São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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JANIO DE FREITAS

Uma rima rica, e nada mais


Bush se recusou a dar ao álcool brasileiro tratamento pelo menos semelhante ao do petróleo de Hugo Chávez

TANTO FALARAM em álcool, ainda que sob o atenuante nome de família, etanol, como quem fala apenas em saideira, e afinal precisaremos de bom tempo para convencer-nos de que é outro o motivo verdadeiro da passagem de Bush por aqui.
Até pela utilidade de se prestar a uma indireta contra Hugo Chávez, seu nome foi conectado ao álcool nas explicações dos meios de comunicação e dos "cientistas políticos" que os alimentam, muitas vezes com ingredientes de qualidade para lá de duvidosa. Nem por isso os motivos atribuídos à visitinha se aproximaram do aceitável. O que não significa que Bush seja incompreensível até como visitante. Ou transeunte.
Pode-se começar lembrando que Bush e seu influente vice, Dick Chenney, são identificados como "homens do petróleo" (Chenney, também de muito mais). Quando se buscou explicar a invasão do Iraque e, mais tarde, a comprovada falsidade do perigo nuclear invocado pelo governo americano, a intimidade comercial entre petróleo, Bush e Chenney não teve concorrência interpretativa. É agora inconciliável com tal convicção generalizada que os dois, dados como capazes de criar uma guerra a serviço de empresas petrolíferas, queiram o álcool brasileiro para substituir 20% do consumo, e portanto dos negócios, do petróleo nos Estados Unidos.
Haveria porém, está muito dito, o propósito de valer-se do álcool brasileiro, e respectiva tecnologia, para atingir Chávez com a substituição do petróleo venezuelano que corresponde a 11% da importação americana para seus combustíveis e óleos. Com a perda de tamanho freguês, deduz a explicação, Chávez estaria sem os dólares que produzem sua influência na América Latina. Apesar do sucesso alcançado, a teoria tem um pontinho fraco: antes que o álcool substitua uma parte valiosa, nem se pense no todo, do petróleo venezuelano nos Estados Unidos, muitos Chávez passarão.
Digamos que o governo Bush tenha propósitos saudáveis em relação, vá lá, ao etanol brasileiro. A lógica administrativa o levaria, então, a desobstruir a entrada do produto nos Estados Unidos. Lula já não pede isso há muito tempo: roga. Bush veio ao Brasil, ao que fomos forçados a aprender, pelo interesse do seu governo no nosso etanol. Mas, uma vez no Brasil, apesar de outra imploração pública de Lula, Bush se recusou a retirar a taxação pesada que contraria a entrada do álcool brasileiro nos Estados Unidos. Ou seja, recusou-se a dar ao álcool brasileiro tratamento pelo menos semelhante ao do petróleo de Chávez, isentado de taxação e de imploração. Ainda assim, até "El País", que está entre os três ou quatro melhores jornais do Ocidente, conclui que os Estados Unidos e o Brasil confluem para um cartel que domine o biocombustível no planeta.
O toque mais político, e complementar, da explicação consagrada para a visita lembra-se, enfim, da extensão de seu roteiro ao Uruguai, à Argentina e à Colômbia. É a confirmação do objetivo de enfrentar Chávez com ofertas de ajuda levadas em pessoa. E até antecedidas de uma referência a Bolívar.
A cultura histórica de Bush enriqueceu-se com nova personagem, mas o Orçamento dos Estados Unidos, assinado por Bush, sofreu mais um corte na já diminuída verba de onde pode sair eventual ajuda a países latino-americanos. Nem no seu total equipara-se ao que Chávez tem oferecido a cada um de vários países -o Brasil, a Argentina, a Bolívia e já vem para a lista o Equador.
A sucessão presidencial americana deu a largada. Com os democratas no domínio, prenunciado pela vitória espetacular para o Congresso. E os republicanos, além da inferioridade eleitoral, reprimidos pela variedade de temas fortes com que o governo Bush arma os democratas. Temas os quais está o da progressiva erupção, na América Latina, de focos de desalinhamento em relação aos Estados Unidos e seus interesses estratégicos e econômicos. Chávez, Kirchner, Morales, mesmo a chilena Bachelet, agora Correa no Equador, as dificuldades com o México, todos esses problemas estão entre os débitos que os democratas começam a cobrar da (anti)política de Bush para a América Latina; os grandes jornais cobram-lhe todos os dias, e seus companheiros republicanos precisam que tente remendar, seja como for.
Para o Brasil, no entanto, tudo indica que os paulistanos conheceram o único saldo da grande visita: uma rima rica de inútil riqueza -Bush/rush.


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