São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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FORTALEZA

Preterida pela cúpula do PT, Luizianne Lins faz campanha apoiada na militância do partido e exalta a ex-petista Heloísa Helena

Renegada vira estrela e se diz marxista esotérica

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA

A jornalista e professora de fotojornalismo e fotopublicidade Luizianne de Oliveira Lins, 35, foi renegada pelo PT e fez uma campanha pobre, sem showmícios milionários ou milhões de panfletos, mas resgatou a garra da militância petista e obteve três vitórias em Fortaleza: passou para o segundo turno, é a novidade nacional e virou grife na cidade.
Meninas e mulheres andam com faixas nos cabelos, blusas largas e soltas e bijuterias com estrelas de pedrinhas baratas. Tudo vermelho. É o estilo Luizianne.
Loura de olhos claros, ela é muito vaidosa, mas cheinha, espontânea, sem recursos para roupas e jóias caras. Uma Marta Suplicy dos pobres, feliz da vida com a banda "cover" do Legião Urbana que anima seus comícios. Por outro lado, é queridinha dos ricos e da classe média local.
Fala pelos cotovelos, tem orgulho dos longos cabelos louros e encaracolados e não desgruda de um "kit maquiagem", cheio de batons, lápis e sombras brilhantes, usadas mesmo à luz do dia. Em destaque, um supercreme para potencializar os cachos do cabelo. Vira e mexe, se olha no espelho e reclama: "Estou parecendo uma leoa!".
Além disso, ela tem o "kit escritório", um estojo com lápis, caneta, corretor, clips, borracha e bloquinhos. É capaz de abri-lo sem cerimônia em reuniões ou debates para corrigir textos ou redigir mensagens. O palestrante da vez que vá perdoando, mas tempo é tudo na vida dela.
Como jornalista e professora da Universidade Federal do Ceará, Luizianne dá uma seca-pimenteira na sua equipe de campanha, especialmente em marqueteiros, produtores do programa de TV e assessores de imprensa.
"Tudo tem que ser do jeito dela. Mexe no texto, na forma, no conteúdo, confere cada detalhe, sempre dá a última palavra. É muito mandona", conta a jornalista Ana Javes, uma entre muitos ex-alunos que aderiram de corpo e alma à campanha.
Passar a idéia de competência é essencial nesta campanha em Fortaleza, cidade que convive com uma espécie de trauma político: a também surpreendente eleição da então petista Maria Luiza Fontenele para a prefeitura, em 1985. Na época, as verbas federais passavam pelo crivo do governo estadual, e a prefeita, mulher, esquerdista e petista, ficou à míngua. A imagem que ficou da sua gestão foi a do lixo se amontoando pelas ruas. E o resultado: a fama de incompetência.
"Eu não tenho medo disso, não. Serei a melhor prefeita que Fortaleza já teve. Sou preparada, conheço a cidade e vou ter a adesão dos melhores quadros daqui, principalmente da universidade. Quero o melhor, o melhor, o melhor", diz a atrevida Luizianne.
Apesar da determinação, a apresentação de seu programa de governo deixa dúvidas sobre ser "a melhor". Parece um caderno escolar. São 76 páginas num bloco espiral, com capa dura ilustrada por uma foto dela ao lado do seu vice, José Carlos Venerando, do PSB, sindicalista, negro e bonitão.
A campanha de Luizianne afirmou-se justamente com um discurso em prol dos negros, das mulheres, das crianças e dos homossexuais. E seu programa foi baseado em 22 grupos de discussão divididos pelas regiões da cidade e integrados por profissionais (urbanistas, por exemplo) e por moradores locais.
Experiência administrativa ela não tem. Sua carreira política começou na militância estudantil, como presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Comunicação, vice-presidente do Diretório Estadual dos Estudantes e diretora da UNE em 1992 e 1993.
Também foi funcionária pública concursada, especializou-se em coleta de lixo (principal trauma de Fontenele) e foi pesquisadora do Datafolha. Foi vereadora em dois mandatos e agora é deputada estadual. Tudo somado, virou craque em campanha.
Luizianne passou por prévias apertadas até obter a legenda, mas o PT nacional não apenas considerava sua pretensão "aventureira" -como declarou o presidente do partido, seu conterrâneo José Genoino- como tinha outros motivos para desprezá-la.
O principal é que o Planalto e o partido precisavam retribuir o apoio do PC do B a candidatos petistas em outros Estados. Fortaleza vinha bem a calhar: o comunista Inácio Arruda já tinha sido candidato com apoio do PT e era favorito nas pesquisas.
Outro motivo: as posições internas de Luizianne, que, rindo, se declara "xiita". Ela é da DS (Democracia Socialista), tendência à esquerda no PT e que era integrada, por exemplo, pela senadora Heloísa Helena, expulsa do partido. Assim como Heloísa no Senado, Luizianne votou na Assembléia contra a reforma da Previdência e a cobrança dos inativos.
"Eu adoro a Heloísa. Pobrezinha, olha o que fizeram com ela!", disse. A diferença entre as duas é que a senadora foi para o confronto e ficou sem a legenda, mas a candidata a prefeita é dura na queda, quer brigar dentro do PT e governar a cidade com ele.
Uma cidade com algumas peculiaridades. Uma delas é a presença feminina na política. Elegeu Maria Luiza Fontenele e, recentemente, a senadora Patrícia Saboya (do PPS, ex-mulher do ex-governador e atual ministro Ciro Gomes) e a vice-prefeita, Isabel Lopes, que rompeu com o prefeito Juraci Magalhães, do PMDB, e aderiu ao PT.
Outra peculiaridade: Luizianne é a queridinha dos ricos e da classe média de Fortaleza. Virou musa, por exemplo, das mulheres e homens que fazem caminhadas pela orla, dia e noite. Uma delas, elegante, moderna, chegou a chorar na tarde de quarta-feira ao abraçar a candidata.
Luizianne é a mais velha e única mulher entre os quatro filhos de um oficial do Corpo de Bombeiros e de uma professora do município, agora aposentada. Como eles são separados, ela tem quartos tanto na casa do pai quanto da mãe e se divide entre as duas.
Seu namorado, Sérgio Novaes, é do PSB e acaba de ser eleito vereador. Os dois são pais de Tié, 4, mas não moram juntos.
À noite, Luizianne incorpora a personagem jovem, frequenta bares, ouve música e é boa de copo. Gosta de cerveja, vinho, caipirinha de limão ou de lima. Dorme pouco e tem uma energia invejável -coisa típica de candidato.
Apesar de não se declarar religiosa, Luizianne é precavida: "Sou marxista esotérica", diz ela, ostentando no pulso um terço de pequenas pérolas falsas, para "dar sorte". Luizianne não tira essa espécie de amuleto por nada até o segundo turno contra o ex-delegado Moroni Torgan, do PFL. Mas, se é tão precavida, ela não deveria tirar mesmo é depois disso, especialmente se ganhar. É aí que a jovem e destemida Luizianne Lins vai precisar, não só de Lula e do PT, mas de muita sorte.


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