São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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JANIO DE FREITAS

De iguais para iguais

O governo Lula propõe-se a uma aliança ampla e sólida com o malufismo, a ser formalizada por entrega de pelo menos um ministério e outros cargos a indicados de Paulo Maluf e seus correligionários. Mas o objetivo não é, como se esperaria de uma reforma ministerial, o fortalecimento da base governamental no Congresso. A verdadeira retribuição pretendida pela oferta é o compromisso de Paulo Maluf de apoiar a candidatura de Marta Suplicy à reeleição.
O esforço do governo Lula para compensar o pequeno êxito da prefeita, sétima colocada na avaliação pública de nove prefeitos de capitais, já leva a extremos o envolvimento pessoal de Lula no apoio a Marta Suplicy, inclusive com uso de atos estritamente federais. O objetivo e a maneira da pretendida incorporação do malufismo ao governo vão muito além: é o envolvimento da administração, seu uso como moeda de transação eleitoral, com fins, além de partidários, até personificados.
Isso, antes das grandes mudanças petistas, chamava-se fisiologismo. Um modo de evitar dizer corrupção política ou corrupção eleitoral. Nem todas as formas de corrupção estão qualificadas como tais nos códigos punitivos. Ou porque lhes dariam dimensões enciclopédicas, ou porque, ao tempo em que foram pensados, não se imaginava que a degradação da política fosse levada até onde chegou.
Se aceita a condição para o PP integrar o governo, por que não dar o ministério a quem melhor simbolizaria a nova fraternidade de petismo e malufismo? Ministro Paulo Maluf.

Lá e cá
É muito expressiva do "Brasil moderno", este país em que sua pequena Bolsa de Valores influi mais do que o Ministério da Fazenda, a tão difundida dificuldade de compreender ou aceitar que a represália brasileira, na recepção oficial a viajantes norte-americanos, é uma cobrança de respeito à nacionalidade dos cidadãos do Brasil que viajam aos Estados Unidos. Represália, sim, não há que temer a palavra, designadora de numerosos modos de ação historicamente consagrados e legitimados em leis das relações entre países.
A prevalência dos interesses financeiros e mercantis sobre tudo o mais sintetiza, neste entrevero, toda uma mentalidade com pouco ou nenhum espaço para abrigar, também, valores menos objetivos. Não os nega sempre, mas não os vive nunca.
As "razões de defesa" alegadas pelos Estados Unidos, para aplicar tratamento degradante em suas alfândegas, são mais do que incoerentes: são suspeitas mesmo, suspeitas de servirem a propósitos que não são preventivos de coisa alguma, quanto mais de terrorismo.
Um exemplo. Entre os 28 países cujos viajantes ficam isentados de fichações e revistas humilhantes, na chegada aos Estados Unidos, está a Alemanha. Mas os governos da Alemanha e dos Estados Unidos afirmam a existência de uma rede terrorista dividida por várias cidades alemãs, daí saindo vários dos envolvidos no ataque às torres de Nova York e ao Pentágono. Agora mesmo ocorre na Alemanha o julgamento de outro presumido integrante da Al Qaeda preso por lá.
A suspensão de todos os vôos da Air France para os Estados Unidos, no fim do ano, decorreu de exigência dos Estados Unidos, que disporia de informação segura sobre um passageiro apontado como terrorista. Os franceses investigaram tudo e todos. Nada. Há poucos dias, deram, enfim, o nome pedido pelos franceses: Hai. Como Silva ou Souza em grande parte da Ásia. No caso, era de uma criança. Foi erro? Mas seria tão simples verificar quem era esse Hai, ou, em vez de suspender o seu e tantos outros vôos, prendê-lo ao se apresentar para embarque. Providências assim só teriam o inconveniente de não produzir o noticiário que ocupou tanto tempo e espaço de TVs e jornais, com centro sub-reptício no governo capaz de ir aos extremos na pretensa proteção dos seus cidadãos. Mesmo que, com frequência, a demonstração se faça à custa de pacíficos e decentes cidadãos que o acaso não fez nascerem sob o poder norte-americano.



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