São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

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EVENTO FOLHA

Ministro Patrus Ananias defende Bolsa-Família e diz que ele vincula o direito à alimentação ao da educação

Gasto social não deve ir só para pobres, diz especialista

DA REDAÇÃO

Qual a melhor forma de reduzir a desigualdade no país? Focalizar os recursos sociais, distribuindo-os somente aos mais pobres, ou universalizá-los, dividindo-os entre todos? Para a economista Lena Lavinas, é impossível "focalizar" em um país com 35 milhões de pobres. O também economista Marcelo Neri discorda: "Eu, recebendo renda do Estado brasileiro? Acho um absurdo."
As opiniões acima foram manifestadas por especialistas em políticas públicas no debate sobre gastos sociais promovido pela Folha no último dia 27.
Contrária à focalização adotada hoje no Brasil através, principalmente, do Bolsa-Família, Lena Lavinas diz que os programas focalizados de combate à pobreza não podem ser considerados como políticas de proteção social, e defendeu a universalização. Para a professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), "quando focalizamos só no combate à pobreza, nos programas de transferência de renda, abandonamos aquilo que impede que se chegue nela. Isto é, uma política de proteção social perene, universal."
Ela cita como exemplo países da União Européia, como a Dinamarca, que adota políticas de distribuição direta e indireta de renda, através de deduções fiscais.
"Quem paga mais imposto de renda são as famílias que não têm filhos, numa redistribuição horizontal: de quem não possui filhos para quem os tem, cujos gastos são maiores. E a redistribuição vertical, de quem tem mais recursos para quem tem menos. Esse sistema de redistribuição é universal, isto é, contempla a todos."
Na direção contrária, Marcelo Neri argumenta que políticas universais são inviáveis para o país. Segundo o chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, a limitação orçamentária impõe que as verbas sociais sejam gastas com quem precisa".
"Sou contra a universalização. Não dá para fazer política social no Brasil jogando dinheiro de helicóptero, com todos recebendo uma renda universal. Se forem dados R$ 80 para cada brasileiro, isso custará R$ 160 bilhões. De onde tirar esses recursos? Fazer política pública sem restrição orçamentária é fácil. O dinheiro deve ser gasto com quem precisa."
Convidado para o evento, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, apóia a focalização, mas diz que as verbas sociais sempre foram mal gastas no Brasil. Citou o histórico de exclusão digital e de baixa escolaridade da população para afirmar que a diminuição da desigualdade não se dá "num passe de mágica".
Nesse contexto, defende o Bolsa-Família que, segundo ele, possibilita a auto-suficiência e vincula o direito à alimentação ao da educação: "O Bolsa-Família e os programas integrados a ele incorporam os direitos à alimentação aos da educação, saúde e família".
O programa, elogiado pelo ministro e por Marcelo Neri, foi criticado por Lavinas, para quem o impacto dele na redução da pobreza é baixo, porque o benefício seria relativamente pequeno: "O Brasil tem uma política de transferência de renda limitada, ruim, de baixa cobertura, com volume baixo de benefícios."

"Dependência"
Ela questiona também o fato de o Bolsa-Família ser condicionado à renda das famílias pobres, sendo essa condição variável: "A vulnerabilidade oscila. Se melhorar, as pessoas seriam prejudicadas porque não responderiam mais aos critérios de elegibilidade, perdendo o direito ao benefício".
A visão de que essas ações geram "dependência" e não possibilitam a emancipação dos pobres foi compartilhada pelo secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Floriano Pesaro. Ele diz que os critérios do Bolsa-Família são punitivos: "Os critérios não são emancipatórios, mas de punição. Quando a criança não está freqüentando a escola, ela pode perder o benefício. Temos de pensar uma nova agenda da política social, ou será que vamos ficar mais dez anos em programas de transferência de renda?"
Apesar de criticar o principal programa social do governo, o sociólogo elogiou a gestão de Patrus Ananias no ministério, dizendo ser ele "o melhor ministro do governo Lula", e admitiu que programas anteriores, assim como o Bolsa-Família, também não possibilitavam ao beneficiado uma "porta de saída". Isto é, uma forma de ele conseguir viver sem que precise de recursos do Estado.

Porta de saída
A questão da "porta de saída", levantada pelo mediador do debate, o jornalista Gilberto Dimenstein, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, foi respondida assim pelo ministro: "Para que haja portas de saída, é preciso haver uma porta de entrada [o Bolsa-Família]." Para o ministro, os beneficiários do programa deixarão de necessitar dos recursos graças a outras políticas de geração de emprego e renda.
Um dos consensos da discussão foi a defesa dos investimentos na pré-escola, sugerida por Marcelo Neri. Ele é a favor do subsídio à educação na primeira infância, por entender ser mais barato que distribuir renda do Estado: "Se há subsídios a indústrias, porque não subsidiar a educação?"

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