São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O PUBLICITÁRIO

Para ex-corregedor-geral da Receita Federal, publicitário mineiro pode estar envolvido em operação de caixa dois bilionário

Valério é parte de esquema maior, diz Leão

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-corregedor-geral da Receita Federal Moacir Leão, 45, ganhou notoriedade por investigações como a do "propinoduto" e a do suposto esquema de venda de legislação no âmbito da própria Receita Federal. Com base na experiência de quase 13 anos, Leão avalia que o publicitário mineiro Marcos Valério de Souza seja apenas "um laranja de um esquema muito maior do que ele".
Diante do padrão de movimentação financeira e das autuações da Receita sobre as empresas de Valério, Moacir acredita que os fatos vão confirmar que o publicitário está envolvido em "um gigantesco, bilionário caixa dois" que poderia alimentar campanhas de partidos políticos.
Leão é o autor do projeto que prevê a criação da "supercorregedoria" do governo federal, publicado no "Diário Oficial" da União há duas semanas. Pelo projeto, cada ministério terá uma corregedoria, todas respondendo à CGU (Controladoria Geral da União).
Ele disse que, como a Casa Civil demorou muito para implementá-lo, o projeto pode ser visto agora como "casuísmo".
O ex-corregedor da Receita diz que até hoje não sabe porque o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) decidiu não mantê-lo no cargo, afastando-o no meio da investigação que apura a existência de um esquema de venda de legislação na Receita Federal. O mandato de Leão terminou no mês passado, mas poderia ser renovado por mais três anos.
Conforme a Folha publicou no mês passado, empresas como a Fiat e a McDonald's planejaram e obtiveram mudanças na legislação tributária que as beneficiaram em sua defesa contra multas aplicadas pela Receita. As duas empresas pagaram milhões de reais à consultoria Martins Carneiro, dos auditores fiscais Paulo Baltazar Carneiro e Sandro Martins, logo assim que a Receita alterou a legislação que as beneficiaram. Conhecidos como "anfíbios" -ora estão na Receita, ora se licenciam para defender empresas privadas contra a Receita- Sandro e Paulo Baltazar ocuparam cargos de confiança no órgão.
O caso do "propinoduto" apurou a participação de funcionários do INSS e da Receita no cancelamento de débitos tributários via pagamento de propinas.

Folha - Como o sr. classifica as investigações realizadas pela Corregedoria sobre o suposto esquema de venda de legislação no âmbito da Receita Federal?
Moacir Leão
- São investigações da maior importância, haja vista a extrema gravidade que encerram como denúncias, e estão sendo conduzidas por pessoas competentes e habilitadas. O objeto das investigações é grave devido ao potencial lesivo ao serviço público. Portanto a apuração deve ser total, profunda e deve ir até o fim.

Folha - O sr. estava no meio de uma investigação importante, e o ministro Palocci preferiu afastá-lo do cargo. Por que o ministro não o manteve na Corregedoria?
Leão
- Não tenho conhecimento porque não fui comunicado a respeito. Todavia, não me cabe julgar nem criticar a atitude do ministro, mas sim acatar a decisão.

Folha - Acatar significa aceitar?
Leão
- Não, eu não comento a decisão do ministro. O fato está dado e eu não comentarei.

Folha - As investigações sobre a venda de legislação continuam? O que a Receita ainda tem de fazer?
Leão
- As investigações devem continuar sob pena de grave prejuízo ao serviço público. Até porque, dessas investigações que eu instaurei, muitas coisas ainda virão à tona e trarão grande colaboração ao trabalho feito pelas comissões de inquérito da Receita.

Folha - Se o sr. fosse secretário da Receita, nomearia auditores "anfíbios" para cargos de confiança?
Leão
- Em hipótese alguma. Nenhum auditor fiscal, nenhum servidor da Receita poderá desempenhar suas funções com integridade no serviço público exercendo concomitantemente a defesa de contribuintes. Aí reside grande parte dos focos de corrupção.

Folha - Nesses 13 anos de Receita, em quantas vezes o sr. já viu auditores anfíbios ocupando cargo de confiança dentro da Receita?
Leão
- Vi em alguns casos. Todos de que tive conhecimento mandei apurar.

Folha - Na semana passada, a Casa Civil publicou no "Diário Oficial" o projeto que cria a "supercorregedoria" do governo federal. Qual a importância desse projeto para o combate à corrupção?
Leão
- Avalio que é um bom projeto, mas que veio tarde. Dado o momento da crise que vivemos, o projeto se sujeita a críticas de oportunismos, casuísmo etc. Contudo sou testemunha do grande esforço feito pelos colegas da CGU, para dar maior efetividade ao combate contra a corrupção. Eu propus que a CGU se transformasse num órgão efetivamente repressor da corrupção. Uma controladoria com poderes de instaurar e julgar inquéritos. Eu enviei a proposta em novembro de 2004. Tenho notícias de que ficou durante um longo tempo retido na Casa Civil.

Folha - O projeto estava engavetado na Casa Civil?
Leão
- Não diria engavetado, mas tenho notícias de que o tempo de tramitação foi longo.

Folha - Há um emaranhado de empresas do publicitário Marcos Valério. Uma de suas agências de publicidade foi autuada pela Receita por movimentação financeira incompatível com a receita e por ingresso de recursos sem origem comprovada. Do ponto de vista fiscal, o que a CPI deveria investigar?
Leão
- Sobre eventual lavagem de dinheiro e patrimônio a descoberto, o caminho é um só: buscar a origem do dinheiro e todos os relacionamentos das pessoas físicas e jurídicas ligados ao processo. É preciso ver também eventuais ligações com doleiros, pois nem sempre as remessas para o exterior são feitas através de caminhos rastreáveis.

Folha - Pelo padrão da composição das empresas de Marcos Valério e pelas autuações já realizadas pela Receita, que análise é possível fazer do caso, do ponto de vista do investigador fiscal?
Leão
- Acompanhando os fatos pela imprensa, eu percebo, numa análise ainda sujeita a muitas modificações, a formação de um gigantesco, bilionário caixa dois, em que o senhor Marcos Valério desponta como um laranja de um esquema muito maior do que ele. As investigações vão reduzi-lo à sua verdadeira dimensão, que é menor do que a que ele ocupa hoje na centralidade da investigação.

Folha - Ele poderia ser uma espécie de laranja para movimentar caixa dois de campanha política?
Leão
- Se os fatos se confirmarem, parece-me que teremos um laranja, e não um sujeito de todos os crimes que lhe são imputados.

Texto Anterior: Escândalo do "mensalão"/ rumo a 2006: Crise adia definição de candidato tucano
Próximo Texto: Ex-tesoureiro acusa PT de caixa 2
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.