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JANIO DE FREITAS
Uma rima rica, e nada mais
Bush se recusou a dar ao álcool brasileiro tratamento pelo menos semelhante ao do petróleo de Hugo Chávez
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TANTO FALARAM em álcool, ainda que sob o atenuante nome
de família, etanol, como
quem fala apenas em saideira, e afinal precisaremos de bom tempo para convencer-nos de que é outro o
motivo verdadeiro da passagem de
Bush por aqui.
Até pela utilidade de se prestar a
uma indireta contra Hugo Chávez,
seu nome foi conectado ao álcool
nas explicações dos meios de comunicação e dos "cientistas políticos"
que os alimentam, muitas vezes com
ingredientes de qualidade para lá de
duvidosa. Nem por isso os motivos
atribuídos à visitinha se aproximaram do aceitável. O que não significa
que Bush seja incompreensível até
como visitante. Ou transeunte.
Pode-se começar lembrando que
Bush e seu influente vice, Dick
Chenney, são identificados como
"homens do petróleo" (Chenney,
também de muito mais). Quando se
buscou explicar a invasão do Iraque
e, mais tarde, a comprovada falsidade do perigo nuclear invocado pelo
governo americano, a intimidade
comercial entre petróleo, Bush e
Chenney não teve concorrência interpretativa. É agora inconciliável
com tal convicção generalizada que
os dois, dados como capazes de criar
uma guerra a serviço de empresas
petrolíferas, queiram o álcool brasileiro para substituir 20% do consumo, e portanto dos negócios, do petróleo nos Estados Unidos.
Haveria porém, está muito dito, o
propósito de valer-se do álcool brasileiro, e respectiva tecnologia, para
atingir Chávez com a substituição
do petróleo venezuelano que corresponde a 11% da importação americana para seus combustíveis e óleos.
Com a perda de tamanho freguês,
deduz a explicação, Chávez estaria
sem os dólares que produzem sua
influência na América Latina. Apesar do sucesso alcançado, a teoria
tem um pontinho fraco: antes que o
álcool substitua uma parte valiosa,
nem se pense no todo, do petróleo
venezuelano nos Estados Unidos,
muitos Chávez passarão.
Digamos que o governo Bush tenha propósitos saudáveis em relação, vá lá, ao etanol brasileiro. A lógica administrativa o levaria, então, a
desobstruir a entrada do produto
nos Estados Unidos. Lula já não pede isso há muito tempo: roga. Bush
veio ao Brasil, ao que fomos forçados
a aprender, pelo interesse do seu governo no nosso etanol. Mas, uma vez
no Brasil, apesar de outra imploração pública de Lula, Bush se recusou
a retirar a taxação pesada que contraria a entrada do álcool brasileiro
nos Estados Unidos. Ou seja, recusou-se a dar ao álcool brasileiro tratamento pelo menos semelhante ao
do petróleo de Chávez, isentado de
taxação e de imploração. Ainda assim, até "El País", que está entre os
três ou quatro melhores jornais do
Ocidente, conclui que os Estados
Unidos e o Brasil confluem para um
cartel que domine o biocombustível
no planeta.
O toque mais político, e complementar, da explicação consagrada
para a visita lembra-se, enfim, da extensão de seu roteiro ao Uruguai, à
Argentina e à Colômbia. É a confirmação do objetivo de enfrentar Chávez com ofertas de ajuda levadas em
pessoa. E até antecedidas de uma referência a Bolívar.
A cultura histórica de Bush enriqueceu-se com nova personagem,
mas o Orçamento dos Estados Unidos, assinado por Bush, sofreu mais
um corte na já diminuída verba de
onde pode sair eventual ajuda a países latino-americanos. Nem no seu
total equipara-se ao que Chávez tem
oferecido a cada um de vários países
-o Brasil, a Argentina, a Bolívia e já
vem para a lista o Equador.
A sucessão presidencial americana deu a largada. Com os democratas no domínio, prenunciado pela vitória espetacular para o Congresso.
E os republicanos, além da inferioridade eleitoral, reprimidos pela variedade de temas fortes com que o
governo Bush arma os democratas.
Temas os quais está o da progressiva
erupção, na América Latina, de focos de desalinhamento em relação
aos Estados Unidos e seus interesses estratégicos e econômicos. Chávez, Kirchner, Morales, mesmo a
chilena Bachelet, agora Correa no
Equador, as dificuldades com o México, todos esses problemas estão
entre os débitos que os democratas
começam a cobrar da (anti)política
de Bush para a América Latina; os
grandes jornais cobram-lhe todos os
dias, e seus companheiros republicanos precisam que tente remendar,
seja como for.
Para o Brasil, no entanto, tudo
indica que os paulistanos conheceram o único saldo da grande visita:
uma rima rica de inútil riqueza
-Bush/rush.
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