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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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CÂMARA OCULTA

Mesa Diretora da Casa mantém funcionários com salários de até R$ 7 mil que vivem e trabalham fora de Brasília

Câmara loteia e desvia função de cargos vips

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

JAIRO MARQUES
DA AGÊNCIA FOLHA

A Câmara dos Deputados abriga entre seus funcionários 1.960 pessoas identificadas sob a rubrica CNE -Cargo de Natureza Especial. São, como o nome indica, funcionários vips, contratados sem concurso público e cujo salário pode ultrapassar os R$ 7.000. Deveriam ser voltados a funções técnicas e administrativas, quase um terço vinculado à Mesa Diretora da Casa. Vários CNEs, porém, nunca foram a Brasília.
Após pesquisar os 140 boletins que registram as nomeações da gestão do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), a Folha localizou funcionários da Casa atuando em escritórios políticos nos redutos eleitorais de seus respectivos padrinhos -entre os quais João Paulo Cunha e o primeiro-vice-presidente, Inocêncio Oliveira (PFL-PE).
Outros CNEs nem mesmo isso fazem. A primeira secretaria da Câmara, ocupada hoje por Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), por exemplo, abriga uma funcionária que mora em Salvador (BA) e que diz ter ido "duas ou três vezes" ao diretório do PMDB local. Só isso.
"Alguns são assessores de parlamentares, que nós colocamos [aqui], e que estão prestando serviços a esses parlamentares. Não têm que ficar voltado à habitação, não", diz o deputado Ciro Nogueira (PFL-PI), referindo-se à atribuição da secretaria da qual é titular, a quarta, que cuida da habitação funcional do parlamentar.
Nogueira tem quatro de seus assessores lotados na secretaria que comanda mas que, segundo ele mesmo, trabalham em seu Estado, o Piauí, incluindo um primo, Emanoel Nogueira. O deputado explica que em sua secretaria há CNEs espalhados "em pelo menos dez Estados". A quarta secretaria teve 79 funcionários em comissão nomeados neste ano.
A julgar pelo que dizem os secretários sobre o destino de muitos CNEs, a situação de descontrole parece generalizada. "Não dá para perceber quantos estão nos Estados, porque foram os deputados que indicaram como assessores deles, para trabalhar com eles", diz Nogueira.
Os salários dos CNEs vão de R$ 1.688,72 a R$ 7.428,77. São funcionários contratados para supostamente atender à Mesa e nada têm a ver com os cargos disponíveis nos gabinetes dos deputados, os chamados SPs (Secretários Parlamentares) -o deputado pode usar até R$ 35 mil para contratar de cinco a 20 funcionários por gabinete. Os SPs têm autorização legal para atuar na base eleitoral dos deputados. Já os CNEs, segundo o ato da Mesa número 45, de 1996, "são encontrados na administração" da Casa.
Os CNEs lotados nas secretarias, por exemplo, estão vinculados ao serviço administrativo que cada uma executa: a primeira supervisiona a Casa; a segunda cuida de passaportes e estágio universitário; a terceira requisita passagens aéreas para os deputados; e a quarta trata da habitação funcional dos deputados. Além dos CNEs, cada secretaria tem direito a um número entre 10 e 18 servidores efetivos da Casa.
"O CNE deve trabalhar nos gabinetes da Câmara", diz Adelmar sabino, ex-diretor-geral da Casa por 18 anos, ele próprio um CNE desde que se aposentou, em 2001. Recebe R$ 6 mil líquidos para "acompanhar" o andamento de uma obra da Câmara no Hospital das Forças Armadas, em Brasília.

"100, 200 ou 300"
Os CNEs costumam ser usados como moeda de troca na eleição da Mesa. As 492 lotações das seções principais são distribuídas de modo a garantir os votos dos diversos partidos. Por ser estratégico, o número correto de CNEs é tratado como segredo pelos parlamentares. Confrontados com a lista nominal produzida pela Folha a partir da pesquisa nos boletins administrativos, alguns secretários enfim revelaram números, mas não mostraram nenhum registro oficial.
Outros, alegando sobrecarga de trabalho, deixaram de informar. A pesquisa nos boletins indicou, por exemplo, 89 CNEs no gabinete da segunda secretaria (excluídas exonerações de pessoas que entraram a partir de fevereiro). O titular da seção, Severino Cavalcanti (PP-PE), ofereceu a seguinte versão: "Pode ser até mais, pode ser 100, ou 200, ou 300". "Tenho 50 e poucos. Mas preciso confirmar isso", disse o deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), terceiro-secretário da Mesa. Nos boletins, ele aparece com 72.
O primeiro-secretário da Mesa, Geddel Vieira Lima, disse não saber quantos CNEs são nomeados e onde estão na Casa. "Hoje é impossível saber. Os secretários não nomeiam, encaminham o pedido de nomeação", disse Vieira. Todas as nomeações são assinadas pelo presidente da Casa.
Os boletins dão um mapa da distribuição dos CNEs na gestão de João Paulo Cunha. Em vez de reduzi-los, como prometia nos corredores da Câmara e como esperavam os servidores de carreira da Casa, além de uma parte dos próprios CNEs que efetivamente trabalham em Brasília, o deputado elevou -ainda que pouco- o número das nomeações. Exonerou 1.790 pessoas e nomeou 1.795. No dia 7, a Casa contava com 1.960 CNEs -eram 1.954 quando tomou posse, alguns intocáveis herdados de Mesas anteriores.
A grande maioria dos CNEs empossados foi apenas mudada de seção com a troca de comandos na Câmara. Dessa forma, os funcionários que serviam à liderança do PFL no governo passado, que era ocupada por Inocêncio Oliveira, foram transferidos para o gabinete da primeira vice-presidente, hoje sob a direção do mesmo Inocêncio Oliveira.



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