documentos sem ler. Isso não existe.
Folha - Como está a investigação
do suposto "mensalão"?
Souza - O caso do "mensalão"
está com o procurador-geral da
República e alguns procuradores
da Procuradoria da República no
Distrito Federal. Eles estão avançando, já quebraram o sigilo da
GTech [empresa que gerencia loterias federais] e o caso está avançando...
Folha - Roberto Jefferson tem sido visto como o grande denunciador da corrupção no PT. Mas é fato
que ele admitiu ter recebido dinheiro do partido para ajudar na
campanha, via fontes não-oficiais.
Qual a sua avaliação sobre as denúncias que ele faz?
Souza - Roberto Jefferson era do
grupo de Collor [ex-presidente
Fernando Collor de Melo], o que
já é dizer muito.
Ele usa a tática do
gambá. Quando
um gambá vai
atacar um galinheiro e os cachorros o farejam
e saem à sua busca, o gambá vai
espalhando mau
cheiro em todos
os lugares para
desviar a atenção
do cachorro que
tem seu faro atrapalhado. A CPI
dos Correios pode atingir em
cheio Roberto Jefferson, então, ele
fala do "mensalão" para desviar
a atenção. Não
acho que minta
em tudo, acho
que tem "mensalão" mesmo e nisso ele prestou serviço ao país, mas
as investigações
sobre os Correios e sobre o IRB
precisam ser duras, pois não se
pode aceitar tática de despiste.
Roberto Jefferson merece elogios
por ter falado sobre o "mensalão",
mas deve ser investigado com rigor, ele e o PTB, no caso da ECT e
do IRB.
Folha - Em que outros órgãos e
entidades há corrupção?
Souza - Os Correios são um pântano, mas o IRB [Instituto de Resseguros do Brasil, órgão em que
ex-dirigentes são suspeitos de integrar um esquema de arrecadação de dinheiro para partidos políticos] deve ter ainda mais corrupção e justificava a abertura de
CPIs. A CGU [Controladoria-Geral da União] está investigando
tanto a ECT [Empresa de Correios e Telégrafos] como o IRB.
Espero que a CPI faça uma faxina
nessas entidades.
Folha - Considerando as denúncias feitas até agora, o que deve ser
investigado primeiro? Por quê?
Souza- Os Correios. Porque, volto a repetir, é mesmo um poço de
corrupção, de contratos escusos.
A Petrobras, se for investigada, espero que vejam as centenas de
dispensas de licitação no outro
governo também [FHC], pois
praticamente não havia licitações.
Espero que aumentem as penas
contra corruptos, terminem com
a prerrogativa de foro para improbidade, aumentem o poder
de investigação do
Ministério Público, dêem mais poder para a imprensa, para que
possa requisitar
documentos, ter
acesso ao Siafi
[sistema de acompanhamento dos
gastos federais]. E
espero que quebrem o sigilo bancário de uns cem
parlamentares,
mais seus assessores e familiares.
Espero que investiguem também
Ricardo Sérgio e
os tesoureiros de
outros partidos.
Folha - O sr. acredita que a reforma
política pode resolver ou diminuir a
atual crise?
Souza - Sim, com
o financiamento público das campanhas eleitorais e também com o
fim das reeleições, ou seja, uma
emenda constitucional que possa
abolir o "instituto da reeleição",
para os cargos de presidente, governador e prefeito e isso já para o
ano que vem. Dessa forma, Lula
deixaria de ser um alvo e o debate
poderia cingir-se à descoberta e
punição de corruptos, tal como
estabelecer normas melhores para punir a corrupção no país.
Folha - Quem deve ser investigado no governo do PT por corrupção? Por quê?
Souza - Delúbio [Soares], José
Dirceu, Genoino e outros que
centralizaram o poder nas mãos e
praticaram atos que a maioria do
PT desconhecia. Mais, Meirelles,
Romero Jucá, Eunício [Eunício
Oliveira, ex-ministro das Comunicações] e outros. Por mim, instalavam a velha CPI da Corrupção, abarcando casos dos carlistas, do grupo de Jader Barbalho e
de EJ, do "mensalão"... Poderiam
ser até duas comissões, uma na
Câmara e outra mista ou bastava a
mista. E espero que ponham para
funcionar a CPI das Privatizações,
dos Bingos, da Privatização do
Sistema Elétrico, e que abram
também a CPI da Reeleição e da
Dívida Pública.
Folha - Qual a fonte de corrupção
no Brasil?
Souza - O financiamento privado
das campanhas;
as regras complacentes de licitação; o sigilo comercial e bancário exacerbado; a
impunidade que
alimenta tudo; os
prazos pequenos
de prescrição; a
prescrição retroativa; a morosidade judiciária por
conta do excesso
de recursos, da escassez de magistrados e de membros do Ministério Público Federal, tal como de
policiais federais,
de auditores da
Receita Federal.
