São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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ELIO GASPARI

O MST invadiu a história dos Breves e do Brasil

No dia 20 de março, o MST invadiu com 300 famílias uma fazenda em Mangaratiba, no litoral sul do Rio de Janeiro. Seu nome é Santa Justina e tem mil hectares. Afora as notícias dos primeiros dias da invasão, a Santa Justina perdeu-se entre as 46 invasões do "abril vermelho" de João Pedro Stedile. A propriedade vai da praia ao alto da Serra do Mar. Fica um pouco acima da praia do Saco, celebrizada pela babá Gecilda do Big Brother e por um pequeno verso de Manuel Bandeira. Foi na fazenda Santa Justina que Mário Peixoto filmou "Limite", o primeiro grande filme brasileiro.
Às vezes, vive-se uma época sem se perceber as mudanças, para o bem ou para o mal, que se dão debaixo dos prazeres e mesquinharias do cotidiano. A invasão da Santa Justina é uma boa oportunidade para uma viagem pela sua bela história.
Ela foi parte do patrimônio do comendador José Joaquim de Souza Breves (1804-1889). É quase certo que ele e o irmão Joaquim José tenham sido os homens mais ricos do Brasil em todos os tempos. Quase certamente tiveram a maior escravaria fora da África nos tempos modernos. Tinham, no barato, 10 mil negros em 40 fazendas. Suas terras iam do início da restinga da Marambaia até Angra dos Reis. Podiam cavalgar do litoral até Minas Gerais sem passar por terras alheias.
Uma sobrinha de Breves tornou-se a condessa russa Harritoff, mas continuou morando no Rio. Viúvo, o conde casou-se com uma ex-escrava e terminou os dias quebrado, trabalhando como tradutor do serviço público. Uma bisneta, morando na França, casou-se com um neto do general Charles Montholon, hoje suspeito de ter envenenado Napoleão Bonaparte. Os Breves viveram uma época em que o andar de cima de Pindorama acreditava que o negócio do Brasil era o negro e que a pressão inglesa contra o tráfico negreiro era uma ingerência indébita nos assuntos nacionais. Os Breves eram contrabandistas de negros. Pelo menos um de seus vapores, o Califórnia, foi afundado pela Marinha Real na altura de Guaratiba. Se o esplendor da sociedade brasileira dos anos 50 e 70 do século 19 tem nome, ele se chama Breves.
Foi um tempo de riqueza, papelório e fé no anacronismo da escravidão. Poucas fortunas, em poucos países, dissolveram-se com tamanha rapidez.
Passado pouco mais de um século, contam-se nos dedos os Breves que vivem de renda do que foi uma das maiores fortunas do mundo. Um deles, Vitor, recompôs em ponto menor o poderio da família. Plantou bananas, explorou uma pequena termelétrica e mandou na política do pedaço. Foi um dos grande coronéis da região, várias vezes prefeito de Mangaratiba. Recusou uma prefeitura argumentando que suas rendas excediam a arrecadação do município. Foi ele quem abriu a Santa Justina para a equipe de filmagem de seu primo Mário Peixoto.
Tanto o mundo dos comendadores do século 19 quanto o do coronel do 20 pareciam duradouros. Mudanças ocorreriam, mas viriam aos poucos. Um dos filhos de Joaquim José assegurava que a princesa Isabel "traiu a nação": "Se a escravidão era uma chaga, deviam curá-la com o remédio certo, dosado".
Vitor morreu nos anos 70. Não se pode saber se um dia ele suspeitou que a choldra poderia invadir a fazenda que levava o nome de sua mãe, onde viveu até a velhice.
Armando de Moraes Breves, historiador da família, registrou um diálogo entre dois de seus avôs. Ambos reclamavam da Abolição, e um disse:
"O governo devia embarcá-los de volta para a África: que adianta um escravo sem a escravidão?
-Isso mesmo, parente: para que serve a bosta, se acabaram com o uso do esterco?".
Vale a pena perder um minuto pensando na grandeza dos Breves e na invasão da Santa Justina. Ficar contra ou a favor é fácil. Difícil é entender uma história desse tamanho. O estratagema consiste em se tentar responder que história esses fatos contam: a saga de uma família patriarcal do café ou a da patuléia nacional?

Serviço: Mais sobre os Breves na página www.sbreves.cjb.net

Pax tucana

As relações do ministro Antonio Palocci com a bancada tucana no Senado são melhores do que sua relações com a média da bancada do PT no Congresso. As relações dos senadores do PSDB com Palocci são melhores do que com a média do grão-tucanato.

A CUT perdeu

A CUT perdeu outra eleição no mundo dos servidores. Houve disputa na escolha da diretoria da União Nacional dos Analistas de Controle. Numa categoria de 4.500 profissionais, as urnas deixaram a chapa apoiada pela CUT (e pelo governo) com 16% dos votos. A diretoria se reelegeu com 79%.

Golpe velho

Recomeçaram os sussurros parlamentaristas. A idéia seria permitir a reforma de regime com pleno respeito ao mandato de Lula. A mudança ocorreria, depois de um plebiscito, a partir de 2006.
Pelo menos um comissário petista já mencionou o assunto numa conversa com FFHH. Isso foi há pouco mais de um ano, depois da vitória de Lula, antes da posse, num comentário rápido.
Muita gente boa gosta do parlamentarismo. O que não se consegue é retirar o ranço golpista que acompanha a idéia. Quando o andar de cima se deu bem com FFHH, inventaram a reeleição. Agora que está temeroso, desengaveta a gambiarra.
Difícil será explicar para a choldra porque ela deve ser chamada para um terceiro plebiscito a respeito do mesmo assunto.

