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DE VOLTA A SP
Ex-prefeito afirma que fiscais do Estado mantiveram funcionário de empresa da família sob cárcere privado
Covas mandou invadir granja, diz Maluf
JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
De volta de mais uma de suas viagens à Europa, o ex-prefeito Paulo
Maluf decidiu abrir o verbo. Em
entrevista à Folha, ele se diz vítima
de um complô. Afirma que fiscais
do governo tucano de Mário Covas
"invadiram" a granja Obelisco, de
sua mulher, Sylvia, "mantiveram
o caseiro sob cárcere privado" e
"surrupiaram" documentos. Ele
desafia Covas a investigar a Tejofran, empresa que doou dinheiro
para a campanha do governador e
hoje presta serviços ao Estado. Maluf diz também que Celso Pitta,
"decente, honesto", é perseguido
por ser "preto" e carioca.
Folha - A que o sr. atribui o atual
inferno astral?
Paulo Maluf - Em 15 de novembro de 96, o establishment brasileiro foi derrotado. José Serra foi derrotado de maneira ridícula. No segundo turno, tivemos um embate
contra a Erundina, também derrotada de maneira vergonhosa. O
Pitta inaugurou uma nova administração municipal. O prefeito
não precisa ser de tradicional família paulistana. O Pitta é um homem decente, honesto. Foi o primeiro preto a ser eleito prefeito da
terceira maior cidade do mundo,
vindo do Rio de Janeiro. São Paulo
não discrimina. Mas isso aguçou
uma campanha feita pelo establishment contra o Pitta.
Folha - Estaria havendo então
um complô envolvendo o Covas, o
Serra, o PT...
Maluf - Sim. Na CPI dos Precatórios, por exemplo, o Serra parecia menos um senador por São
Paulo e muito mais um ressentido
com a derrota. Quanto ao Mário
Covas, as pesquisas indicam que,
entre os melhores de cada partido,
ele está lá embaixo. Se eu estivesse
no último lugar, não tinha frango,
não tinha nada. Como estou em
primeiro, os adversários precisam
inventar alguma coisa. Foi sempre
assim. No passado eram os Fuscas,
eram as flores, as medalhas. Hoje
inventam outras coisas. Mas isso
faz parte da campanha eleitoral.
Eu sigo uma norma de longa data,
extraída de um poema que recitei
mais de uma centena de vezes na
escola, quando ainda andava de
calças curtas. Era em "I-Juca-Pirama", de Gonçalves Dias. Num
de seus sonetos, ele diz o seguinte:
a vida é um combate, que os fracos
abate e os bravos, os fortes, só pode exaltar. Aqueles que hoje me injuriam, podem ter certeza de que
eu estou hoje mais estimulado para a campanha eleitoral do que estava há três meses. (Maluf comete
erros em sua citação. Segundo
Ulisses Infante, professor de literatura, não há sonetos em "I-Juca-Pirama", um poema narrativo,
com métrica variável. Os versos
mencionados por Maluf integram
outro poema de Gonçalves Dias,
"Canção do Tamoio". Eis o trecho: "Não chores, meu filho;/Não
chores, que a vida/É luta renhida:/viver é lutar./A vida é combate,/que os fracos abate,/que os fortes, os bravos,/só pode exaltar.)
Folha - O governador Covas defende uma CPI para o caso dos
frangos. O que o senhor acha?
Maluf - Vi na Folha que ele criticou vereadores do PSDB por não
desejarem a CPI do frango. E disse
que gostaria de CPI para todos o
casos. Eu o desafio a criar a CPI da
Tejofran. Para quem não sabe, a
Tejofran é uma empresa que deu
dinheiro ao Covas na campanha de
94. Em contrapartida, ganhou, segundo a própria Folha, centenas
de milhões de dólares em contratos, sem concorrência. Isso está
sendo alvo de investigação do tribunal de contas. O mais inescrupuloso é que o filho do Covas, o
Zuzinha, é afilhado de casamento
do filho do dono da Tejofran.
Folha - O sr. está dizendo que a
Tejofran obteve contratos só porque doou recursos para a campanha de Mário Covas?
