São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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REFORMAS NO AR

Justiça e OAB pressionam para derrubar súmula vinculante, aprovada pela CCJ do Senado; STF quer medida

Governo tenta alterar reforma do Judiciário

SILVANA DE FREITAS
LUIS RENATO STRAUSS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Ministério da Justiça, associações de juízes e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pretendem pressionar os senadores para derrubar o item da reforma do judiciário que trata da súmula vinculante. É o mecanismo que obriga juízes de instâncias inferiores a seguirem as decisões expostas em súmulas publicadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
As súmulas do STF são editadas depois que o órgão julga várias vezes, num mesmo sentido, casos análogos. O objetivo é consolidar a jurisprudência, oferecendo às instâncias inferiores indicações de como julgar causas similares.
A proposta que obriga os juízes a seguirem as súmulas do Supremo foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora segue para o plenário.
Uma parte importante da reforma do Judiciário será promulgada dentro de um mês e meio. Ela é resultado de intensa articulação política para satisfazer interesses muitas vezes opostos do governo, da cúpula da Justiça, da base dos juízes e dos advogados.
O debate sobre os seus pontos mais polêmicos expôs o temor de perda de poder por parte de alguns ou a tentativa de obtê-lo por parte de outros. Exemplo claro disso é o controle externo, tratado pelo governo como "prioridade zero", mas que dividiu a própria Justiça e foi rechaçado principalmente pela cúpula.
O governo não abre mão dele, porque diz que a fiscalização interna é ineficiente. Os advogados e grande parte dos juízes da primeira instância concordam com o controle externo. Consideram-no um importante instrumento para dar transparência ao Poder. No caso dos magistrados, muitos argumentam que eventualmente se sentem reféns de apurações, normalmente sigilosas, feitas pelos tribunais aos quais são vinculados. Esse risco é maior na Justiça dos Estados.
Os tribunais fizeram pressão contra o controle externo. Além de ficarem sem poder de fiscalizar juízes das instâncias inferiores, eles ainda passarão a ser controlados pelo Conselho Nacional de Justiça. Hoje exercem um suposto autocontrole.
Após duas votações no plenário, irão à promulgação os trechos da emenda constitucional que permanecem inalterados em relação ao texto aprovado pela Câmara. A expectativa é que isso ocorra por volta de 15 de maio. A proposta de reforma tramitou por 12 anos.
Entre os pontos mantidos está a criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, órgãos de controle externo das instituições.

Súmula vinculante
Outro ponto que poderá entrar em vigor é a súmula vinculante, considerado essencial pelos ministros do STF para reduzir o volume de processo que chegam ao tribunal na forma de recursos judiciais. O item é rejeitado principalmente por advogados, porque diminuirá o mercado de trabalho desses profissionais.
"A súmula vinculante é uma medida inadequada. Um país que tem uma desigualdade social tão grande quanto o seu território não pode ter um comando único para todos os fatos sociais que acontecem dentro daquele mesmo assunto", afirma Roberto Busato, presidente da OAB.
"A medida vai dar quase um poder normativo ao Supremo Tribunal Federal, que poderá fazer praticamente uma nova legislação", diz Grijaldo Coutinho, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
Paulo Sérgio Domingues, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), diz que a súmula verticaliza ainda mais o Judiciário. Para ele, a medida só faz sentido para os recursos do Poder Público.
Segundo Domingues, o governo é responsável por 80% das ações no Judiciário. Nesse caso, "há uma infinidade de processos que se repetem infinitamente."
Segundo Sérgio Rennault, secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, até no governo há divergências. "Nós, do ministério, somos contra, por entendermos que ela engessa a jurisprudência e tira a liberdade do juiz de primeiro grau. Mas a posição não é uniforme no governo. A bancada do PT acabou votando favoravelmente. Vamos tentar derrubar isso no plenário."
Maurício Corrêa, presidente do STF, discorda. Ele afirma que os juízes de primeira instância não perdem o poder de decisão, pois, em uma ação, caso haja um fato novo, eles poderão dar sentenças alternativas. Além disso, o modelo que está sendo aprovado prevê a revisão rotineira das súmulas e até a sua extinção.

Direitos humanos
Também estão no texto que entrará em vigor a imediata transferência para a Justiça Federal do julgamento de crimes que envolvam grave violação de direitos humanos, a autonomia das defensorias públicas e a quarentena, pela qual, após se aposentarem, os juízes terão de ficar três anos impedidos de advogar onde atuavam.
O item mais polêmico da parte que voltará ao exame da Câmara é o foro privilegiado. O relator no Senado, José Jorge (PFL-PE), ampliou as hipóteses de foro especial, para criar uma espécie de "superblindagem" de autoridades contra processos judiciais, e teve apoio decisivo do governo.



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