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Entrevista da 2ª/John Bolton
Mudança de regime e ataque militar são as opções para o Irã
Ex-representante do governo Bush na
ONU, diplomata também se opõe a
negociação com a Coréia do Norte
JOHN BOLTON é conhecido por seu bigode de
leão-marinho e suas opiniões diretas e polêmicas. Para ele, a política dos EUA para o Irã
deveria ser mudança de regime ou ataque
militar. Pressionada pelo país, a China deveria obrigar
a Coréia do Norte a trocar o governo. Condoleezza Rice é uma surpresa negativa como secretária de Estado.
E os países só deveriam contribuir financeiramente
para a ONU quando concordassem com suas ações.
Apesar das críticas à política
externa do governo de George
W. Bush, até dezembro de 2006
Bolton, que é diplomata, integrava a equipe da administração do republicano. Ele deixou
seu posto de embaixador do
país na ONU após ter ocupado
cargos importantes sob Bush,
sob seu pai (1989-1993) e Ronald Reagan (1981-1989).
Aos 59, ele acaba de lançar
um livro, "Surrender Is Not an
Option - Defending America
at the United Nations" (Render-se não é opção - defendendo os EUA na ONU, Threshold
Editions) e hoje é membro do
centro conservador de estudos
American Enterprise Institute,
em Washington, onde deu por
telefone a seguinte entrevista
exclusiva à Folha:
FOLHA - O sr. é um dos principais
críticos da atual política dos EUA para o Irã. Por quê?
JOHN BOLTON - Porque não vai
evitar que o Irã obtenha armas
nucleares, em parte por culpa
de anos de má diplomacia européia. Nesse período, os iranianos tiveram um recurso muito
importante, que é o tempo
-tempo para aperfeiçoar a tecnologia de que eles precisam
para um programa de armas
nucleares.
[Bolton não acredita que o
recente relatório da inteligência americana segundo o qual
os iranianos desistiram de seu
programa de armas em 2003
mude algo; para ele, países como o Irã não falam a verdade
quando fazem distinção entre
uso civil e militar do programa
nuclear.]
Por conta de eles terem feito
tanto progresso durante o período das negociações mal conduzidas, as opções agora são
muito reduzidas. Essencialmente duas: mudança de regime, para um governo que desista realmente de conseguir armas nucleares; e, em último caso, uso de força militar.
FOLHA - Muita gente no mundo inteiro acha a segunda opção temerária. Outros defendem ainda que os EUA não teriam poderio para se envolver em outra guerra.
BOLTON - Pode haver muitas
outras razões para que não usemos força militar, mas não é
por não termos poder para tanto. Nós definitivamente podemos fazer isso, a pergunta é se
devemos. Não acho que seja
uma opção atraente, eu a vejo
como último recurso. Mas a vida é feita de escolhas, e, se a escolha é entre o uso da força ou
um Irã nuclear, teremos de
olhar para o uso da força.
FOLHA - O sr. critica também a opção de um acordo com a Coréia do
Norte, acredita que isso encorajaria
outros a não respeitarem tratados
nucleares. Quais são as opções aqui?
BOLTON - A China tem o poder
de mudar o comportamento da
Coréia do Norte ou o seu regime, uma vez que fornece 90%
da energia a eles. Mas, infelizmente, o país não está disposto
a dar os passos necessários. Eu
prosseguiria com a opção chinesa, no entanto, e faria dela
um ponto vital da relação entre
os EUA e a China.
FOLHA - O sr. faz críticas ao Departamento de Estado americano e diz,
por exemplo, que os funcionários
em geral são muito liberais para implantar a política de um presidente
conservador.
BOLTON - Sim, é um problema
cultural, que vem aumentando
nas últimas décadas e não vai
nem pode ser mudado de um
dia para o outro. Mas é muito
importante que a mudança comece e interrompa essa cultura
segundo a qual os burocratas de
carreira devem estabelecer a
política externa, e não o governo dos EUA.
FOLHA - Como o sr. avalia a secretária Condoleezza Rice?
BOLTON - Cito um antecessor
dela, James Baker [secretário
de Estado na administração de
Bush pai], que dizia que o titular do cargo deve ser um representante da Casa Branca na
Chancelaria, e não o contrário.
O secretário Colin Powell
(2001-2005) era um representante do Departamento de Estado junto ao resto da administração, e eu achei que a secretária Rice seria o oposto, mas estava errado. É uma grande surpresa para mim, mas não sou o
único a apontar isso.
FOLHA - O sr. acha que a conferência de paz israelo-palestina de Annapolis foi um erro. Por quê?
BOLTON - Antes de assumir um
compromisso dessa natureza e
importância, é preciso garantir
algumas precondições objetivas para que haja progresso. Os
EUA saem pior da história
quando se lançam num desafio
desse e falham. E, nas atuais
circunstâncias, com um governo de Israel fraco e uma autoridade palestina dividida, não havia chance de progresso. Esse
não é o momento para uma
conferência assim.
