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SNI investigou óvnis durante a ditadura
Forças Armadas têm relatos de objetos voadores desde 1952
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
"Um objeto luminoso, que fazia evoluções em alta velocidade sobre a parte frontal da cidade de Colares [no Pará]" foi visto pelo menos duas vezes, há
pouco mais de 30 anos, nos dias
16 e 22 de outubro de 1977. "A
forma do objeto era cilíndrica,
quase cônica", diz um relato
pormenorizado. Um desenho
rudimentar dessa suposta espaçonave interestelar completa a descrição do episódio.
O documento relatando esse
caso não foi produzido por aficionados de objetos voadores
não-identificados, ou óvnis, como se convencionou chamar
esse tipo de visão celeste.
Trata-se de um trecho de um
informe oficial do governo.
Tem 86 páginas, é classificado
como "confidencial" e saiu do
extinto SNI (Serviço Nacional
de Informações), o órgão de espionagem da ditadura militar
(1964-1985) -hoje sucedido
pela Abin (Agência Brasileira
de Inteligência).
O SNI participou parcialmente de uma missão comandada pela Aeronáutica nos Estados do Pará e do Maranhão,
no final de 1977 e início de 1978.
O serviço secreto brasileiro era
então comandado pelo general
João Batista de Figueiredo. Em
1979, ele se tornaria o último
presidente militar antes da redemocratização do país.
Quando o SNI tomou parte
dessa operação de caça a óvnis,
o regime autoritário já entrava
em sua fase crepuscular. O Brasil estava menos convulsionado. O governo havia sufocado
os focos de esquerda mais radicais. O "milagre econômico"
era coisa do passado, mas o país
ainda crescia a taxas anuais de
5%. Os órgãos de segurança estavam mais livres para procurar novos inimigos a combater.
Em meados de 1977, os jornais do Pará e do Maranhão
traziam insistentes relatos sobre "luzes misteriosas, causadoras de mortes e alucinações".
Pessoas em contato com o fenômeno apresentavam sintomas de "paresia [paralisia incompleta] generalizada, hipetermia, cefaleia, queimaduras
superficiais, calor intenso, náuseas, tremores do corpo, tontura, astenia [fraqueza] e minúsculos orifícios na pele".
A Aeronáutica não titubeou.
Mobilizou homens e recursos
para uma missão. Num ato de
humor involuntário, batizou a
empreitada para buscar discos
voadores com o nome autoexplicativo de Operação Prato, segundo relato do SNI.
Além dos agentes do serviço
secreto e dos oficiais da Aeronáutica, houve também algum
tipo de colaboração da Marinha, coletando histórias com
pescadores locais.
A ideia era comprovar se havia óvnis na região litorânea
entre o Pará e o Maranhão.
Os agentes se dividiam em
turnos. Faziam vigílias noturnas até o dia amanhecer em lugarejos pouco povoados.
O documento do SNI é apenas um extrato do que está na
Aeronáutica e permanece em
segredo. O esforço dos "observadores" militares às vezes resultava em nada. Por exemplo,
no dia 27 de outubro de 1977:
"1h15 - Observadores instalados no alto da caixa d'água";
"4h05 - Populares observam
o deslocamento de uma intensa
"luz" ao nível das árvores (Roberto), informam aos observadores postados na caixa d'água
(30 a 40 m de altura) ao nível do
topo das árvores, nada observado. Restante do período, nada a
relatar".
Quando raiava o dia, descanso. Sucessivos relatos dos militares da Operação Prato começam assim: "6h30 - descanso
até as 14h".
Eles dormiam de dia e trabalhavam à noite. Algumas vezes,
a intensa atividade celeste no
turno da noite levava o descanso a se estender até as 15h.
No dia 5 de novembro de
1977, muitas luzes chamaram a
atenção dos oficiais da Aeronáutica na missão de encontrar
os óvnis:
"1h00 - Observada "luz" pairando sobre a água no rumo de
Joanes/Jobim (PA)";
"2h15 - Observada "luz" coloração azulada forte, próxima ao
farol de Colares, deslocou-se
com velocidade sobre a água
para o norte. Observou-se uma
luminosidade reflexa sobre a
água até as 3h25".
O relatório do SNI não explica o que eram de fato essas luzes. Traz alguns desenhos sugerindo serem naves espaciais. A
câmera da marca Minolta modelo SRT-101 usada para fotografar os óvnis chegou a registrar "uma mancha branca, como se fosse uma luz".
