São Paulo, quinta, 10 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO
FMI condiciona queda de juros


O governo só vai poder reduzir as taxas de juros se as reservas cambiais líquidas não caírem abaixo de metas mensais acertadas no acordo com o FMI. Além disso, o Banco Central terá que consultar o "staff" do FMI antes de tomar decisões sobre os níveis de juros nas reuniões mensais do Conselho de Política Monetária, o Copom.
O Ministério da Fazenda mandou para o FMI uma projeção para o comportamento mensal dos juros até o final de 99. Nas negociações, o FMI chegou a sugerir que, se o Brasil quisesse reduzir os juros 10% abaixo destas projeções, teria que negociar antes com o Fundo.
O Brasil se recusou a aceitar essa exigência. Concordou, contudo, com a idéia de uma consulta ao "staff" do FMI antes das reuniões do Copom.
O FMI já tem acompanhado de perto a política de juros. Quando o BC começou a reduzir os juros em 0,5 ponto percentual a cada dia útil, o FMI achou que o ritmo estava muito forte e houve conversas do segundo homem forte do Fundo, Stanley Fischer, com o governo. O BC acabou desacelerando o ritmo de queda para 0,2 ponto percentual.
A condicionalidade dos juros ditada pelas reservas é importante e automática. A meta usada é a de reservas cambiais "líquidas", ou seja, descontados os até US$ 41 bilhões que, pelos termos do acordo, poderão ser obtidos junto ao FMI e aos países ricos do G-10.
As metas de reservas não estão explicitadas no memorando técnico de entendimento, mas estão implícitas em outros critérios de desempenho, como a variação do chamado crédito interno líquido.
² Perdas de reservas
Pelo que apurou a coluna, o acordo projeta que as reservas líquidas estarão em US$ 38,5 bilhões no final do ano. É bom lembrar que as reservas totais devem fechar acima deste valor, porque o Brasil poderá receber pelo menos perto de US$ 10 bilhões entre recursos do FMI e do G-10 ainda em dezembro.
O acordo prevê que as reservas líquidas poderão cair mais US$ 5,3 bilhões no primeiro trimestre do próximo ano e outros US$ 700 milhões no segundo trimestre. Essa queda de até US$ 6 bilhões no primeiro semestre, para US$ 32,5 bilhões, seria recuperada no segundo semestre. As reservas líquidas fechariam o ano de 99 em US$ 46 bilhões.
Por que é tão importante a meta de reservas? A razão é que, pelos termos do acordo, se as reservas líquidas caírem mais do que o projetado, o governo terá que fazer uma restrição no crédito interno, o que certamente levará a um aumento nas taxas de juros.
Quando saem dólares, isso significa que alguém teve que comprá-los com reais. O BC pode compensar esse enxugamento de reais emitindo: por exemplo, recomprando títulos seus no mercado. Nesse caso, a liquidez fica igual, e os juros não são afetados. Se, no entanto, o BC não compensar essa redução de reais, a liquidez aperta, e os juros sobem.
A regra do acordo prevê que, para cada US$ 1 bilhão de perda de reserva mensal além do estimado, haverá um aperto parcial, crescente, de crédito. Se a perda chegar a, ou superar, US$ 6 bilhões em relação ao estimado, a redução de crédito compensatória terá que ser integral.
Esse mecanismo é uma regra comum nos acordos do FMI e coerente com a teoria monetária de balanço de pagamentos que está por trás dos programas econômicos. Uma razão é que, no limite, se não houver crédito disponível em reais, os investidores não conseguirão comprar dólares para tirar do país.
O cuidado com as reservas líquidas é, também, uma autodefesa do FMI. Como os programas envolvem recursos dos governos associados ao FMI, essa é uma forma de garantir que haverá recursos para repagar os dólares emprestados.
² O dilema fiscal
Qualquer subida de juros provocada por queda de reservas traria um impacto muito negativo sobre as contas fiscais, já que o governo é o maior devedor. Em teoria, isso teria que ser automaticamente compensado por um aperto adicional nas metas de superávit primário, cortando despesas fiscais.
No caso brasileiro, dada a enorme rigidez para a redução de despesas fiscais, uma subida dos juros poderia trazer desconfiança em relação ao cumprimento das metas fiscais e complicar a execução do programa.
É um dilema delicado. De toda forma, as metas aceitas de redução de reservas nos próximos meses são bastante razoáveis e devem ser suficientes para acomodar solavancos externos menores.
O acordo prevê ainda um piso de US$ 20 bilhões para as reservas líquidas. O Brasil resistiu ao máximo à fixação de qualquer piso para as reservas, argumentando que isso deixaria claro, para o mercado, qual o limite de resistência do BC.
O FMI não abriu mão de colocar o piso, mas aceitou fixá-lo num nível bastante baixo. Mesmo assim, o fato de haver o piso de US$ 20 bilhões faz com que o mercado passe a avaliar a vulnerabilidade externa do país considerando apenas o que excede o piso, supondo que o piso detonaria uma mudança mais drástica de política.
De forma geral, o acordo com o Brasil foi visto no FMI e em alguns países europeus da diretoria do Fundo, como "suave", ou seja, pouco estrito em suas exigências. Prova disso seria a previsão do superávit primário para o próximo ano.
No primeiro trimestre, a meta é de R$ 2,98 bilhões e no segundo trimestre de R$ 2,92 bilhões. Já no terceiro trimestre a meta sobe para R$ 6,69 bilhões e no quarto para R$ 3,74 bilhões. A meta do segundo semestre é mais de 50% maior. Para alguns países isso significaria que o Brasil vai receber a maior parte do dinheiro já nos primeiros meses do acordo, mas só terá que entregar resultados mais expressivos a médio prazo.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.