Maluf - Sim, porque deu dinheiro na campanha e porque tem
uma relação de amizade tão forte
que foi escolhido padrinho de casamento de seu filho, Mário Covas
Jr., o Zuzinha. Se o Covas não está
com hipocrisia, que mande investigar este caso suspeito.
Folha - O Ministério Público do
Estado de São Paulo ingressou
com ação em que o acusa, junto
com Pitta e Wagner Ramos, de improbidade administrativa. Esta denúncia também é política?
Maluf - Quero acreditar que a
promotoria de São Paulo não está
a serviço do Covas. Mas se você lê
no jornal "O Estado de S.Paulo"
reportagem sob o título "Marrey
defende aplicação de punições",
você fica em dúvida (Luiz Antônio
Marrey, procurador-geral de Justiça do Estado, chefia o Ministério
Público de São Paulo). Quando o
dr. Marrey diz aqui (Maluf lê o jornal): "Se o juiz aplicar as sanções
previstas na lei de improbidade
administrativa, o que espero..."
Quando ele diz que espera que a
gente seja condenado, ele tomou
partido. Lembro que o Marrey, ao
ser indicado, não foi o primeiro da
lista. Ele era o segundo da lista.
Numa decisão que revoltou os
procuradores de carreira, o governador Covas escolheu o segundo.
Folha - A ação da procuradoria
não está respaldada por investigações da CPI dos Precatórios e do
Banco Central?
Maluf - Não encontra respaldo
em nada. As emissões feitas pela
prefeitura foram exatamente
aquelas autorizadas pelo Banco
Central e pelo Senado. Inclusive
com o voto do senador Requião. E,
como lá se aprova tudo por unanimidade, deve ter os votos também
dos ex-senadores Fernando Henrique e Mário Covas. O Pitta levou
117 páginas à CPI, mostrando que
os títulos autorizados desde os
tempos da Erundina são inferiores
ao que temos para pagar em precatórios. Tenho um parecer do Saulo
Ramos que diz o seguinte: quando
você é autorizado a emitir títulos,
se você não emite no prazo certo,
perde a autorização. Nós, para não
perder, pedimos prorrogação do
prazo ao Banco Central. Foi concedido. E emitimos apenas para pagar os precatórios. As contas de
minha gestão foram inclusive
aprovadas pelo Tribunal de Cons
de São Paulo, por unanimidade e
com muitos elogios.
Folha - Mas as contas do ex-presidente Collor também foram
aprovadas no Tribunal de Contas
da União e todos sabemos como
foi o governo dele.
Maluf - Ah, bom. Mas então você tem que perguntar ao Tribunal
de Contas da União por que é que
foram aprovadas. Isso eu não discuto. O que posso lhe dizer é que
São Paulo deu exemplo de honestidade no caso dos precatórios. O
problema é que a campanha eleitoral começou. O PT e o Covas, como não podem ganhar a eleição,
inventam o frango.
Folha - Ficou demonstrado que
sua mulher e sua filha possuem
uma empresa de frangos, a Obelisco...
Maluf - Elas têm uma empresa
de frango.
Folha - Seu filho tem uma empresa de frangos também, a Grandfood...
Maluf - Tem, tem.
Folha - A família Lutfalla, de seu
sogro, tem uma empresa de frango...
Maluf - Há 60 anos.
Folha - Frango é um bom negócio?
Maluf - Espera um pouquinho.
Vamos ficar com a entrevista em
bom nível. Em primeiro lugar, sou
amplamente favorável a que se faça uma lei proibindo que parentes
até terceiro grau de prefeitos, governadores e presidente possam
entrar em qualquer concorrência
pública. Como não tem a lei e não
posso impedir ninguém de entrar
em concorrência pública, muito
menos parente por afinidade, eles
entraram e perderam a concorrência. Essa é que é a verdade. Acontece que a Sadia ganhou e, no meio,
disse o seguinte: não forneço mais
e quero mais tanto. Aí podem dizer: botaram um laranja. A Sadia
não se prestaria a ser laranja de
ninguém, é uma empresa conceituada. Pois bem, aí dizem que a
prefeitura, em vez de contratar a A
D'Oro, teria que fazer uma nova
concorrência pública. Então, durante seis meses, as crianças não
teriam merenda? Sim, porque o
frango é para a merenda.
