Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O PUBLICITÁRIO
Para ex-corregedor-geral da Receita Federal, publicitário mineiro pode estar envolvido em operação de caixa dois bilionário
Valério é parte de esquema maior, diz Leão
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ex-corregedor-geral da Receita Federal Moacir Leão, 45, ganhou notoriedade por investigações como a do "propinoduto" e a
do suposto esquema de venda de
legislação no âmbito da própria
Receita Federal. Com base na experiência de quase 13 anos, Leão
avalia que o publicitário mineiro
Marcos Valério de Souza seja apenas "um laranja de um esquema
muito maior do que ele".
Diante do padrão de movimentação financeira e das autuações
da Receita sobre as empresas de
Valério, Moacir acredita que os
fatos vão confirmar que o publicitário está envolvido em "um gigantesco, bilionário caixa dois"
que poderia alimentar campanhas de partidos políticos.
Leão é o autor do projeto que
prevê a criação da "supercorregedoria" do governo federal, publicado no "Diário Oficial" da União
há duas semanas. Pelo projeto, cada ministério terá uma corregedoria, todas respondendo à CGU
(Controladoria Geral da União).
Ele disse que, como a Casa Civil
demorou muito para implementá-lo, o projeto pode ser visto agora como "casuísmo".
O ex-corregedor da Receita diz
que até hoje não sabe porque o
ministro Antonio Palocci Filho
(Fazenda) decidiu não mantê-lo
no cargo, afastando-o no meio da
investigação que apura a existência de um esquema de venda de
legislação na Receita Federal. O
mandato de Leão terminou no
mês passado, mas poderia ser renovado por mais três anos.
Conforme a Folha publicou no
mês passado, empresas como a
Fiat e a McDonald's planejaram e
obtiveram mudanças na legislação tributária que as beneficiaram
em sua defesa contra multas aplicadas pela Receita. As duas empresas pagaram milhões de reais à
consultoria Martins Carneiro, dos
auditores fiscais Paulo Baltazar
Carneiro e Sandro Martins, logo
assim que a Receita alterou a legislação que as beneficiaram. Conhecidos como "anfíbios" -ora
estão na Receita, ora se licenciam
para defender empresas privadas
contra a Receita- Sandro e Paulo
Baltazar ocuparam cargos de confiança no órgão.
O caso do "propinoduto" apurou a participação de funcionários do INSS e da Receita no cancelamento de débitos tributários
via pagamento de propinas.
Folha - Como o sr. classifica as investigações realizadas pela Corregedoria sobre o suposto esquema
de venda de legislação no âmbito
da Receita Federal?
Moacir Leão - São investigações
da maior importância, haja vista a
extrema gravidade que encerram
como denúncias, e estão sendo
conduzidas por pessoas competentes e habilitadas. O objeto das
investigações é grave devido ao
potencial lesivo ao serviço público. Portanto a apuração deve ser
total, profunda e deve ir até o fim.
Folha - O sr. estava no meio de
uma investigação importante, e o
ministro Palocci preferiu afastá-lo
do cargo. Por que o ministro não o
manteve na Corregedoria?
Leão - Não tenho conhecimento
porque não fui comunicado a respeito. Todavia, não me cabe julgar
nem criticar a atitude do ministro,
mas sim acatar a decisão.
Folha - Acatar significa aceitar?
Leão - Não, eu não comento a
decisão do ministro. O fato está
dado e eu não comentarei.
Folha - As investigações sobre a
venda de legislação continuam? O
que a Receita ainda tem de fazer?
Leão - As investigações devem
continuar sob pena de grave prejuízo ao serviço público. Até porque, dessas investigações que eu
instaurei, muitas coisas ainda virão à tona e trarão grande colaboração ao trabalho feito pelas comissões de inquérito da Receita.
Folha - Se o sr. fosse secretário da
Receita, nomearia auditores "anfíbios" para cargos de confiança?
Leão - Em hipótese alguma. Nenhum auditor fiscal, nenhum servidor da Receita poderá desempenhar suas funções com integridade no serviço público exercendo
concomitantemente a defesa de
contribuintes. Aí reside grande
parte dos focos de corrupção.
Folha - Nesses 13 anos de Receita,
em quantas vezes o sr. já viu auditores anfíbios ocupando cargo de
confiança dentro da Receita?
Leão - Vi em alguns casos. Todos de que tive conhecimento
mandei apurar.
Folha - Na semana passada, a Casa Civil publicou no "Diário Oficial"
o projeto que cria a "supercorregedoria" do governo federal. Qual a
importância desse projeto para o
combate à corrupção?
Leão - Avalio que é um bom
projeto, mas que veio tarde. Dado
o momento da crise que vivemos,
o projeto se sujeita a críticas de
oportunismos, casuísmo etc.
Contudo sou testemunha do
grande esforço feito pelos colegas
da CGU, para dar maior efetividade ao combate contra a corrupção. Eu propus que a CGU se
transformasse num órgão efetivamente repressor da corrupção.
Uma controladoria com poderes
de instaurar e julgar inquéritos.
Eu enviei a proposta em novembro de 2004. Tenho notícias de
que ficou durante um longo tempo retido na Casa Civil.
Folha - O projeto estava engavetado na Casa Civil?
Leão - Não diria engavetado,
mas tenho notícias de que o tempo de tramitação foi longo.
Folha - Há um emaranhado de
empresas do publicitário Marcos
Valério. Uma de suas agências de
publicidade foi autuada pela Receita por movimentação financeira incompatível com a receita e por ingresso de recursos sem origem
comprovada. Do ponto de vista fiscal, o que a CPI deveria investigar?
Leão - Sobre eventual lavagem
de dinheiro e patrimônio a descoberto, o caminho é um só: buscar
a origem do dinheiro e todos os
relacionamentos das pessoas físicas e jurídicas ligados ao processo. É preciso ver também eventuais ligações com doleiros, pois
nem sempre as remessas para o
exterior são feitas através de caminhos rastreáveis.
Folha - Pelo padrão da composição das empresas de Marcos Valério e pelas autuações já realizadas
pela Receita, que análise é possível
fazer do caso, do ponto de vista do
investigador fiscal?
Leão - Acompanhando os fatos
pela imprensa, eu percebo, numa
análise ainda sujeita a muitas modificações, a formação de um gigantesco, bilionário caixa dois,
em que o senhor Marcos Valério
desponta como um laranja de um
esquema muito maior do que ele.
As investigações vão reduzi-lo à
sua verdadeira dimensão, que é
menor do que a que ele ocupa hoje na centralidade da investigação.
Folha - Ele poderia ser uma espécie de laranja para movimentar caixa dois de campanha política?
Leão - Se os fatos se confirmarem, parece-me que teremos um
laranja, e não um sujeito de todos
os crimes que lhe são imputados.
Texto Anterior: Escândalo do "mensalão"/ rumo a 2006: Crise adia definição de candidato tucano Próximo Texto: Ex-tesoureiro acusa PT de caixa 2 Índice
|