Álvaro Caldas, ou a justiça do torturado

Como diria o professor Roberto da Matta, há situações que fazem do Brasil o Brasil. Uma delas aconteceu na terça-feira, na Livraria Argumento, no Leblon. O jornalista Alvaro Caldas autografava a reedição ampliada do livro "Tirando o Capuz", narrativa de sua prisão, tortura e cárcere entre 1970 e 1972. A noite mal começara quando entrou um senhor louro, alto, de uns 70 anos, acompanhado pelo filho. Era Alfredo Poeck Jr., e seu reencontro com Alvaro conta uma linda história.
Em 1970, o jornalista era o "Felipe", militante clandestino do PCBR. Preso, ficou dois meses no DOI-Codi do Rio de Janeiro. Passados 11 anos, contou o que sofreu e listou torturadores de diversas cadeias. Baseado em informações de outros presos, Alvaro expôs um "Mike", do Centro de Informações da Marinha, o Cenimar. Seria o comandante Alfredo Poeck Jr. Essa identificação remontava a 1969, e Poeck estivera em várias listas de torturadores, inclusive na da Anistia Internacional.
Depois da publicação de "Tirando o Capuz", o oficial procurou Alvaro. Ele não era Mike. O jornalista achou dois presos capazes de reconhecer o torturador. Combinou-se um encontro no bar Bozó, a pequena distancia do local onde hoje está a livraria Argumento. Os ex-presos eram o economista Luis Carlos de Souza Santos e o jornalista Rui Xavier, encarcerados em 1969 pela Marinha. Eles nunca haviam visto Poeck. Enquanto o oficial esteve no bar, seu filho João Ricardo esperava-o do lado de fora. Com um sobrenome pouco comum, passara por constrangimentos, até na escola.
Os ex-presos limparam o nome de um oficial que a associação dos almirantes havia sujado. Os comandantes militares da ocasião caíram na armadilha do aviltamento de suas funções. Não podiam desmentir que Poeck fosse Mike, porque não podiam associar Mike à tortura que se praticava dentro do edifício Ministério da Marinha.
Poeck vive hoje em Angra dos Reis. Ele foi à noite de autógrafos levando o filho João Ricardo. A nova edição de "Tirando o Capuz", conta toda essa história e identifica o oficial que se fazia chamar de Mike. Como ele já morreu, a Páscoa pede que seus parentes sejam deixados em paz.

O PT-Federal não trabalha, mas cobra

O governo se orgulha de ter feito a reforma da Previdência. Propagandeou-a com três pontos essenciais. Dois deles permitiriam que o governo mordesse o bolso da patuléia. No terceiro, depois de trabalhar e de gastar algum dinheiro, criaria um fundo de pensão complementar para os servidores públicos.
Passados três meses da aprovação da reforma, o PT-Federal já avançou sobre a poupança dos trabalhadores da iniciativa privada. Elevou para 2.400 o teto das contribuições ao INSS. Isso significará uma arrecadação adicional de algo como R$ 1,8 bilhão anuais. A partir de 1º de junho, o governo avança sobre o patrimônio dos servidores inativos. Tunga de R$ 1,4 bilhão.
No guichê do trabalho, os companheiros deveriam ter criado o fundo de pensão dos servidores. Cadê? Não criaram fundo, nem colocaram um só centavo no orçamento para pagar a contribuição governamental, nem tomaram qualquer providencia para mexer nas leis que porventura atrapalhem a iniciativa.
Como escreveram os poetas Vinicius de Moraes e Carlos Lyra:
"Vou pedir ao meu Babalorixá
Pra fazer uma oração pra Xangô
Pra pôr pra trabalhar
Gente que nunca trabalhou".

GushiPress

Contribuindo com os ensinamentos do mestre-comissário Luiz Gushiken, aqui vão algumas notícias maravilhosas, que farão o seu gosto, bem como o do ministro Antonio Palocci e dos sábios da ekipekonômica:
1) Na administração do companheiro Lula, reduziu-se a carga tributária que tanto inibe a produção neste país.
2) Nunca na história conseguiu-se uma redução de gastos tão racional.
3) Como o PT tanto prometeu, reduziu-se o peso dos juros no conjunto das despesas nacionais.
4) O ajuste fiscal feito pelo companheiro Palocci semeou a retomada do desenvolvimento.
5) Estabilizou-se a relação da dívida do governo com o PIB.
Tudo mentira.
1) Lula aumentou a carga tributária em 0,2 pontos percentuais do PIB. Descontando-se alguns recolhimentos extraordinários de 2002, o companheiro elevou a carga em um ponto percentual. A mordida no bolso do contribuinte ficou em 35,8% do PIB, a maior da história. Em 1995, quando a ekipekonômica se instalou em Brasília, ela estava em 26%.
2) No seu primeiro ano de governo, Lula gastou o equivalente a 28,5% do PIB. Recorde histórico. O companheiro elevou o percentual da despesa federal em 3,3 pontos em relação a 2002.
3) Lula não construiu um único metro de estrada nova. O dinheiro foi para a banca, que embolsou 7,5% do PIB, contra o recorde de 4,6%, ocorrido em 1998/1999. Produziu o espetáculo do empobrecimento.
4) O ajuste fiscal da ekipekonômica é pura fantasia. O déficit nominal do Tesouro foi de 4,9% do PIB, quase quatro vezes maior que o 1,3% de 2002.
5) Em vez de cair, a relação da dívida com o PIB subiu. Fechou o ano em 58,7%. É provável que nenhum presidente tenha conseguido um resultado tão desastroso.


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