Folha - Mas o sr. não...
Maluf - Espera, espera, espera.
Deixa eu explicar. Senão vamos ficar só na fofoca. Você me pergunta
se frango é bom negócio. Então eu
lhe respondo. E quero ver se você
publica. Pergunta para o sr. Octavio Frias de Oliveira (acionista
controlador da empresa Folha da
Manhã S/A, que edita a Folha) por
que ele fechou a Granja Itambi.
Folha - Ele há de ter fechado porque o mercado não lhe dava boa
rentabilidade. Então eu insisto: é
bom negócio?
Maluf - Não, não. Fizemos um
acordo. Você vai perguntar a ele
porque ele fechou.
Maluf - Não preciso perguntar
a ele. Sei que frango não é bom negócio. Por isso é que estou lhe perguntando.
Folha - Então você põe isto aí pela boca do sr. Octavio Frias. De minha parte digo que o sr. Lutfalla,
da A D'Oro, perdeu a concorrência.
E não ia fornecer, não fosse a Sadia
ter tirado o corpo fora. As crianças
não podiam ficar sem frango.
Folha - Um homem experimentado como o sr. não teve a preocupação de zelar para que...
Maluf - Impedir, impedir que
entrassem na concorrência.
Folha - A Obelisco, empresa de
sua mulher e de sua filha...
Maluf - Perdão. A empresa da
minha mulher, que está fechada,
não forneceu à prefeitura.
Folha - É verdade. Ela forneceu a
A D'Oro, da família de seu sogro,
que forneceu à prefeitura, não?
Maluf - Não. Ela forneceu a
mais de 20 frigoríficos.
Folha - Inclusive para a A D'Oro.
Maluf - Se o sr. Octavio Frias,
com seu frigorífico aberto, fosse lá
e quisesse comprar frango vivo, o
sr. Frias compraria. Depois que o
frango foi morto, ninguém vai saber o caminho da moela, do peito.
Folha - Quer dizer que sua mulher não sabe que parte da produção dela foi vendida à empresa do
seu próprio pai?
Maluf - Isto ela sabe e inclusive
já forneceu todas as cópias para a
promotoria.
Folha - E ela não sabia que a empresa dos Lutfalla forneceu à prefeitura?
Maluf - Não, ela não sabia, não
sabia.
Folha - Nem o seu sobrinho, Caio
Lutfalla, que administra a A D'Oro,
teve a delicadeza de informar ao
sr. que iria fornecer frangos à prefeitura durante sua gestão?
Maluf - Ele mesmo, em entrevista à Folha, disse que não me avisou. Mas eu não vou dizer para você que não sabia. Você pode dizer
que estaria tergiversando. Como?
Passou por baixo dele e ele não sabia? Mesmo que não soubesse, o
que é o caso, direi para você com
muita clareza: sei sim, não podia
impedir que ele entrasse, e sou a
favor que se faça uma lei. Parentes
até terceiro grau, inclusive afins,
são proibidos de entrar em concorrência pública. Fora disso, não
há como impedir. É preciso incluir
os afins, porque cunhado não é parente. O Brizola já dizia. Ele era cunhado do Jango. Mas escuta, você
não é nenhum foca, é um jornalista. Nós não vamos ficar numa entrevista nesse reco-reco.
Folha - Acho que as perguntas
são mais relevantes para o sr. do
que para mim. É o sr. que precisa
esclarecer.
Maluf - Mas já foi mais do que
esclarecido. O pessoal insiste, o
pessoal insiste.
Folha - A Obelisco foi fechada?
Maluf - A granja está fechada.
Por isso eu creio que o Mário Covas está por trás disso. Há uma semana atrás, da mesma maneira
como invadiram a casa de minha
mãe em 83, a mando do sr. Montoro, fiscais do ICMS invadiram a
granja, já fechada, mantiveram o
caseiro sob cárcere privado e levaram uma série de documentos.
Folha - O que o sr. chama de cárcere privado?
Maluf - Não deixaram ele sair,
nem telefonar, nem se comunicar
com ninguém, nem nada. Entraram lá, surrupiaram os documentos e foram embora. Sem mandado
judicial. Invadiram e levaram os
documentos.
