São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A orgia eleitoral

A bagunça que o segundo turno instalou é uma exposição importante da face atual do Brasil. Ou, o que dá quase no mesmo, de uma das causas mais determinantes do muito que há de pior, em todas as direções, no Brasil atual.
O PFL que ali diz horrores do PT é o mesmo que acolá se abraça ao PT. O PSDB que aqui se enlaça com o PDT é o PSDB que ali adiante se alia a qualquer um contra o PDT, enquanto ali se acasala com o PT contra o PMDB e logo ali cá dá as mãos ao PMDB para bater o PT. O PT que, em um lugar, acusa moralmente o competidor malufista é o PT que aí transa à vista de todos, ao som de um tango, com Maluf e os malufistas.
E na mesma promiscuidade vão PCdoB, PCB, PTB, PV, falsas esquerdas e verdadeiras direitas, todas as siglas postas sob uma interrogação comum: trata-se de um segundo turno eleitoral ou de uma bacanal política?
Nenhum partido tem princípios, nenhum tem programa, nenhum tem identidade. São uns iguais aos outros, a mesma massa politicamente amorfa e eticamente oca. E como os partidos se compõem de políticos e políticos são pessoas, dispensemo-nos de dizer o óbvio.
Será talvez suficiente lembrar a relação entre a falta orgíaca de qualquer limite partidário (em quase todos os casos, também pessoal) e, de outra parte, a corrupção nas câmaras de vereadores, nas assembléias estaduais, e o compra-e-vende de apoios tornado norma no Congresso, de dez anos para cá, a cada votação de interesse do governo.
A conclusão - parece ser a única possível - é de que a reforma primordial, a reforma para reformas verdadeiras, é a reforma política, tão falada e nunca antevista. Mas é claro que a reforma primordial, dignificante da política, jamais será feita pela classe política que se nutre das indignidades da politicagem.
É o impasse. A pretensa solução do arbítrio é a continuidade do problema com o acréscimo de uma espada homicida na cinta. A solução necessária, se um dia vier, virá da sociedade. Mas o sono dos instrumentos da sociedade - as OABs, ABIs e seus inúmeros similares - lembra uma hibernação polar em inverno infinito.


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