São Paulo, quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

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OPINIÃO

Existe uma lógica por trás da mentira

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

POR EXCÊNTRICO que pareça, há uma lógica por trás dos panetones de Arruda. Na verdade, existem até duas lógicas.
Na mais terrena delas, a da estratégia de defesa, costuma ser vantajoso para o acusado alegar qualquer coisa que não o incrimine, por mais mirabolante que pareça. Cabe à acusação demonstrar que a história é falsa. Se não conseguir, prevalece a presunção da inocência.
Essa hierarquia talvez não seja a melhor para efeitos de combate ao crime, mas é crucial para o Estado de Direito.
A segunda lógica é mais sutil. Ela está entranhada na natureza humana: somos todos mentirosos patológicos.
Crianças começam a mentir por volta dos três anos, idade em que ainda não conseguem proceder a cálculos sofisticados como "o que eu devo fazer para escapar à punição". De acordo com Laurence Tancredi, em "Hardwired Behavior: What Neuroscience Reveals about Morality", crianças mentem por diversos motivos, como evitar castigos, ou simplesmente porque enganar é divertido.
Tancredi elenca trabalhos dos EUA que mostram que 60% das pessoas mentem regularmente, numa média de 25 vezes diárias. A maioria das inverdades tende a ser inocente, como elogiar a comida mesmo quando intragável. É uma mentira socialmente necessária.
Como somos bons em mentir, somos também bons em detectar mentiras dos outros. Sai-se melhor o sujeito que acredita nas próprias lorotas, daí o surgimento do autoengano, tão importante na psicanálise.
A questão que fica é: como conciliar isso tudo? Quem esboça uma resposta é Steven Pinker em "How the Mind Works". Para ele, nossos cérebros são multipartidos: se uma parte de nós se deixa enganar, há outra que sabe a verdade.
Assim, o propósito das desculpas de políticos pegos com a boca na botija talvez não seja apenas enganar eleitores e juízes. Uma parte de seus cérebros sabe que tudo não passa de história para boi dormir. A questão é: o que se dá com a outra parte? Pinker responde: "O autoengano é a mais cruel das motivações, pois nos faz sentir bem quando estamos errados e nos encoraja a lutar quando deveríamos nos render".


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