São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997.



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DE VOLTA A SP
Ex-prefeito afirma que fiscais do Estado mantiveram funcionário de empresa da família sob cárcere privado
Covas mandou invadir granja, diz Maluf

JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação

De volta de mais uma de suas viagens à Europa, o ex-prefeito Paulo Maluf decidiu abrir o verbo. Em entrevista à Folha, ele se diz vítima de um complô. Afirma que fiscais do governo tucano de Mário Covas "invadiram" a granja Obelisco, de sua mulher, Sylvia, "mantiveram o caseiro sob cárcere privado" e "surrupiaram" documentos. Ele desafia Covas a investigar a Tejofran, empresa que doou dinheiro para a campanha do governador e hoje presta serviços ao Estado. Maluf diz também que Celso Pitta, "decente, honesto", é perseguido por ser "preto" e carioca.

Folha - A que o sr. atribui o atual inferno astral?
Paulo Maluf -
Em 15 de novembro de 96, o establishment brasileiro foi derrotado. José Serra foi derrotado de maneira ridícula. No segundo turno, tivemos um embate contra a Erundina, também derrotada de maneira vergonhosa. O Pitta inaugurou uma nova administração municipal. O prefeito não precisa ser de tradicional família paulistana. O Pitta é um homem decente, honesto. Foi o primeiro preto a ser eleito prefeito da terceira maior cidade do mundo, vindo do Rio de Janeiro. São Paulo não discrimina. Mas isso aguçou uma campanha feita pelo establishment contra o Pitta.
Folha - Estaria havendo então um complô envolvendo o Covas, o Serra, o PT...
Maluf -
Sim. Na CPI dos Precatórios, por exemplo, o Serra parecia menos um senador por São Paulo e muito mais um ressentido com a derrota. Quanto ao Mário Covas, as pesquisas indicam que, entre os melhores de cada partido, ele está lá embaixo. Se eu estivesse no último lugar, não tinha frango, não tinha nada. Como estou em primeiro, os adversários precisam inventar alguma coisa. Foi sempre assim. No passado eram os Fuscas, eram as flores, as medalhas. Hoje inventam outras coisas. Mas isso faz parte da campanha eleitoral. Eu sigo uma norma de longa data, extraída de um poema que recitei mais de uma centena de vezes na escola, quando ainda andava de calças curtas. Era em "I-Juca-Pirama", de Gonçalves Dias. Num de seus sonetos, ele diz o seguinte: a vida é um combate, que os fracos abate e os bravos, os fortes, só pode exaltar. Aqueles que hoje me injuriam, podem ter certeza de que eu estou hoje mais estimulado para a campanha eleitoral do que estava há três meses. (Maluf comete erros em sua citação. Segundo Ulisses Infante, professor de literatura, não há sonetos em "I-Juca-Pirama", um poema narrativo, com métrica variável. Os versos mencionados por Maluf integram outro poema de Gonçalves Dias, "Canção do Tamoio". Eis o trecho: "Não chores, meu filho;/Não chores, que a vida/É luta renhida:/viver é lutar./A vida é combate,/que os fracos abate,/que os fortes, os bravos,/só pode exaltar.)
Folha - O governador Covas defende uma CPI para o caso dos frangos. O que o senhor acha?
Maluf -
Vi na Folha que ele criticou vereadores do PSDB por não desejarem a CPI do frango. E disse que gostaria de CPI para todos o casos. Eu o desafio a criar a CPI da Tejofran. Para quem não sabe, a Tejofran é uma empresa que deu dinheiro ao Covas na campanha de 94. Em contrapartida, ganhou, segundo a própria Folha, centenas de milhões de dólares em contratos, sem concorrência. Isso está sendo alvo de investigação do tribunal de contas. O mais inescrupuloso é que o filho do Covas, o Zuzinha, é afilhado de casamento do filho do dono da Tejofran.
Folha - O sr. está dizendo que a Tejofran obteve contratos só porque doou recursos para a campanha de Mário Covas?
