São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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BRASIL PROFUNDO

Situação de emergência já atinge 639 municípios do país

Falta de cisterna e greve de carro-pipa agravam seca

Jarbas Oliveira/Folha Imagem
Em Quixadá (CE), agricultor passa por baixo de ponte de um leito seco de rio para carregar água


DA AGÊNCIA FOLHA,

EM QUIXADÁ E EM RECIFE

Covas abertas no Ceará à espera de estrutura para armazenar água e greve de carros-pipa em Pernambuco. Situações como essas -surgidas com atrasos e falta de verbas- agravam o problema da seca que já atinge 639 municípios no país, todos em situação de emergência. Em pouco mais de um mês, o número de municípios em emergência aumentou 22,4% -no dia 3 de outubro, eram 522, segundo dados do Ministério da Integração Nacional.
O governador eleito do Piauí, Wellington Dias (PT), convidou o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para visitar uma das regiões mais atingidas pela seca, o município de Guaribas, na região de São Raimundo Nonato. Piauí tem o maior número de cidades (196) em estado de emergência.
Lula já declarou diversas vezes que tem a intenção de levar o seu ministério para conhecer as regiões mais pobres do país. Segundo Dias, Lula deve visitar a região ainda em novembro.

Cisternas
Soluções simples como a construção de cisternas -um reservatório para acumular água da chuva- ajudariam a amenizar o sofrimento de famílias no semi-árido nordestino. Só em Quixadá, no Ceará, os sertanejos abriram 47 buracos e até hoje a verba para construir cisternas não chegou.
Uma cova de um metro e meio de profundidade está aberta há quatro meses ao lado da casa de Maria José Onorato Rafael, 54, em Vila Nova, vilarejo de Quixadá. Durante todo esse tempo, as 26 famílias da comunidade aguardam a liberação de verba para construírem uma cisterna.
A verba é federal, financiada pela ANA (Agência Nacional de Águas), e desde abril está atrasada, segundo a ASA (Articulação do Semi-Árido), a organização não-governamental responsável pelo projeto das cisternas.
A parcela atrasada é de R$ 1,4 milhão para a construção de 2.100 cisternas no Nordeste e no norte de Minas Gerais dentro do P1MC (Projeto 1 milhão de Cisternas). Parte do dinheiro, R$ 1,1 milhão, teria sido liberado na quinta-feira.
A parceria da ASA com a ANA, iniciada em 2001, prevê a construção de cerca de 12.400 cisternas num valor de R$ 10 milhões. Até agora, foram construídas 8.000.
O custo de cada cisterna é de R$ 750. A comunidade ajuda com uma contrapartida -mão-de-obra, areia e frete do material.
A função da cisterna, com capacidade para 16 mil litros de água, é acumular a água da chuva no inverno (como é chamado o período chuvoso no Nordeste). A água é filtrada e recebe um tratamento para o consumo. "Sem a cisterna, a água que a gente bebe é a mesma dos animais. Criança, idoso, qualquer pessoa pode ficar doente a qualquer hora", disse Valdésio Ferreira do Nascimento, 53, presidente da Associação Comunitária de Vila Nova.
Apesar deste ano não ter havido perda de safra -a comunidade guarda as sacas de feijão e milho colhidos-, não houve acúmulo nos reservatórios. A água disponível é escura e tem gosto de terra. "A gente passa no filtro, mas não tem muito jeito", disse Maria José.
A comunidade agora luta contra o tempo, com medo de que não dê para construir a cisterna antes do início das chuvas, esperadas para janeiro. Nesse período, os agricultores estarão no plantio, não terão disponibilidade para construir a cisterna e novamente não será possível acumular água. "Se isso acontecer, só no outro ano é que teremos água em casa", disse Nascimento.

Greve
Também por falta de verbas, proprietários de carros-pipa que atendem as regiões de Caruaru e Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, suspenderam na semana passada o fornecimento de água nas áreas de seca.
Segundo eles, o governo do Estado não paga pelo serviço há quatro meses, e a dívida acumulada já chega R$ 3,3 milhões. Os donos dos caminhões dizem que não podem mais comprar diesel porque perderam o crédito nos postos de combustíveis.
A paralisação no fornecimento de água agrava a situação no interior pernambucano, onde não chove há quase um ano. Em algumas regiões, a seca provocou a perda de 90% da safra agrícola de subsistência. Açudes estão secando e animais morrendo.
O governo de Pernambuco mantém 166 carros-pipa nas áreas urbanas e 70 veículos nas zonais rurais de cidades atingidas pela seca. O governo federal também mantém 188 carros-pipa no Estado. A seca chegou ao seu ponto máximo deste ano e a previsão é de que só volte a chover em dezembro no sertão.
(KAMILA FERNANDES, FÁBIO GUIBU e ALESSANDRA KORMANN)


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