São Paulo, segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

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Entrevista da 2ª/John Bolton

Mudança de regime e ataque militar são as opções para o Irã

Ex-representante do governo Bush na ONU, diplomata também se opõe a negociação com a Coréia do Norte

JOHN BOLTON é conhecido por seu bigode de leão-marinho e suas opiniões diretas e polêmicas. Para ele, a política dos EUA para o Irã deveria ser mudança de regime ou ataque militar. Pressionada pelo país, a China deveria obrigar a Coréia do Norte a trocar o governo. Condoleezza Rice é uma surpresa negativa como secretária de Estado.
E os países só deveriam contribuir financeiramente para a ONU quando concordassem com suas ações.

Apesar das críticas à política externa do governo de George W. Bush, até dezembro de 2006 Bolton, que é diplomata, integrava a equipe da administração do republicano. Ele deixou seu posto de embaixador do país na ONU após ter ocupado cargos importantes sob Bush, sob seu pai (1989-1993) e Ronald Reagan (1981-1989).
Aos 59, ele acaba de lançar um livro, "Surrender Is Not an Option - Defending America at the United Nations" (Render-se não é opção - defendendo os EUA na ONU, Threshold Editions) e hoje é membro do centro conservador de estudos American Enterprise Institute, em Washington, onde deu por telefone a seguinte entrevista exclusiva à Folha:

FOLHA - O sr. é um dos principais críticos da atual política dos EUA para o Irã. Por quê?
JOHN BOLTON
- Porque não vai evitar que o Irã obtenha armas nucleares, em parte por culpa de anos de má diplomacia européia. Nesse período, os iranianos tiveram um recurso muito importante, que é o tempo -tempo para aperfeiçoar a tecnologia de que eles precisam para um programa de armas nucleares.
[Bolton não acredita que o recente relatório da inteligência americana segundo o qual os iranianos desistiram de seu programa de armas em 2003 mude algo; para ele, países como o Irã não falam a verdade quando fazem distinção entre uso civil e militar do programa nuclear.]
Por conta de eles terem feito tanto progresso durante o período das negociações mal conduzidas, as opções agora são muito reduzidas. Essencialmente duas: mudança de regime, para um governo que desista realmente de conseguir armas nucleares; e, em último caso, uso de força militar.

FOLHA - Muita gente no mundo inteiro acha a segunda opção temerária. Outros defendem ainda que os EUA não teriam poderio para se envolver em outra guerra.
BOLTON
- Pode haver muitas outras razões para que não usemos força militar, mas não é por não termos poder para tanto. Nós definitivamente podemos fazer isso, a pergunta é se devemos. Não acho que seja uma opção atraente, eu a vejo como último recurso. Mas a vida é feita de escolhas, e, se a escolha é entre o uso da força ou um Irã nuclear, teremos de olhar para o uso da força.

FOLHA - O sr. critica também a opção de um acordo com a Coréia do Norte, acredita que isso encorajaria outros a não respeitarem tratados nucleares. Quais são as opções aqui?
BOLTON
- A China tem o poder de mudar o comportamento da Coréia do Norte ou o seu regime, uma vez que fornece 90% da energia a eles. Mas, infelizmente, o país não está disposto a dar os passos necessários. Eu prosseguiria com a opção chinesa, no entanto, e faria dela um ponto vital da relação entre os EUA e a China.

FOLHA - O sr. faz críticas ao Departamento de Estado americano e diz, por exemplo, que os funcionários em geral são muito liberais para implantar a política de um presidente conservador.
BOLTON
- Sim, é um problema cultural, que vem aumentando nas últimas décadas e não vai nem pode ser mudado de um dia para o outro. Mas é muito importante que a mudança comece e interrompa essa cultura segundo a qual os burocratas de carreira devem estabelecer a política externa, e não o governo dos EUA.

FOLHA - Como o sr. avalia a secretária Condoleezza Rice?
BOLTON
- Cito um antecessor dela, James Baker [secretário de Estado na administração de Bush pai], que dizia que o titular do cargo deve ser um representante da Casa Branca na Chancelaria, e não o contrário. O secretário Colin Powell (2001-2005) era um representante do Departamento de Estado junto ao resto da administração, e eu achei que a secretária Rice seria o oposto, mas estava errado. É uma grande surpresa para mim, mas não sou o único a apontar isso.

FOLHA - O sr. acha que a conferência de paz israelo-palestina de Annapolis foi um erro. Por quê?
BOLTON
- Antes de assumir um compromisso dessa natureza e importância, é preciso garantir algumas precondições objetivas para que haja progresso. Os EUA saem pior da história quando se lançam num desafio desse e falham. E, nas atuais circunstâncias, com um governo de Israel fraco e uma autoridade palestina dividida, não havia chance de progresso. Esse não é o momento para uma conferência assim.