Maluf -
Sim, porque deu dinheiro na campanha e porque tem uma relação de amizade tão forte que foi escolhido padrinho de casamento de seu filho, Mário Covas Jr., o Zuzinha. Se o Covas não está com hipocrisia, que mande investigar este caso suspeito.
Folha - O Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação em que o acusa, junto com Pitta e Wagner Ramos, de improbidade administrativa. Esta denúncia também é política?
Maluf -
Quero acreditar que a promotoria de São Paulo não está a serviço do Covas. Mas se você lê no jornal "O Estado de S.Paulo" reportagem sob o título "Marrey defende aplicação de punições", você fica em dúvida (Luiz Antônio Marrey, procurador-geral de Justiça do Estado, chefia o Ministério Público de São Paulo). Quando o dr. Marrey diz aqui (Maluf lê o jornal): "Se o juiz aplicar as sanções previstas na lei de improbidade administrativa, o que espero..." Quando ele diz que espera que a gente seja condenado, ele tomou partido. Lembro que o Marrey, ao ser indicado, não foi o primeiro da lista. Ele era o segundo da lista. Numa decisão que revoltou os procuradores de carreira, o governador Covas escolheu o segundo.
Folha - A ação da procuradoria não está respaldada por investigações da CPI dos Precatórios e do Banco Central?
Maluf -
Não encontra respaldo em nada. As emissões feitas pela prefeitura foram exatamente aquelas autorizadas pelo Banco Central e pelo Senado. Inclusive com o voto do senador Requião. E, como lá se aprova tudo por unanimidade, deve ter os votos também dos ex-senadores Fernando Henrique e Mário Covas. O Pitta levou 117 páginas à CPI, mostrando que os títulos autorizados desde os tempos da Erundina são inferiores ao que temos para pagar em precatórios. Tenho um parecer do Saulo Ramos que diz o seguinte: quando você é autorizado a emitir títulos, se você não emite no prazo certo, perde a autorização. Nós, para não perder, pedimos prorrogação do prazo ao Banco Central. Foi concedido. E emitimos apenas para pagar os precatórios. As contas de minha gestão foram inclusive aprovadas pelo Tribunal de Cons de São Paulo, por unanimidade e com muitos elogios.
Folha - Mas as contas do ex-presidente Collor também foram aprovadas no Tribunal de Contas da União e todos sabemos como foi o governo dele.
Maluf -
Ah, bom. Mas então você tem que perguntar ao Tribunal de Contas da União por que é que foram aprovadas. Isso eu não discuto. O que posso lhe dizer é que São Paulo deu exemplo de honestidade no caso dos precatórios. O problema é que a campanha eleitoral começou. O PT e o Covas, como não podem ganhar a eleição, inventam o frango.
Folha - Ficou demonstrado que sua mulher e sua filha possuem uma empresa de frangos, a Obelisco...
Maluf -
Elas têm uma empresa de frango.
Folha - Seu filho tem uma empresa de frangos também, a Grandfood...
Maluf -
Tem, tem.
Folha - A família Lutfalla, de seu sogro, tem uma empresa de frango...
Maluf -
Há 60 anos.
Folha - Frango é um bom negócio?
Maluf -
Espera um pouquinho. Vamos ficar com a entrevista em bom nível. Em primeiro lugar, sou amplamente favorável a que se faça uma lei proibindo que parentes até terceiro grau de prefeitos, governadores e presidente possam entrar em qualquer concorrência pública. Como não tem a lei e não posso impedir ninguém de entrar em concorrência pública, muito menos parente por afinidade, eles entraram e perderam a concorrência. Essa é que é a verdade. Acontece que a Sadia ganhou e, no meio, disse o seguinte: não forneço mais e quero mais tanto. Aí podem dizer: botaram um laranja. A Sadia não se prestaria a ser laranja de ninguém, é uma empresa conceituada. Pois bem, aí dizem que a prefeitura, em vez de contratar a A D'Oro, teria que fazer uma nova concorrência pública. Então, durante seis meses, as crianças não teriam merenda? Sim, porque o frango é para a merenda.
