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Confundido com doleiro, dentista relata excessos
de agentes da operação
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
O policial vestido de preto
gritava repetidamente "Você é
o Marco Matalon. Fala, do-lei-ro Marco Matalon, fala". Gritava e apontava a metralhadora para o homem franzino que
tinha sido encostado à força
contra a parede. Descalço, de
pijama, o homem respondia:
"Sou o Fabio Bibancos. Sou
dentista. Não sou Marco Matalon." Não adiantava.
Durou das 6h às 12h de anteontem a ação da Polícia Federal na rua Maurício Francisco Klabin, 401, na Vila Mariana. No local, os agentes acreditavam que funcionasse o escritório de Marco Ernst Matalon,
que figura na investigação da
PF como "um dos maiores doleiros do país" e está foragido.
Quando, às 6h, os agentes
bateram à porta do imóvel,
procurando por Matalon, foram atendidos, via interfone,
pela caseira June Bernachi,
65. Ela lhes disse que não conhecia ninguém com tal nome
e que não podia abrir a porta.
Os "visitantes" insistiam e ela
negava. Dez minutos depois,
com um estrondo, a porta de
vidro da frente foi destruída
pelos homens. Que entraram.
A caseira, desesperada, telefonou para Bibancos, que mora em um edifício defronte ao
local. Pedia socorro, achando
que estivesse diante de assalto
cometido por ladrões comuns.
Bibancos correu para a clínica,
convencido disso. "A gente vê
o tempo todo nos telejornais
ladrões fazendo-se passar por
agentes da PF", diz ele.
"Pára de chorar, bichinha",
gritou-lhe um agente, quando
o dentista, de 45 anos, apavorado, tentava explicar-lhe entre lágrimas que não era Matalon (a quem conhecidos descrevem como homem corpulento, de mais de 70 anos), e
que ali funciona o Instituto Bibancos de Odontologia, anexo
ao qual estão instaladas a ONG
Turma do Bem e a Escola do
Pensamento em Saúde, projetos que ele anima.
Foi um mandado de busca e
apreensão assinado pelo juiz
federal Fausto Martin de
Sanctis que autorizou a ação
da PF no consultório de Bibancos. Segundo a Polícia Federal informou à Justiça, "teriam sido realizadas diversas
vigilâncias" no local, que levaram aos seguintes apontamentos: "[tem] diversas características relacionadas à segurança (altos muros, guarita
com segurança, câmeras de vigilância, interfone para identificação) que, em tese, seriam
incompatíveis com as atividades desenvolvidas por ONG,
havendo, assim, suspeitas de
que poderia ser utilizado como "fachada" para atividades
ilegais de câmbio ou até mesmo de lavagem de ativos."
"Eu não teria muros altos ou
câmeras de vigilância se vivêssemos em um país seguro", defende-se Bibancos, uma estrela da odontologia paulista, que
cuida, por exemplo, dos sorrisos dos atores Ana Paula Arósio, Marcelo Anthony, Marco
Ricca e Fabio Assunção.
Os agentes da PF chegaram
ao endereço da clínica de Bibancos rastreando a empresa
Iaia Garcia Holding Ltda., em
que Muriel Matalon, atriz e filha de Marco Ernest Matalon,
consta como sócia. Muriel,
que se encontra em viagem no
exterior, é amiga de Bibancos e
ex-voluntária da Turma do
Bem, da qual se desligou oficialmente em 2006.
Desde então, a ONG, que dá
atendimento odontológico
gratuito a 6.000 crianças carentes de todo o país, recebeu
o reconhecimento da Ashoka,
uma organização mundial sem
fins lucrativos que apóia empreendedores sociais destacados. O próprio Bibancos foi
eleito Empreendedor Social
2006 em premiação promovida pela Folha em parceria
com a Fundação Schwab. Há
uma semana, o dentista estava
em Nova York. Foi convidado
pela equipe de programa de
governo do candidato Barack
Obama à Casa Branca a apresentar seu projeto.
A PF recolheu do consultório de Bibancos e da ONG sete
hard disks, dois laptops e
agendas. "Senti-me como em
um Estado totalitário. O que
eu vivi foi uma violência inaceitável contra os direitos de
todos os cidadãos", diz Bibancos, chorando.
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