FOLHA - O sr. é um dos maiores críticos da ONU, onde serviu por 16
meses. O que há de errado, em sua
opinião?
BOLTON - Muitos países-membros usam a ONU simplesmente para proteger suas próprias
posições ou como contraponto
à influência norte-americana,
não como um fórum de solução
de problemas. Além disso, as
pessoas têm expectativas irreais. A ONU não será melhor
do que a realidade geopolítica
do mundo. Não é sábio colocar
muita fé nas Nações Unidas.
FOLHA - O sr. também chama a entidade de burocrata e ineficaz. O que
propõe?
BOLTON - A proposta principal
é mudar a atual contribuição financeira compulsória de cada
país para voluntária.
Isso é particularmente importante para os EUA, porque
somos de longe os maiores contribuintes -nossa fatia é de
22% e cresce para 27% em caso
de missões de paz. Muitas pessoas acham que esse dinheiro
não é muito bem gasto, e que as
posições norte-americanas não
são levadas em conta, uma vez
que podemos ser derrotados ou
ser alvo de manobras lideradas
por países com porcentagem de
contribuição muito pequena.
Se nós ou qualquer outro país
dissermos que estamos dispostos a pagar pelo que achamos
que é útil, mas não pelo que não
concordamos, teremos um
efeito revolucionário dessa instituição como um todo.
FOLHA - Os defensores de instituições multilaterais como a ONU argumentam que elas são necessárias numa era em que há uma potência hegemônica como os EUA.
BOLTON - E por que eu quereria
ver o poder dos EUA restringido? Nós fazemos julgamentos
baseados nos nosso interesses,
assim como qualquer outro
país. E todos os países se comportam assim na ONU, mas
apenas um é criticado por fazer
isso. Então, não precisamos
que a ONU atinja esse objetivo,
embora eu acredite que muitos
outros países acham a organização importante exatamente
por esse motivo.
FOLHA - O sr. sugere a criação de
um outro organismo, do qual façam
parte apenas países democráticos.
Isso é viável?
BOLTON - Seria algo a ser levado
em conta, sim. Muita gente
pensa seriamente a esse respeito. Mas eu não sou otimista; é
improvável que aconteça, porque muitos países seriam relutantes em fazer parte de um
competidor da ONU. Ainda assim, creio que a competição na
resolução de problemas internacionais é uma boa coisa, nós
deveríamos ter o maior número possível de alternativas.
FOLHA - Entrevistei o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, há algumas semanas e perguntei como
andava a relação da instituição com
os EUA. Ele respondeu que agora era
boa, com ênfase na palavra "agora".
Ouvi de mais uma pessoa que o sr.
tinha um estilo "valentão", que não
ajudava muito. Concorda?
BOLTON - Não acho de jeito nenhum que esse seja meu estilo.
Sou franco, claro, digo o que
penso. Havia muita gente que
não gostava do que eu dizia lá,
mas eu estava seguindo minhas
instruções na ONU.
FOLHA - Algumas pessoas usaram
a palavra "franqueza" para definir
seu estilo, outras preferiram "rudeza". Como o sr. responde a isso?
BOLTON - Na verdade, nunca
ouvi ninguém me acusar de rude. Nas relações pessoais com
outros embaixadores, damo-nos bem. Sou sincero. Nos
EUA, enxergamos o discurso
direto como uma virtude. Então, eu me considero culpado
de excesso de franqueza.
FOLHA - O sr. concorda com a posição de alguns membros do governo
norte-americano, para os quais o
Brasil deve funcionar como um contrapeso à ascensão do venezuelano
Hugo Chávez na região?
BOLTON - A Venezuela caminha
para a ditadura. Movido por dólares do petróleo, Hugo Chávez
tenta influenciar outros países
da região, como quando se envolveu na recontagem de votos
nas eleições presidenciais mexicanas. É muito importante
que os grandes países do continente, principalmente na América do Sul, mostrem que não
vão seguir esse caminho.
FOLHA - O sr. já foi ao Brasil?
BOLTON - Sim. E estava lá no dia
em que o Iraque invadiu o
Kuait [2 de agosto de 1990].
Na época eu era encarregado
de organizações internacionais
e, por conta da invasão, parei o
que fazia e passei a noite inteira
trabalhando na Resolução 660,
do Conselho de Segurança da
ONU, que condenava a invasão.
Então, eu gosto de brincar que
algumas pessoas viram a noite
se divertindo no Rio, enquanto
eu virei a noite no meu quarto
de hotel trabalhando...
FOLHA - Por que não gosta de ser
chamado de "neocon"?
BOLTON - Esse termo surgiu
originalmente no governo Reagan, quando costumávamos dizer que um "neocon" era um liberal que havia sido confrontado com a realidade. E nunca fui
um liberal, sempre fui um conservador defensor dos interesses nacionais.
FOLHA - O sr. foi indicado para o
Nobel da Paz em 2006. Como se sentiu ao ver o prêmio ir para Al Gore
um ano depois?
BOLTON - Ao menos eles não
deram a ele o Nobel de Economia [risos].
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