Folha - Mas o sr. não...
Maluf -
Espera, espera, espera. Deixa eu explicar. Senão vamos ficar só na fofoca. Você me pergunta se frango é bom negócio. Então eu lhe respondo. E quero ver se você publica. Pergunta para o sr. Octavio Frias de Oliveira (acionista controlador da empresa Folha da Manhã S/A, que edita a Folha) por que ele fechou a Granja Itambi.
Folha - Ele há de ter fechado porque o mercado não lhe dava boa rentabilidade. Então eu insisto: é bom negócio?
Maluf -
Não, não. Fizemos um acordo. Você vai perguntar a ele porque ele fechou.
Maluf - Não preciso perguntar a ele. Sei que frango não é bom negócio. Por isso é que estou lhe perguntando.
Folha - Então você põe isto aí pela boca do sr. Octavio Frias. De minha parte digo que o sr. Lutfalla, da A D'Oro, perdeu a concorrência. E não ia fornecer, não fosse a Sadia ter tirado o corpo fora. As crianças não podiam ficar sem frango.
Folha - Um homem experimentado como o sr. não teve a preocupação de zelar para que...
Maluf -
Impedir, impedir que entrassem na concorrência.
Folha - A Obelisco, empresa de sua mulher e de sua filha...
Maluf -
Perdão. A empresa da minha mulher, que está fechada, não forneceu à prefeitura.
Folha - É verdade. Ela forneceu a A D'Oro, da família de seu sogro, que forneceu à prefeitura, não?
Maluf -
Não. Ela forneceu a mais de 20 frigoríficos.
Folha - Inclusive para a A D'Oro.
Maluf -
Se o sr. Octavio Frias, com seu frigorífico aberto, fosse lá e quisesse comprar frango vivo, o sr. Frias compraria. Depois que o frango foi morto, ninguém vai saber o caminho da moela, do peito.
Folha - Quer dizer que sua mulher não sabe que parte da produção dela foi vendida à empresa do seu próprio pai?
Maluf -
Isto ela sabe e inclusive já forneceu todas as cópias para a promotoria.
Folha - E ela não sabia que a empresa dos Lutfalla forneceu à prefeitura?
Maluf -
Não, ela não sabia, não sabia.
Folha - Nem o seu sobrinho, Caio Lutfalla, que administra a A D'Oro, teve a delicadeza de informar ao sr. que iria fornecer frangos à prefeitura durante sua gestão?
Maluf -
Ele mesmo, em entrevista à Folha, disse que não me avisou. Mas eu não vou dizer para você que não sabia. Você pode dizer que estaria tergiversando. Como? Passou por baixo dele e ele não sabia? Mesmo que não soubesse, o que é o caso, direi para você com muita clareza: sei sim, não podia impedir que ele entrasse, e sou a favor que se faça uma lei. Parentes até terceiro grau, inclusive afins, são proibidos de entrar em concorrência pública. Fora disso, não há como impedir. É preciso incluir os afins, porque cunhado não é parente. O Brizola já dizia. Ele era cunhado do Jango. Mas escuta, você não é nenhum foca, é um jornalista. Nós não vamos ficar numa entrevista nesse reco-reco.
Folha - Acho que as perguntas são mais relevantes para o sr. do que para mim. É o sr. que precisa esclarecer.
Maluf -
Mas já foi mais do que esclarecido. O pessoal insiste, o pessoal insiste.
Folha - A Obelisco foi fechada?
Maluf -
A granja está fechada. Por isso eu creio que o Mário Covas está por trás disso. Há uma semana atrás, da mesma maneira como invadiram a casa de minha mãe em 83, a mando do sr. Montoro, fiscais do ICMS invadiram a granja, já fechada, mantiveram o caseiro sob cárcere privado e levaram uma série de documentos.
Folha - O que o sr. chama de cárcere privado?
Maluf -
Não deixaram ele sair, nem telefonar, nem se comunicar com ninguém, nem nada. Entraram lá, surrupiaram os documentos e foram embora. Sem mandado judicial. Invadiram e levaram os documentos.
