São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Elio Gaspari

A CVM quer abrir a caixa-preta das S.A.


As empresas de capital aberto não precisam esconder a remuneração de seus diretores

A ASSOCIAÇÃO Brasileira de Companhias Abertas, a Abrasca, está condenando uma proposta da Comissão de Valores Mobiliários para que as companhias que oferecem ações à choldra revelem a remuneração de seus diretores e conselheiros. Atualmente essas cifras são transmitidas dentro de uma caixa-preta onde entram salários, bônus e vantagens diversas.
O presidente da Abrasca, Antonio Castro, despreza a iniciativa: "Essa divulgação é mais um tema de curiosidade do que de necessidade para os acionistas". Falso. Em primeiro lugar porque o sistema atual destina-se muito mais a esconder do que a revelar. Quando mistura conselheiros e diretores, equipara empresas onde os conselhos têm remunerações quase simbólicas com firmas de origem familiar nas quais os herdeiros-conselheiros às vezes remuneram-se acima dos padrões das diretorias-executivas (a turma que carrega o piano).
Ademais, a caixa-preta mandada à CVM não discrimina as diversas modalidades de remuneração. Salário é uma coisa, bônus é outra e opção de compra de ações, muito outra. Essa distinção é obrigatória nos Estados Unidos, e as grandes empresas brasileiras listadas nos pregões americanos cumprem a exigência sem reclamar. Lá, as empresas americanas identificam nominalmente apenas os embolsos de seus três principais executivos.
A má vontade da Abrasca diante do interesse da CVM servirá sobretudo para demonizar os executivos brasileiros das empresas de capital aberto. (As de capital fechado podem fazer o que acham melhor, pois não captam dinheiro na Bolsa.) Numa época em que o mundo está enraivecido com os US$ 34,4 milhões embolsados por Richard Fuld um ano antes de quebrar o Lehman Brothers, fica a impressão de que algo semelhante acontece em Pindorama. Nem de longe. Num chute, pode-se supor que haja no Brasil dez megaexecutivos com salários acima de R$ 100 mil mensais e bônus em torno de R$ 15 milhões anuais. Talvez haja 500 diretores com bonificações de R$ 1 milhão. (Ficam fora dessa estimativa os afortunados que trabalharam na festa das aberturas de capital.)
A CVM abriu uma audiência pública para discutir seu projeto e a conversa irá até 30 de março. O texto da proposta está no sítio da instituição, indo-se ao botão "Audiência pública" e dele ao item "Normas", lá, é o primeiro da lista. Se a Abrasca tiver sugestões mais práticas (e sinceras) que a teoria da "curiosidade", o mercado só terá a ganhar. Afinal, como disse o juiz Hugo Black, da Suprema Corte dos Estados Unidos: "A luz do sol é o melhor dos detergentes".

Remédio infalível contra banco voraz

A contração do crédito soltou uma nova assombração no mercado imobiliário. O cidadão comprou um imóvel, pagou o que devia durante a construção e, na hora de receber as chaves, o banco que poderia financiá-lo quer juros mais altos do que havia proposto meses antes. Disso resulta que uma prestação de R$ 900 pode pular para R$ 1.000. Junto com a facada vem uma parolagem de crise mundial e recessão brasileira.
Antes de se desesperar (ou cair no conto), os interessados devem saber que há na praça três bancos que não mexeram nas taxas dos empréstimos imobiliários: a Caixa, que tem 69% do mercado, o Santander (7%) e o Banco do Brasil (1%). Num financiamento hipotético de R$ 150 mil para um imóvel de R$ 300 mil, quem não subiu os juros cobra 10,5% mais a TR. Quem subiu, pede até a TR mais 12,5% ao ano.
O pedaço da banca que mexeu nos juros fez isso por puro exagero, pois a taxa de inadimplência do crédito imobiliário é baixa. A da Caixa caiu de 3,51% em 2006 para 1,96% em novembro 2008.

CAIXA 2009
O comissariado petista no Congresso deixou claro: Lula precisa do Fundo Soberano para operar sem as amarras do Orçamento e da negociação parlamentar. Trata-se de um caixa de R$ 14,2 bilhões.

2010
Caiu a ficha no Planalto: o primeiro semestre deste ano receberá um pequeno empuxo do crescimento de 2008, mas, pelo mesmo raciocínio, as dificuldades econômicas do segundo semestre contaminarão a primeira metade de 2010. Nosso Guia e dona Dilma arriscam entrar numa campanha presidencial sem a carta do crescimento.

QUEM SOIS?
Mais uma aula da "Velha Senhora Grisalha", apelido que os jornalistas colaram no "New York Times". Na semana passada ele publicou um longo artigo assinado pelo jornalista Michael Lewis e pelo investidor David Einhorn, presidente do Fundo Greenlight Capital. Naquela notinha de rodapé onde se qualificam os autores dos textos, o "Times" esclareceu: "Carteiras de investimentos do Greenlight podem ter conexão (a curto ou longo prazo) com papéis discutidos neste artigo". O esclarecimento ajuda a patuleia a saber com quem está falando.

MARTINO NO BRASIL
O cardeal Renato Martino, que comparou Gaza a um campo de concentração, é figura lembrada em Brasília. Serviu na Nunciatura Apostólica de 1975 a 1980. Ele e o núncio Carmine Rocco tentaram expulsar da legação um fugitivo da cadeia que buscava asilo político. Dias depois, o asilado recebeu uma carta-bomba, interceptada pelo monsenhor e desmontada por agentes americanos.

ESPERTEZA DEMAIS
A caciquia tucana injetou uma esperteza tóxica no processo de escolha do candidato do partido para 2010. Vão devagar, quase parando, na discussão das prévias. Com Aécio Neves empenhado na realização desse projeto, a asfixia da ideia será um convite para que em 2010 ele reapareça do outro lado do morro, dando a Dilma Rousseff o apoio que deu a Lula em duas eleições.

AVAREZA
Já não se fazem milionários como antigamente. Os herdeiros de Pamela Harriman botaram no mercado uma parte da coleção de obras de seu último marido, o diplomata e político democrata Averell Harriman.
No lote, vai uma bailarina de Degas, com direito a tutu. Pedem R$ 40 milhões. Harriman (1881-1986) herdou uma fortuna do pai, um dos barões das ferrovias no século 19, foi governador de Nova York e embaixador na União Soviética durante a Segunda Guerra. A bailarina de Degas ficava numa saleta de sua casa, onde havia um Van Gogh sobre a lareira e um Cézanne em cima do sofá.
Quando ele soube que o Masp tinha outro exemplar dessa escultura, desapontou-se: "Pensei que existissem poucos". Ironia da vida: no Brasil, um jornalista bucaneiro (Assis Chateabriand) botou a peça num museu público, enquanto a dele irá ao martelo. Harriman foi um dos homens mais educados do seu tempo, e dona Pamela morreu em 1997. Se alguém somasse o patrimônio de todos os seus namorados, bateria o PIB de muitos países: Gianni Agnelli, Elie de Rotschild, Ali Khan e Stavros Niarchos. Duros, só o primeiro marido, Randolph Churchill (o filho cachaceiro de Sir Winston) e o repórter Ed Murrow.


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