FOLHA - O sr. é um dos maiores críticos da ONU, onde serviu por 16 meses. O que há de errado, em sua opinião?
BOLTON
- Muitos países-membros usam a ONU simplesmente para proteger suas próprias posições ou como contraponto à influência norte-americana, não como um fórum de solução de problemas. Além disso, as pessoas têm expectativas irreais. A ONU não será melhor do que a realidade geopolítica do mundo. Não é sábio colocar muita fé nas Nações Unidas.

FOLHA - O sr. também chama a entidade de burocrata e ineficaz. O que propõe?
BOLTON
- A proposta principal é mudar a atual contribuição financeira compulsória de cada país para voluntária.
Isso é particularmente importante para os EUA, porque somos de longe os maiores contribuintes -nossa fatia é de 22% e cresce para 27% em caso de missões de paz. Muitas pessoas acham que esse dinheiro não é muito bem gasto, e que as posições norte-americanas não são levadas em conta, uma vez que podemos ser derrotados ou ser alvo de manobras lideradas por países com porcentagem de contribuição muito pequena.
Se nós ou qualquer outro país dissermos que estamos dispostos a pagar pelo que achamos que é útil, mas não pelo que não concordamos, teremos um efeito revolucionário dessa instituição como um todo.

FOLHA - Os defensores de instituições multilaterais como a ONU argumentam que elas são necessárias numa era em que há uma potência hegemônica como os EUA.
BOLTON
- E por que eu quereria ver o poder dos EUA restringido? Nós fazemos julgamentos baseados nos nosso interesses, assim como qualquer outro país. E todos os países se comportam assim na ONU, mas apenas um é criticado por fazer isso. Então, não precisamos que a ONU atinja esse objetivo, embora eu acredite que muitos outros países acham a organização importante exatamente por esse motivo.

FOLHA - O sr. sugere a criação de um outro organismo, do qual façam parte apenas países democráticos. Isso é viável?
BOLTON
- Seria algo a ser levado em conta, sim. Muita gente pensa seriamente a esse respeito. Mas eu não sou otimista; é improvável que aconteça, porque muitos países seriam relutantes em fazer parte de um competidor da ONU. Ainda assim, creio que a competição na resolução de problemas internacionais é uma boa coisa, nós deveríamos ter o maior número possível de alternativas.

FOLHA - Entrevistei o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, há algumas semanas e perguntei como andava a relação da instituição com os EUA. Ele respondeu que agora era boa, com ênfase na palavra "agora". Ouvi de mais uma pessoa que o sr. tinha um estilo "valentão", que não ajudava muito. Concorda?
BOLTON
- Não acho de jeito nenhum que esse seja meu estilo. Sou franco, claro, digo o que penso. Havia muita gente que não gostava do que eu dizia lá, mas eu estava seguindo minhas instruções na ONU.

FOLHA - Algumas pessoas usaram a palavra "franqueza" para definir seu estilo, outras preferiram "rudeza". Como o sr. responde a isso?
BOLTON
- Na verdade, nunca ouvi ninguém me acusar de rude. Nas relações pessoais com outros embaixadores, damo-nos bem. Sou sincero. Nos EUA, enxergamos o discurso direto como uma virtude. Então, eu me considero culpado de excesso de franqueza.

FOLHA - O sr. concorda com a posição de alguns membros do governo norte-americano, para os quais o Brasil deve funcionar como um contrapeso à ascensão do venezuelano Hugo Chávez na região?
BOLTON
- A Venezuela caminha para a ditadura. Movido por dólares do petróleo, Hugo Chávez tenta influenciar outros países da região, como quando se envolveu na recontagem de votos nas eleições presidenciais mexicanas. É muito importante que os grandes países do continente, principalmente na América do Sul, mostrem que não vão seguir esse caminho.

FOLHA - O sr. já foi ao Brasil?
BOLTON
- Sim. E estava lá no dia em que o Iraque invadiu o Kuait [2 de agosto de 1990]. Na época eu era encarregado de organizações internacionais e, por conta da invasão, parei o que fazia e passei a noite inteira trabalhando na Resolução 660, do Conselho de Segurança da ONU, que condenava a invasão. Então, eu gosto de brincar que algumas pessoas viram a noite se divertindo no Rio, enquanto eu virei a noite no meu quarto de hotel trabalhando...

FOLHA - Por que não gosta de ser chamado de "neocon"?
BOLTON
- Esse termo surgiu originalmente no governo Reagan, quando costumávamos dizer que um "neocon" era um liberal que havia sido confrontado com a realidade. E nunca fui um liberal, sempre fui um conservador defensor dos interesses nacionais.

FOLHA - O sr. foi indicado para o Nobel da Paz em 2006. Como se sentiu ao ver o prêmio ir para Al Gore um ano depois?
BOLTON
- Ao menos eles não deram a ele o Nobel de Economia [risos].

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