São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2006

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Gustavo Ioschpe

Nasce um presidente?

SE ALCKMIN ganhar essas eleições, o divisor de águas dessa campanha terá sido o debate deste domingo. Até ele, o ex-governador era o anti-Lula, o picolé de chuchu que não havia dito a que viera e estava no segundo turno com uma campanha insossa e tímida, levado pela incomum capacidade petista-tabajara de cavar sua própria sepultura. No debate, o tucano mostrou pela primeira vez a pinta de um presidente.
Até um surdo entenderia o desfecho do debate. Alckmin parecia tranqüilo, mas firme, citando uma profusão de dados e tecendo seus raciocínios sem consultar dados. Lula bebia água a cada pausa, leu todas as perguntas de um script visivelmente preparado por terceiros e recorria a seus papéis cada vez que precisava citar um número. Olhava para a platéia, para os lados, pediu um direito de resposta que foi negado, interrompeu a fala alheia. Parecia cansado e saiu apressado. No que se disse ali de relevante, e foi pouco, também a vantagem foi do tucano.
Primeiro, por indagar com veemência de onde havia vindo o dinheiro da compra do dossiê. Lula jogou a investigação para a PF (Polícia Federal, não o "por fora" do escândalo anterior).
Invocou uma tal de "lógica da ética", embaralhando dois ramos distintos da filosofia: o governante honesto não é o que previne a corrupção, mas o que a pune quando a encontra, já que a corrupção é algo natural do ser humano e um presidente não pode saber de tudo o que ocorre no governo.
Ocorre que o dossiê não foi (espera-se) obra do governo, mas de seu chefe de campanha, e os envolvidos eram seus "companheiros". Acreditando-se que não sabia, não seria preciso chamar a PF: bastaria chamá-los e perguntar.
O segundo ponto foi a recusa de Lula de tornar públicos os gastos do cartão de crédito da Presidência. Seriam de R$ 700 milhões, segundo Alckmin. Não tenho idéia se o valor é esse e, se for, se há algo ilícito, mas a indisponibilidade do presidente de abrir suas contas é por si escandalosa. Esse dinheiro é nosso, presidente!
Alckmin também foi duro ao criticar a política externa, mencionando as submissões a Bolívia e Argentina.
Lula invocou a solidariedade entre forte e fraco para justificar seu compadrio a vizinhos como se fosse função do presidente de um país rico como o Brasil ajudar os pobres de alhures. Só falta agora estender o Bolsa Família aos bolivianos.
Houve outras farpas, ataques e contra-ataques. Muito pouca substância. É deplorável? Claro. Mas não se pode esperar uma discussão programática em intercâmbios de dois minutos. Esses eventos são mais para definir postura do que outra coisa. Alckmin venceu. O revide será vigoroso.

 

Há duas semanas, mencionei aqui o envolvimento de Freud Godoy no caso do dossiê. A PF e o Ministério Público agora o isentam de culpa. Mantido esse parecer ao final das investigações, terei cometido uma injustiça e manchado a reputação de um inocente, pelo que peço desculpas.

GUSTAVO IOSCHPE é mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA)

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