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ELIO GASPARI
Uma nova diplomacia,
a negreira
Depois da diplomacia africana, o chanceler Celso
Amorim e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, formularam a diplomacia negreira. Em curtas declarações à repórter Eliane Oliveira, mostraram-se preocupados com a discussão das cláusulas sociais na
agenda da Organização Mundial do Comércio. Trata-se de
discutir se a economia mundial
deve penalizar nações que não
respeitam os direitos elementares de seus trabalhadores. Ao
tempo de FFHH, era a mesma
coisa. O tucanato e o PT Federal
são contra essas cláusulas porque, acreditam, embutem mecanismos protecionistas destinados a beneficiar os países ricos.
Quais cláusulas? Há cinco, refinadas e endossadas pela Organização Internacional do Trabalho. A saber:
1) Liberdade de associação;
2) O direito de se organizar e
de negociar coletivamente;
3) Idade mínima para o trabalho infantil;
4) Combate à discriminação
de raça, gênero, religião ou opinião;
5) Combate ao trabalho escravo.
O patrão dos doutores Rodrigues e Amorim começou a trabalhar aos oito anos e a pegar
no pesado (numa tinturaria)
aos 12. Aos 14, fazia jornadas de
12 horas. Aos 15, era um mutilado. Foi sindicalista por dez anos,
boa parte dos quais numa época
de liberdades limitadas. O que
ele acha das cláusulas sociais,
não se sabe. De janeiro a setembro, durante seu reinado, o número de crianças ocupadas aumentou de 88 mil para 132 mil.
Há poucas semanas, uma pesquisadora da OIT informou que
os bancos oficiais financiam
empresas (sobretudo no setor
agropecuário) que mantêm trabalhadores em regime de escravidão.
Pode-se temer que o patrão
dos ministros não queira encrenca com a Índia (1 milhão de
trabalhadores presos ao serviço
por dívidas, num só Estado).
Nem com a China (a Adidas foi
acusada de ter globalizado a
venda de bolas de futebol feitas
por trabalhadores escravizados). Muito menos com o Egito
(uma em cada dez crianças de
até 15 anos trabalha). Resta saber se ele quer falar aos miseráveis do mundo pobre ou aos maganos do mundo miserável. Em
sua última viagem, passou num
só país onde os governantes foram eleitos pelo povo, o Líbano.
Em dois (União dos Emirados e
Síria), teve déspotas dinásticos
por anfitriões. Em dois outros
(Egito e Líbia), se tudo der certo,
os ditadores serão substituídos
pelos filhotes.
Já houve uma época em que o
andar de cima brasileiro defendia as relações de trabalho vigentes no país, classificando as
propostas de mudanças de "filantropias imaginárias". Era a
defesa da escravidão. Ela foi
considerada questão de soberania. Até hoje há quem acredite
que o abolicionismo inglês era
uma pura expressão de interesse
comercial. Esqueceram-se de
perguntar aos africanos o que
eles achavam da idéia de serem
libertados dos navios negreiros.
A diplomacia negreira foi
enunciada pelo embaixador
Amorim: "Para os trabalhadores, em vez de impor sanções em
razão de más condições de trabalho, o ideal é liberalizar o comércio, levando em conta os interesses dos países em desenvolvimento, começando pela eliminação dos subsídios agrícolas".
O doutor acha que sabe o que é
melhor para a patuléia, mas
embola trabalho escravo e "más
condições de trabalho". Os direitos elementares do lavrador
maranhense e os subsídios agrícolas ingleses são coisas de mundos diferentes. A menos que o
doutor Amorim acredite que as
condições de trabalho dos 53
brasileiros da fazenda Caraíbas
(do deputado Inocêncio de Oliveira) têm algo a ver com os subsídios das vacas Hereford.
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