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CÂMARA OCULTA
Mesa Diretora da Casa mantém funcionários com salários de até R$ 7 mil que vivem e trabalham fora de Brasília
Câmara loteia e desvia função de cargos vips
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA
A Câmara dos Deputados abriga entre seus funcionários 1.960
pessoas identificadas sob a rubrica CNE -Cargo de Natureza Especial. São, como o nome indica,
funcionários vips, contratados
sem concurso público e cujo salário pode ultrapassar os R$ 7.000.
Deveriam ser voltados a funções
técnicas e administrativas, quase
um terço vinculado à Mesa Diretora da Casa. Vários CNEs, porém, nunca foram a Brasília.
Após pesquisar os 140 boletins
que registram as nomeações da
gestão do presidente da Câmara,
João Paulo Cunha (PT-SP), a Folha localizou funcionários da Casa atuando em escritórios políticos nos redutos eleitorais de seus
respectivos padrinhos -entre os
quais João Paulo Cunha e o primeiro-vice-presidente, Inocêncio
Oliveira (PFL-PE).
Outros CNEs nem mesmo isso
fazem. A primeira secretaria da
Câmara, ocupada hoje por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), por
exemplo, abriga uma funcionária
que mora em Salvador (BA) e que
diz ter ido "duas ou três vezes" ao
diretório do PMDB local. Só isso.
"Alguns são assessores de parlamentares, que nós colocamos
[aqui], e que estão prestando serviços a esses parlamentares. Não
têm que ficar voltado à habitação,
não", diz o deputado Ciro Nogueira (PFL-PI), referindo-se à
atribuição da secretaria da qual é
titular, a quarta, que cuida da habitação funcional do parlamentar.
Nogueira tem quatro de seus assessores lotados na secretaria que
comanda mas que, segundo ele
mesmo, trabalham em seu Estado, o Piauí, incluindo um primo,
Emanoel Nogueira. O deputado
explica que em sua secretaria há
CNEs espalhados "em pelo menos dez Estados". A quarta secretaria teve 79 funcionários em comissão nomeados neste ano.
A julgar pelo que dizem os secretários sobre o destino de muitos CNEs, a situação de descontrole parece generalizada. "Não
dá para perceber quantos estão
nos Estados, porque foram os deputados que indicaram como assessores deles, para trabalhar com
eles", diz Nogueira.
Os salários dos CNEs vão de R$
1.688,72 a R$ 7.428,77. São funcionários contratados para supostamente atender à Mesa e nada têm
a ver com os cargos disponíveis
nos gabinetes dos deputados, os
chamados SPs (Secretários Parlamentares) -o deputado pode
usar até R$ 35 mil para contratar
de cinco a 20 funcionários por gabinete. Os SPs têm autorização legal para atuar na base eleitoral dos
deputados. Já os CNEs, segundo o
ato da Mesa número 45, de 1996,
"são encontrados na administração" da Casa.
Os CNEs lotados nas secretarias, por exemplo, estão vinculados ao serviço administrativo que
cada uma executa: a primeira supervisiona a Casa; a segunda cuida de passaportes e estágio universitário; a terceira requisita passagens aéreas para os deputados;
e a quarta trata da habitação funcional dos deputados. Além dos
CNEs, cada secretaria tem direito
a um número entre 10 e 18 servidores efetivos da Casa.
"O CNE deve trabalhar nos gabinetes da Câmara", diz Adelmar
sabino, ex-diretor-geral da Casa
por 18 anos, ele próprio um CNE
desde que se aposentou, em 2001.
Recebe R$ 6 mil líquidos para
"acompanhar" o andamento de
uma obra da Câmara no Hospital
das Forças Armadas, em Brasília.
"100, 200 ou 300"
Os CNEs costumam ser usados
como moeda de troca na eleição
da Mesa. As 492 lotações das seções principais são distribuídas
de modo a garantir os votos dos
diversos partidos. Por ser estratégico, o número correto de CNEs é
tratado como segredo pelos parlamentares. Confrontados com a
lista nominal produzida pela Folha a partir da pesquisa nos boletins administrativos, alguns secretários enfim revelaram números, mas não mostraram nenhum
registro oficial.
Outros, alegando sobrecarga de
trabalho, deixaram de informar.
A pesquisa nos boletins indicou,
por exemplo, 89 CNEs no gabinete da segunda secretaria (excluídas exonerações de pessoas que
entraram a partir de fevereiro). O
titular da seção, Severino Cavalcanti (PP-PE), ofereceu a seguinte
versão: "Pode ser até mais, pode
ser 100, ou 200, ou 300". "Tenho
50 e poucos. Mas preciso confirmar isso", disse o deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), terceiro-secretário da Mesa. Nos boletins,
ele aparece com 72.
O primeiro-secretário da Mesa,
Geddel Vieira Lima, disse não saber quantos CNEs são nomeados
e onde estão na Casa. "Hoje é impossível saber. Os secretários não
nomeiam, encaminham o pedido
de nomeação", disse Vieira. Todas as nomeações são assinadas
pelo presidente da Casa.
Os boletins dão um mapa da
distribuição dos CNEs na gestão
de João Paulo Cunha. Em vez de
reduzi-los, como prometia nos
corredores da Câmara e como esperavam os servidores de carreira
da Casa, além de uma parte dos
próprios CNEs que efetivamente
trabalham em Brasília, o deputado elevou -ainda que pouco- o
número das nomeações. Exonerou 1.790 pessoas e nomeou 1.795.
No dia 7, a Casa contava com
1.960 CNEs -eram 1.954 quando
tomou posse, alguns intocáveis
herdados de Mesas anteriores.
A grande maioria dos CNEs empossados foi apenas mudada de
seção com a troca de comandos
na Câmara. Dessa forma, os funcionários que serviam à liderança
do PFL no governo passado, que
era ocupada por Inocêncio Oliveira, foram transferidos para o gabinete da primeira vice-presidente, hoje sob a direção do mesmo
Inocêncio Oliveira.
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