São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

A direção da maré


Se a carta pública de Fernando Henrique lançou a crise no PSDB, a crise reencontra a sua origem

SE A CARTA PÚBLICA de Fernando Henrique Cardoso, de cobranças aos seus companheiros e ataques a Lula, levou o PSDB a mal disfarçada crise, as declarações que proporcionou, como sobremesa para o veneno, equivalem à chamada pá-de-cal na campanha de Geraldo Alckmin. "Se fosse José Serra, não quer dizer que...mesmo que fosse José Serra...", dando fim às reticências com o melhor desalento: "Quando a maré está de um lado, é muito difícil".
As reticências não esconderam o que Fernando Henrique não quis completar. Mas, formalmente completa ou não, a idéia exposta implica um subterfúgio.
Quando Fernando Henrique e Tasso Jereissati conduziram a escolha do candidato peessedebista, a maré não estava do lado em que está. Lula oscilava, entre um e outro instituto de pesquisa, de 30 a 35% das preferências.
Eram freqüentes, então, as afirmações de que estava no seu teto tradicional, constituído pelos lulistas/petistas inabaláveis, com as possibilidades de crescimento muito enfraquecidas pelos escândalos.
A maré não virou de lado por si. Foi virada. Por ação conjunta dos dois lados. Lula valeu-se dos meios e dos pretextos do governo e antecipou campanha intensa pelo país todo, recebendo como um horário eleitoral particular, e primeiras páginas idem, uma promoção diária, farta, intromissiva: promoção literalmente espetacular.
Não é que os cardeais do PSDB nos tenham negado um espetáculo, é claro, à sua maneira. Pudemos vê-los, aos três ou quatro, à volta de garrafas de vinho que, já disse aqui, Fernando Henrique pede e Tasso Jereissati paga, em restaurantes do melhor padrão paulistano. Faziam a longa escolha do candidato de seu partido. O coronelismo recomposto e, em conformidade com os tempos, saído do interior para a modernidade urbana.
Na ocasião, tanto foi dito que Serra preferia concorrer ao Estado, como dito que temera a disposição de Alckmin de "ir até o fim" na disputa pela indicação partidária.
Serra é o perseguido eterno, ninguém se queixou mais de jornalistas do que ele. Se não for adulado, eis o sinal de que é perseguido.
Nunca se saberá, então, o quanto certos fatores influíram para que a Serra, naquelas mesas, fossem oferecidos menos estímulos eleitorais do que enológicos.
Mas é notória a precariedade das relações políticas e pessoais entre Serra e Jereissati. Assim como as variadas razões da disputa, já longeva, entre Fernando Henrique e Serra.
Apesar disso, não é difícil admitir que quem se dispõe a relegar a prefeitura paulistana ainda no princípio do mandato - ato de ética tão mais questionável, em relação aos eleitores, quanto o substituto não era ou é isento de restrições -, não precisaria de muito mais para pretender a Presidência, e não o governo estadual.
Sobretudo, vale relembrar, quando Lula era visto "no seu teto" e, ao imenso eleitorado de Serra em 2002, em 2006 tenderia a somar-se boa parte da massa de decepcionados com o presidente e seu governo.
Se a carta de Fernando Henrique lançou a crise no PSDB, a crise reencontra a sua origem. Estava erradamente atribuída a Alckmin. Falta, agora, uma carta de Jereissati.


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