|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Gustavo Ioschpe
Nasce um presidente?
SE ALCKMIN ganhar essas eleições, o divisor
de águas dessa campanha terá sido o debate deste
domingo. Até ele, o ex-governador era o anti-Lula, o
picolé de chuchu que não
havia dito a que viera e estava no segundo turno com
uma campanha insossa e tímida, levado pela incomum
capacidade petista-tabajara
de cavar sua própria sepultura. No debate, o tucano
mostrou pela primeira vez a
pinta de um presidente.
Até um surdo entenderia
o desfecho do debate. Alckmin parecia tranqüilo, mas
firme, citando uma profusão de dados e tecendo seus
raciocínios sem consultar
dados. Lula bebia água a cada pausa, leu todas as perguntas de um script visivelmente preparado por terceiros e recorria a seus papéis cada vez que precisava
citar um número. Olhava
para a platéia, para os lados,
pediu um direito de resposta que foi negado, interrompeu a fala alheia. Parecia
cansado e saiu apressado.
No que se disse ali de relevante, e foi pouco, também a
vantagem foi do tucano.
Primeiro, por indagar
com veemência de onde havia vindo o dinheiro da compra do dossiê. Lula jogou a
investigação para a PF (Polícia Federal, não o "por fora" do escândalo anterior).
Invocou uma tal de "lógica
da ética", embaralhando
dois ramos distintos da filosofia: o governante honesto
não é o que previne a corrupção, mas o que a pune
quando a encontra, já que a
corrupção é algo natural do
ser humano e um presidente não pode saber de tudo o
que ocorre no governo.
Ocorre que o dossiê não
foi (espera-se) obra do governo, mas de seu chefe de
campanha, e os envolvidos
eram seus "companheiros".
Acreditando-se que não sabia, não seria preciso chamar a PF: bastaria chamá-los e perguntar.
O segundo ponto foi a recusa de Lula de tornar públicos os gastos do cartão de
crédito da Presidência. Seriam de R$ 700 milhões, segundo Alckmin. Não tenho
idéia se o valor é esse e, se
for, se há algo ilícito, mas a
indisponibilidade do presidente de abrir suas contas é
por si escandalosa. Esse dinheiro é nosso, presidente!
Alckmin também foi duro
ao criticar a política externa,
mencionando as submissões a Bolívia e Argentina.
Lula invocou a solidariedade entre forte e fraco para
justificar seu compadrio a
vizinhos como se fosse função do presidente de um
país rico como o Brasil ajudar os pobres de alhures. Só
falta agora estender o Bolsa
Família aos bolivianos.
Houve outras farpas, ataques e contra-ataques. Muito pouca substância. É deplorável? Claro. Mas não se
pode esperar uma discussão
programática em intercâmbios de dois minutos. Esses
eventos são mais para definir postura do que outra
coisa. Alckmin venceu. O revide será vigoroso.
Há duas semanas, mencionei aqui o envolvimento
de Freud Godoy no caso do
dossiê. A PF e o Ministério
Público agora o isentam de
culpa. Mantido esse parecer
ao final das investigações,
terei cometido uma injustiça e manchado a reputação
de um inocente, pelo que
peço desculpas.
GUSTAVO IOSCHPE é mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA)
Texto Anterior: Eleições 2006/Debate: Tucano parecia pitbull treinado, diz Tarso Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Alckmin se diz "zen", acusa Lula de mentir e cobra origem de dinheiro Índice
|