São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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Desempregados vendem água de poços

DA AGÊNCIA FOLHA, EM QUIXADÁ

No semi-árido nordestino, a comercialização de água de açudes e poços vira fonte de renda para famílias de sertanejos desempregados no período de seca.
Com a ajuda de dois jumentos, Carlos André Barros, 15, e Francisco Welington Pereira Rodrigues, 19, desde pequenos fazem o transporte da água e a venda nos períodos de estiagem.
É com essa água que 26 famílias da comunidade de Vila Nova, em Quixadá, sertão central do Ceará (a 156 km de Fortaleza), matam a sede quando não há chuva.
Os dois caminham até cinco vezes por dia até um açude a um quilômetro de distância do vilarejo para encher as ancoretas com água. Ancoreta é como eles chamam pequenos barris colocados sobre o jumento.
Carlos e Francisco chegam a ganhar R$ 3 por dia com a venda, dinheiro que serve para ajudar no sustento da família.
A água, amarela e com gosto de terra, enche garrafas plásticas na geladeira de Geraldo Onorato dos Santos, 62, a única da comunidade. "A gente bebe a água bem gelada para não sentir muito o gosto, mas é melhor do que passar sede. É a única água que temos", diz.
Quixadá é um dos 60 municípios do Ceará que este ano já decretaram estado de emergência por causa da seca. Esta semana, a prefeitura do município chegou a decretar estado de calamidade, ainda não reconhecido pelo governo do Estado.
"No ano passado, o problema foi a perda de safra. Neste ano, o sertanejo não perdeu a safra, mas não tem água para cozinhar os alimentos nem para beber", diz o coordenador da Defesa Civil, João Alfredo Pinheiro Júnior.
A falta d'água é sentida não apenas entre os mais pobres, mas também nas áreas nobres de Quixadá. Carroças puxadas por jumento circulam por toda a cidade pela manhã para vender água.
Marcelo Ramos da Silva, 16, sai todos os dias de casa à 1h da madrugada com a carroça do avô para comprar água no "cacimbão" de dona Rossicléia, a 10 quilômetros de sua casa.
Para encher a carroça, com capacidade para 790 litros, ele paga R$ 3, e vende cada lata com 18 litros por R$ 0,50.
Cliente do mesmo "cacimbão", Hernandes de Oliveira, 36, investiu no negócio. É dono de três carroças e emprega outras duas pessoas, cada uma com meio salário mínimo. "Tenho mais de cem clientes", diz. "Mas quando chove, ninguém quer comprar água." São cerca de 100 carroças de água que circulam por Quixadá.
O "cacimbão", local onde os carroceiros pegam água, é uma espécie de poço. Maria Rossicléia Pereira Pinto, 56, uma das donas de cacimbas em Quixadá, vende água para 18 carroceiros todos os dias e decidiu atendê-los com hora marcada. "Senão fica uma fila enorme e eu tenho até que fazer comida para eles", diz.
(KF)


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