Folha - Que providências o sr.
pretende tomar?
Maluf - Nenhuma. Não quero
transformar este caso num caso
político. Mas sou obrigado a dizer
que as ordens vieram do gabinete
do secretário da Fazenda do governo Covas.
Folha - Permita-me mudar de assunto. O PAS está sem dinheiro, o
cronograma do Cingapura está em
atraso, as obras de São Paulo estão
paralisadas. O lema da campanha
de Pitta era São Paulo não pode
parar. O que está havendo com a
prefeitura? Gastou-se além da conta em sua gestão?
Maluf - Celso Pitta é na administração pública tão competente
quanto eu.
Folha - O sr. ainda está seguro
disso?
Maluf - Estou seguro. O que se
deseja é que o Pitta, em sete meses
de mandato, tenha a mesma performance que Maluf teve em quatro anos. O ano de 96 foi um ano de
grande demanda de produtos. O
ICMS e o ISS foram os salvadores
da pátria em diversos Estados brasileiros, inclusive o de São Paulo. O
aquecimento da economia diminuiu em 97. Está havendo recessão. A previsão orçamentária,
aprovada pela Câmara Municipal,
de R$ 7,7 bilhões, se não houver
um aquecimento da economia no
segundo semestre de 97, não vai se
realizar. Isso vai prejudicar a cidade de São Paulo, as outras cidades
do Estado e vai prejudicar também
o governo do Estado. Outra coisa:
a campanha dos precatórios colocou uma porção de bancos suspeitando de tudo e de todos. São Paulo teve dificuldades para rolar operações legítimas. Parece-me que a
imprensa está querendo o escândalo nosso de cada dia. Todo dia
tem que ter um escândalo novo. Isso tudo atrapalha. Mas o julgamento dos quatro anos do Pitta será o julgamento de alguém que vai
se inscrever na galeria dos grandes
prefeitos de São Paulo.
Folha - O sr. disse na campanha
que, se o Pitta decepcionasse, o
eleitor estava dispensado de votar
no sr. Sua frase está mantida?
Maluf - Primeiro precisaria ter
uma imprensa absolutamente imparcial. Se a imprensa for imparcial, ele será considerado um grande prefeito. Na minha opinião, o
Pitta estará na galeria dos grandes
prefeitos de São Paulo. Não tenho
dúvidas. E eu, ou como governador ou como presidente, vou ajudá-lo a ser melhor ainda.
Folha - Quando o sr. escolheu
Celso Pitta para sucedê-lo, disse
que uma das razões era sua honestidade. Um político precisa ser como a mulher de César. Não basta
que seja honesto. É preciso que
pareça honesto. Há no caso de Celso Pitta uma série de detalhes que
arranham a sua imagem. Mencionaria o aluguel de um carro para
Nicéa Pitta pelo Banco Vetor, a
compra de um Vectra com cheque
de um doleiro, furos no Imposto
de Renda...
Maluf - Esses detalhes é que
provam a honestidade dele. Quem
durante quatro anos foi o gestor de
US$ 24 bilhões, um orçamento
maior do que o do Chile, e é acusado de ter tido um carro alugado
pago pelo Vetor, R$ 2.000, R$
3.000, sei lá, é de se perguntar: não
foi excesso de zelo? Ele podia ter
requisitado um carro oficial, uma
ambulância. Se a suspeição é essa,
tenho a certeza de que ele é honesto.
Folha - Há outras suspeições?
Maluf - Quais?
Folha - O fato de ter mantido em
sua equipe uma pessoa como
Wagner Ramos, por exemplo.
Maluf - O Wagner Ramos ele
não sabia. Ele demitiu-o assim que
soube que cobrava de outras prefeituras. Ele pagou com a maior
pena, a demissão. A não ser que a
Folha pregue a pena de morte.
Folha - O sr. acha que seu relacionamento com Fernando Henrique
Cardoso pode ser abalado?
Maluf - Não. O presidente é um
estadista. Temos um relacionamento perfeito. Ele não irá se perder em pequenas manobras. Isso é
coisa de gente que tem a cabeça do
tamanho da cabeça de um alfinete.
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