São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2008

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JANIO DE FREITAS

A confusão escandalosa



Dúvida e obscuridade acirram o problema entre Judiciário e PF e ainda ameaçam com um escândalo à parte do escândalo

ATÉ QUE baixe a poeira de afirmações duvidosas e obscuridades que comprometem o relato apresentado pela Polícia Federal, os ingredientes do episódio estrelado por Daniel Dantas e Naji Nahas compõem uma confusão que se mostra distante dos esclarecimentos indispensáveis. Mas, por isso mesmo, tornou mais próxima de uma situação crítica a repulsa de grande parte do Judiciário, inclusive do Supremo Tribunal Federal, aos exibicionismos cinematográficos da Polícia Federal, considerados contrários ao Estado de Direito.
O privilégio dado à TV Globo, sempre levada ao lugar e à hora certa por avisos de operações "sigilosas" da PF, explica-se pela reciprocidade que a emissora dá, em audiência e no intenso uso acrítico do material colhido. Em relação ao jornalismo, a discriminação praticada pela Polícia Federal não justifica reclamações dos demais meios de comunicação, que também procuram sempre, em outras frentes, a obtenção da matéria-prima jornalística que são as antecipações e exclusividades. Outros aspectos são mais significativos.
Exata uma semana antes da nova operação televisiva da PF, o presidente do Supremo Tribunal Federal voltara o seu modo irado contra os vazamentos e informações policiais descabidas, das quais já foi vítima. Com acidez que prejudicou, pelo habitual excesso, sua intervenção, disse o ministro Gilmar Mendes que "quem faz isso não é agente público, é gângster", em "um quadro de intimidação" que "é preciso encerrar", porque "é abusivo o que se vem realizando e não é possível instaurar, no Brasil, o modelo de estado policial". Gângster é outra coisa, não há propósitos de estado policial, mas fatos sucessivos dão sentido pleno ao "abusivo" em ações policiais.
A nova operação da PF pareceu a Gilmar Mendes certa "inveja ao regime soviético", mas a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajupesf) cuidou de pôr em termos a reprovação: "É preciso um basta", porque os excessos exibicionistas da PF "violentam direitos e garantias individuais dos cidadãos", o que requer, com "o absurdo de que a imprensa seja avisada previamente", investigação superior. Imprensa, assim generalizada, não é bem o caso, embora a Polícia Federal procurasse ampliar-lhe a presença, no episódio, com o estapafúrdio e frustrado pedido de prisão de uma repórter -Andréa Michael, da Folha, que em abril deu o "furo" da investigação de Daniel Dantas.
O repúdio aos métodos não chegou, no entanto, a aspectos do relato feito pela Polícia Federal. Se considerasse alguns, dificilmente deixaria de incluir suspeitas de precipitação, no mínimo. Em relação, por exemplo, às afirmações de estranhíssimos vazamentos de informação privilegiada do FED, o Banco Central dos Estados Unidos, para os nossos especuladores financeiros. O jornalista Carlos Alberto Sardenberg constatou, pela CBN, que na data citada pela PF não houve reunião do FED. No 19 de setembro que citam, os policiais puderam ler, e confundiram a data, as notícias sobre a reunião feita no dia 18. Melhor ainda, a decisão adotada pelo FED, da qual teria havido o tal vazamento antecipatório para especulações de Dantas, Nahas & cia., estava posta há dias nos jornais, por notícias e comentaristas.
A movimentação de R$ 3 bilhões entre o banco de Dantas e um paraíso fiscal é uma cifra para espantar mesmo. A menos que não se desconsidere ser Dantas representante, no Brasil, de investimentos de grandes fundos de pensão do exterior. E que os paraísos fiscais, como a citada Cayman, são os pólos de altas transações financeiras internacionais, e legais, por seus baixos impostos e tarifas. Compras de aviões e de equipamento pesado, por exemplo, fazem-se muito por intermédio de paraísos fiscais. O que há, então, por trás dos R$ 3 bi é tão importante quanto ainda obscuro.
Dúvidas, obscuridades e privilégio já acirram o problema entre Judiciário e PF e ainda ameaçam com um escândalo à parte do escândalo.


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