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São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

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ELIO GASPARI

Uma nova diplomacia, a negreira

Depois da diplomacia africana, o chanceler Celso Amorim e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, formularam a diplomacia negreira. Em curtas declarações à repórter Eliane Oliveira, mostraram-se preocupados com a discussão das cláusulas sociais na agenda da Organização Mundial do Comércio. Trata-se de discutir se a economia mundial deve penalizar nações que não respeitam os direitos elementares de seus trabalhadores. Ao tempo de FFHH, era a mesma coisa. O tucanato e o PT Federal são contra essas cláusulas porque, acreditam, embutem mecanismos protecionistas destinados a beneficiar os países ricos.
Quais cláusulas? Há cinco, refinadas e endossadas pela Organização Internacional do Trabalho. A saber:
1) Liberdade de associação;
2) O direito de se organizar e de negociar coletivamente;
3) Idade mínima para o trabalho infantil;
4) Combate à discriminação de raça, gênero, religião ou opinião;
5) Combate ao trabalho escravo.
O patrão dos doutores Rodrigues e Amorim começou a trabalhar aos oito anos e a pegar no pesado (numa tinturaria) aos 12. Aos 14, fazia jornadas de 12 horas. Aos 15, era um mutilado. Foi sindicalista por dez anos, boa parte dos quais numa época de liberdades limitadas. O que ele acha das cláusulas sociais, não se sabe. De janeiro a setembro, durante seu reinado, o número de crianças ocupadas aumentou de 88 mil para 132 mil. Há poucas semanas, uma pesquisadora da OIT informou que os bancos oficiais financiam empresas (sobretudo no setor agropecuário) que mantêm trabalhadores em regime de escravidão.
Pode-se temer que o patrão dos ministros não queira encrenca com a Índia (1 milhão de trabalhadores presos ao serviço por dívidas, num só Estado). Nem com a China (a Adidas foi acusada de ter globalizado a venda de bolas de futebol feitas por trabalhadores escravizados). Muito menos com o Egito (uma em cada dez crianças de até 15 anos trabalha). Resta saber se ele quer falar aos miseráveis do mundo pobre ou aos maganos do mundo miserável. Em sua última viagem, passou num só país onde os governantes foram eleitos pelo povo, o Líbano. Em dois (União dos Emirados e Síria), teve déspotas dinásticos por anfitriões. Em dois outros (Egito e Líbia), se tudo der certo, os ditadores serão substituídos pelos filhotes.
Já houve uma época em que o andar de cima brasileiro defendia as relações de trabalho vigentes no país, classificando as propostas de mudanças de "filantropias imaginárias". Era a defesa da escravidão. Ela foi considerada questão de soberania. Até hoje há quem acredite que o abolicionismo inglês era uma pura expressão de interesse comercial. Esqueceram-se de perguntar aos africanos o que eles achavam da idéia de serem libertados dos navios negreiros.
A diplomacia negreira foi enunciada pelo embaixador Amorim: "Para os trabalhadores, em vez de impor sanções em razão de más condições de trabalho, o ideal é liberalizar o comércio, levando em conta os interesses dos países em desenvolvimento, começando pela eliminação dos subsídios agrícolas". O doutor acha que sabe o que é melhor para a patuléia, mas embola trabalho escravo e "más condições de trabalho". Os direitos elementares do lavrador maranhense e os subsídios agrícolas ingleses são coisas de mundos diferentes. A menos que o doutor Amorim acredite que as condições de trabalho dos 53 brasileiros da fazenda Caraíbas (do deputado Inocêncio de Oliveira) têm algo a ver com os subsídios das vacas Hereford.


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