Também o abismo social, pois
somos o país com
mais desigualdade social e econômica; o analfabetismo funcional;
a falta de transparência do Estado,
o Siafi deveria estar disponível a
todos; e outras causas, como a
existência de trustes e cartéis que
permitem a burla das licitações
por conluios.
Folha - O brasileiro acusa o político de corrupto, mas muitos corrompem o guarda de trânsito. A corrupção é generalizada? Por que?
Souza - A corrupção é generalizada, especialmente entre parte
do empresariado que vive sonhando em comprar servidores
públicos. Como têm muito dinheiro e os servidores ganham
pouco... O Estado é burocratizado. O analfabetismo é real e funcional. Temos a maior desigualdade social do planeta, junto com
a maior taxa de juros, os maiores
latifúndios e a maior taxação sobre ganho de capital.
Folha - O sr. pode comparar as
acusações de corrupção do governo Lula com as do governo FHC?
Souza - Corrupção é corrupção e
deve ser combatida em qualquer
governo, sem considerar as cores
partidárias. A corrupção no governo FHC atingiu vários bilhões
de reais, especialmente com a privatização de mais de cem estatais,
o estabelecimento de prerrogativa
de foro para improbidade administrativa, o acréscimo de formas
de extinção de punibilidade nos
crimes fiscais e a criação do Refis,
a recriação de prerrogativa de foro para ex-prefeitos e secretários
estaduais, a decuplicação da dívida pública interna e a duplicação
da dívida externa, o escândalo do
Banestado envolvendo principalmente o banco Araucária ligado a
políticos do PFL, o escândalo da
reeleição e a forma como foi feita
a desvalorização cambial após ser
mantido o real sobrevalorizado e
ainda outras dezenas de casos.
Folha - E a corrupção no governo
Lula?
Souza - A corrupção no governo
Lula nasce da manutenção das
mesmas estruturas, especialmente da política econômica. A cúpula do PT, a mesma que está sob fogo, foi conivente na CPI do Banestado, no caso da GTech, dos Bingos e bloqueou projetos importantes como o estabelecimento da
lista tríplice para escolha do PGR
[Procurador Geral da República],
manteve e ampliou o Refis, fizeram uma reforma da Previdência
contra os idosos, manteve os foros privilegiados e ainda ampliou
no caso de Meirelles e atrapalhou
o Ministério Público ao negociarem um regulamento que impede
os membros de investigarem crimes "ex officio", ou seja, quem
achar que tem algo errado não
pode investigar, deve enviar à distribuição o caso e houve outras
desgraças. Ao fazerem isso, contrariaram a história do PT e traíram a confiança de milhões, que
esperavam um pacote de projetos
de leis anticorrupção, a ampliação
dos direitos trabalhistas, a auditoria da dívida pública, investigação
sobre privatizações. Acho que é
menor, mas a cúpula do PT, responsável por isso, deveria ser
afastada do partido e do Estado.
Folha - No Brasil, o corrupto vai
para a cadeia? Por quê?
Souza -Corruptos ricos dificilmente vão para a cadeia. Por quê?
Por causa das penas pequenas,
dos prazos prescricionais pequenos e da demora na tramitação
dos processos. A demora ocorre
pois num processo apenas pode
haver dezenas de recursos. Então,
a Polícia Federal, que é pequeníssima em número, demora de dois
a três anos para investigar, os magistrados, também em número
ínfimo, demoram de dois a três
anos para julgarem os processos e
depois há os recursos para os
TRFs [Tribunais Regionais Federais], que demoram seis anos ou
mais para julgarem uma apelação
de quatro páginas. Após seis ou
sete anos no TRF, há recurso para
o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e para o STF [Supremo Tribunal Federal] e ali os recursos demoram mais cinco ou até dez
anos para serem julgados. Então,
ocorre bem antes disso a prescrição. Para evitar isso, é preciso que
o STF fique restrito ao papel de
Corte Constitucional como ocorre nos Estados Unidos ou na Europa, que acabem os foros privilegiados e as prisões especiais, ampliem as penas para os crimes
contra o patrimônio público, ampliem os prazos de prescrições e
que o número de recursos diminua. A ampliação da Polícia Federal, do MPF, do Judiciário, da Receita, do Coaf, que deveria ter escritórios em cada capital, da CGU,
dos auditores do TCU e outros fiscais, é o ponto mais importante,
com o aumento do poder de investigação desses agentes, das
sanções a serem aplicadas.
Folha - O que as CPIs devem fazer
para ampliar as chances de encontrar corruptos?
Souza -O sigilo da GTech deveria
ser quebrado o quanto antes, pois
pode haver depósitos nas contas
de agentes públicos. Isso no caso
dos bingos. No caso do "mensalão", seria importante que a CPI
mista requeresse dados fundamentais para cada parlamentar,
seus assessores e seus familiares.
Se quiserem fazer uma faxina deveriam estender isso a todos os
membros do Judiciário e do MPF.
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