São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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NO PLANALTO

Briga de ministro com juiz fere o seu bolso

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ele não se compraz no silêncio. Tem logorréia. Fala a bandeiras despregadas. Em 99, por mal dos pecados, tropeçou na língua.
Murmurou contra uma decisão judicial. A queixa foi aos jornais. Lendo-os, o autor da sentença subiu nas tamancas. Ficou tiririca.
Luiz Carlos Bresser Pereira era ministro da Ciência e Tecnologia de FHC. Tachou de "irresponsável" um juiz que traz a prudência injetada no nome.
Antônio Souza Prudente proibira o governo de liberar o plantio comercial de soja transgênica. Exigira a realização de prévio estudo de impacto ambiental.
A sentença entremeou respeitáveis argumentos técnicos com um vaticínio de contornos sinistros. A certa altura, o texto do juiz Prudente praguejou:
"Creio que a velocidade irresponsável que se pretende imprimir nos avanços da engenharia genética [...], guiada pela desregulamentação gananciosa da globalização econômica, poderá gestar, nos albores do novo milênio, uma esquisita civilização de "aliens hospedeiros", com fisionomia peçonhenta, a comprometer [...] a sobrevivência das futuras gerações de nosso planeta".
"Uma tolice", espinafrou Bresser à época. "Depõe contra o Judiciário." O juiz Prudente enxergou no cutucão grave ofensa à sua honra de magistrado.
Em passado remoto, a coisa teria desfecho simples. O juiz desafiaria o ministro para um duelo. E o ultraje seria lavado na ponta da espada ou no cano da pistola.
Mas os tempos são outros. E Prudente preferiu arrastar o rival imprudente às barras dos tribunais. Uma arena mais conveniente.
Coube ao juiz Francisco Neves da Cunha resolver a quizila. Em decisão de 2000, ainda inédita, ele tomou as dores do colega.
"Nos tempos atuais, já não cabe mais lavar a honra com sangue", anotou. "Isso não quer dizer que a honra possa ser ultrajada ou ofendida sem que o indivíduo possa reagir [...]."
Considerou "provados os sofrimentos morais" impostos a Prudente. Suplício agravado pela condição intelectual da vítima. "Pessoas instruídas, portadoras de certa cultura, são insofismavelmente mais sensíveis à dor e ao sofrimento."
Neves da Cunha traduziu em cifras o dano "de grande monta" infligido ao colega. Orçou-o em R$ 283.968, mais 10% relativos aos honorários advocatícios.
Os comentários desairosos de Bresser ecoaram num ambiente insuspeito: o bolso do contribuinte. Sim, caro leitor, quem vai pagar pela restauração da honra de Prudente é você.
Citando a Constituição, Neves da Cunha entendeu que o governo é responsável pelos atos de seus agentes. De Bresser não se cobrou nem mesmo explicação.
Os advogados da União recorreram. E perderam em todas as instâncias. Em 2002, esgotaram-se as possibilidades de recurso.
Sujeita a correções, a reparação da honra de Prudente galopa no trote dos índices inflacionários. Em documento de novembro de 2002, a Advocacia da União se deu por vencida. O débito somava então R$ 438.972,88.
Em julho de 2003, emitiu-se o precatório. É como são chamadas as ordens de pagamento no serviço público. Anota o valor com nova atualização monetária.
Corrigida, a honra do juiz Prudente já valia R$ 501.982,22. Reza a lei que a dívida precisa ser paga em 2004, mediante nova atualização. Maior a demora, maior o desembolso.
Enquanto o "duelo" era decidido, os transgênicos foram se achegando às gôndolas dos supermercados. Com uma ração franciscana de conhecimento sobre alimentos geneticamente modificados, o brasileiro os consome sem se dar conta.
Não há notícia do surgimento de nenhuma legião de "aliens". Os seres de "fisionomia peçonhenta" só existem, por ora, nas letras do juiz Prudente.
Quanto a Bresser, embora fisgado pela boca, livrou-se de boa. O anzol foi acomodado nos lábios do contribuinte, convertido em réu do pior tipo. Desavisado e involuntário. Vai pagar, veja você, pela língua do Bresser.

 
Prestação de contas um: aqui se noticiou, em fevereiro, a fragilidade dos arquivos eletrônicos da Procuradoria da Fazenda Nacional. Armazenam os dados da dívida ativa da União. Têm a porosidade dos queijos suíços. Listaram-se casos de eliminação fraudulenta de dívidas milionárias. O governo assegurou que seus computadores eram seguros. Parola. Em 1º de abril, o Ministério da Fazenda publicou no "Diário Oficial" portaria que institui a "senha de supervisão".
O acesso à rede da dívida ativa terá de ser autorizado diariamente pelos procuradores-chefes da Fazenda Nacional. Não resolve o problema. Mas dificulta a vida dos malfeitores.
 
Prestação de contas dois: aqui também foram noticiados desvios monetários praticados sob FHC no Cefet/PA (Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará). Esquema com ramificação em Brasília. Prejuízo que roça a casa dos R$ 10 milhões. Confrontado com o "desvioduto", o governo do ex-PT movia-se em ritmo de tartaruga manca. Em 19 de março, foram ao "Diário Oficial" cassações de aposentadorias e demissões de quatro servidores. Entre eles Manoel Mendes de Oliveira e
Ruy Berger, do MEC. Alvíssaras.


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