Folha - Que providências o sr. pretende tomar?
Maluf -
Nenhuma. Não quero transformar este caso num caso político. Mas sou obrigado a dizer que as ordens vieram do gabinete do secretário da Fazenda do governo Covas.
Folha - Permita-me mudar de assunto. O PAS está sem dinheiro, o cronograma do Cingapura está em atraso, as obras de São Paulo estão paralisadas. O lema da campanha de Pitta era São Paulo não pode parar. O que está havendo com a prefeitura? Gastou-se além da conta em sua gestão?
Maluf -
Celso Pitta é na administração pública tão competente quanto eu.
Folha - O sr. ainda está seguro disso?
Maluf -
Estou seguro. O que se deseja é que o Pitta, em sete meses de mandato, tenha a mesma performance que Maluf teve em quatro anos. O ano de 96 foi um ano de grande demanda de produtos. O ICMS e o ISS foram os salvadores da pátria em diversos Estados brasileiros, inclusive o de São Paulo. O aquecimento da economia diminuiu em 97. Está havendo recessão. A previsão orçamentária, aprovada pela Câmara Municipal, de R$ 7,7 bilhões, se não houver um aquecimento da economia no segundo semestre de 97, não vai se realizar. Isso vai prejudicar a cidade de São Paulo, as outras cidades do Estado e vai prejudicar também o governo do Estado. Outra coisa: a campanha dos precatórios colocou uma porção de bancos suspeitando de tudo e de todos. São Paulo teve dificuldades para rolar operações legítimas. Parece-me que a imprensa está querendo o escândalo nosso de cada dia. Todo dia tem que ter um escândalo novo. Isso tudo atrapalha. Mas o julgamento dos quatro anos do Pitta será o julgamento de alguém que vai se inscrever na galeria dos grandes prefeitos de São Paulo.
Folha - O sr. disse na campanha que, se o Pitta decepcionasse, o eleitor estava dispensado de votar no sr. Sua frase está mantida?
Maluf -
Primeiro precisaria ter uma imprensa absolutamente imparcial. Se a imprensa for imparcial, ele será considerado um grande prefeito. Na minha opinião, o Pitta estará na galeria dos grandes prefeitos de São Paulo. Não tenho dúvidas. E eu, ou como governador ou como presidente, vou ajudá-lo a ser melhor ainda.
Folha - Quando o sr. escolheu Celso Pitta para sucedê-lo, disse que uma das razões era sua honestidade. Um político precisa ser como a mulher de César. Não basta que seja honesto. É preciso que pareça honesto. Há no caso de Celso Pitta uma série de detalhes que arranham a sua imagem. Mencionaria o aluguel de um carro para Nicéa Pitta pelo Banco Vetor, a compra de um Vectra com cheque de um doleiro, furos no Imposto de Renda...
Maluf -
Esses detalhes é que provam a honestidade dele. Quem durante quatro anos foi o gestor de US$ 24 bilhões, um orçamento maior do que o do Chile, e é acusado de ter tido um carro alugado pago pelo Vetor, R$ 2.000, R$ 3.000, sei lá, é de se perguntar: não foi excesso de zelo? Ele podia ter requisitado um carro oficial, uma ambulância. Se a suspeição é essa, tenho a certeza de que ele é honesto.
Folha - Há outras suspeições?
Maluf -
Quais?
Folha - O fato de ter mantido em sua equipe uma pessoa como Wagner Ramos, por exemplo.
Maluf -
O Wagner Ramos ele não sabia. Ele demitiu-o assim que soube que cobrava de outras prefeituras. Ele pagou com a maior pena, a demissão. A não ser que a Folha pregue a pena de morte.
Folha - O sr. acha que seu relacionamento com Fernando Henrique Cardoso pode ser abalado?
Maluf -
Não. O presidente é um estadista. Temos um relacionamento perfeito. Ele não irá se perder em pequenas manobras. Isso é coisa de gente que tem a cabeça do tamanho da cabeça de um alfinete.



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