Em outra oportunidade, "a
revelação mostrou uma mancha preta, como se tivesse queimado o filme".
Em um trecho, fica claro o ceticismo dos militares: "A equipe do 1º Comar [Comando Aéreo Regional] regressou a Belém [PA] mantendo-se reservada com o que foi observado.
Não há um consenso entre os
membros da equipe sobre o que
foi visto, mas parece que essa
atitude está intimamente relacionada com o receio de cair no
ridículo perante os colegas".
"ET de Varginha" em sigilo
O documento do SNI sobre a
missão da Aeronáutica interessada nas coisas do espaço sideral só se tornou público graças a
um pedido da CBU (Comissão
Brasileira de Ufólogos).
Ufólogo vem de UFO -em
inglês, "unidentified flying object", o mesmo que óvni.
Com base num direito garantido pela Constituição do Brasil, os ufólogos pediram acesso
a documentos sobre óvnis
guardados pelas Forças Armadas e outros órgãos oficiais do
governo federal. O requerimento foi protocolado na Casa
Civil da Presidência em 26 de
dezembro de 2007.
Em 31 de outubro passado,
dez meses depois, chegaram as
primeiras 213 páginas de papéis antigos e confidenciais da
Aeronáutica. São datados de
1952 a 1969. Na última quinzena do mês passado apareceu o
relatório de 86 páginas do SNI,
relativo à Operação Prato, de
1977 e 1978. Isso foi tudo.
"É certo que há muito mais a
ser revelado. Já apresentamos
um novo pedido no dia 5 deste
mês e podemos, se for o caso,
entrar com um mandado de segurança para que os documentos sejam liberados", diz Fernando de Aragão Ramalho, da
comissão dos ufólogos.
Uma das joias mais preciosas
para os ufólogos estaria ainda
nas prateleiras dos militares
sob a classificação de "ultrassecreto": o caso conhecido como
o "ET de Varginha", referente a
uma aparição nunca confirmada de dois visitantes espaciais à
cidade mineira do mesmo nome, no ano de 1996.
À época, segundo relatos coletados pelos ufólogos, o Exército investigou o episódio. No
requerimento enviado à Casa
Civil, há mais de um ano, são citados 12 oficiais que teriam
participado da operação diretamente. O governo ignorou a
pergunta sobre o caso "ET de
Varginha" e outros.
A Folha entrou em contato
com o Ministério da Defesa. Indagou a razão de os ufólogos
não receberem resposta específica para as perguntas.
O Exército reagiu com um
comunicado lacônico. Não nega nem confirma a participação
dos 12 militares no caso de Varginha. Também não responde
se mantém esse ou outros arquivos em seu poder sobre supostos óvnis e seres de outros
planetas.
Os militares finalizam afirmando que o "prazo de sigilo
de documentos" está regulado
pelo decreto 4.553, de 2002. Há
uma imprecisão nessa resposta. Esse decreto, editado pelo
então presidente Fernando
Henrique Cardoso, fixava em
50 anos o prazo máximo para
certos papéis serem mantidos
longe do público. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva editou
o decreto 5.301, em 2004, reduzindo esse período para 30
anos. Em ambos os casos, o sigilo pode ser renovado indefinidamente, até a eternidade.
Mas, mesmo sem revelar o
que o Exército tem arquivado a
respeito do caso "ET de Varginha", os documentos oficiais
divulgados até agora pelo governo mostram que autoridades brasileiras tiveram interesse e investigaram óvnis ao longos dos últimos quase 60 anos.
O estudo mais curioso é de
1969. Foi supervisionado por
um organismo da Aeronáutica:
o Sioani (Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não-Identificados).
Funcionários do Sioani entrevistavam pessoas em várias
partes do Brasil para coletar informações sobre aparições de
possíveis alienígenas. Classificavam os informantes de maneira meticulosa, inclusive os
que apresentavam "psicopatologia definida" e "desvio de
personalidade".
Ao final, 63 desenhos ilustram o que seriam os óvnis
avistados pelos brasileiros no
final dos anos 60.
Essa galeria de rabiscos produzidos pela Aeronáutica remete a imagens comuns em séries de TV da época, como "Os
Jetsons" e "Perdidos no Espaço". Em dois casos, a nave espacial desenhada tem nítida influência de um automóvel esportivo popular no Brasil daquele período. Tem o "formato
de Karmann-Ghia", afirma o
documento.
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