São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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ENERGIA POLÍTICA

Oppenheimer diz que tratado de não-proliferação é desigual

Para especialista, pressão dos americanos é "estranha"

FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES

A atitude do governo americano de pressionar o Brasil, um aliado histórico que eliminou seu programa de armas nucleares há mais de uma década, para que aceite inspeções mais rigorosas é "estranha", diz Andrew Oppenheimer, especialista em armas nucleares do Jane's Information Group, centro de estudos voltado para segurança internacional.
"Só posso entender [a pressão] levando em conta que os EUA são muito desconfiados quando se trata de proliferação nuclear. Estão sempre olhando à sua volta, em busca de perigos que podem existir ou não", afirma.
A pressão dos EUA vêm do fato de o Brasil não ter assinado um protocolo adicional do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) que reforçou o poder de fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O protocolo, de 1997, autoriza a agência a inspecionar locais "sensíveis" com aviso prévio pequeno -às vezes, só duas horas de antecedência.
O governo brasileiro não quer permitir acesso irrestrito dos técnicos da AIEA a um equipamento de ultracentrifugação da fábrica de enriquecimento de urânio da estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil) em Resende (RJ). Argumenta que quer proteger o segredo industrial do processo empregado, que seria mais econômico.
Para o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp, o temor dos brasileiros não se justifica.
"Eu reconheço que que as centrífugas têm alguma melhoria em relação aos sistemas tradicionais. Mas uma comissão de inspeção é composta de técnicos de um certo prestígio que não aceitariam passar informações ao governo americano", disse o físico, que integra o Conselho Editorial da Folha.
A razão da maior eficiência do sistema brasileiro é que, enquanto nos outros seis países que enriquecem urânio por ultracentrifugação as máquinas giram mecanicamente (têm eixo com rolamentos), a brasileira gira "flutuando" sobre um campo magnético. Isso evita o desgaste dos materiais.
Cerqueira Leite também argumenta que não há grande interesse dos EUA em ter acesso à tecnologia brasileira porque o país possui um estoque grande de urânio enriquecido. Por isso, não tem necessidade urgente de um sistema de enriquecimento mais eficiente.
Mesmo assim, o físico defende a postura dos brasileiros. "O governo brasileiro tem o absoluto direito de dizer que não vai consentir [nas inspeções], até porque na Holanda, nos EUA, as inspeções não são feitas. Nem na África do Sul. Nunca se tentou fazer", diz.

Condições desiguais
Andrew Oppenheimer ressalta que as condições do TNP são bastante desiguais para os signatários. O texto colocou como única obrigação para as potências nucleares que elas se comprometessem a não propagar tecnologia nuclear para fins não-pacíficos.
A diferença entre a produção de urânio para alimentar usinas nucleares de eletricidade e a produção que serve para fazer bombas atômicas é o grau de enriquecimento. Para produzir energia elétrica é necessária uma concentração de 3% a 5% de urânio-235 (radioativo) no urânio-238 (não-radioativo). Já para a bomba, a concentração deve ser de 95%.
"[O TNP] é um regime bastante desigual. As regras de controle para os países nucleares são bastante flexíveis e difíceis de serem efetivadas", diz Oppenheimer.
As cinco potências nucleares -EUA, Reino Unido, França, Rússia e China- são os países que já tinham a bomba atômica quando o tratado foi assinado, em 1968. São também os únicos com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Em contraste, os demais países, além de proibidos de buscar armas nucleares, têm de estar sujeitos a inspeções regulares da AIEA para garantir que suas atividades são para fins pacíficos.
O Reino Unido, por exemplo, está livre de inspeções obrigatórias da agência e pode vetar o acesso de técnicos a suas instalações quando quiser.
Os britânicos permitem inspeções apenas como uma concessão, "voluntariamente". Mas o governo se reserva as prerrogativas de negar acesso a alguns locais e de remover materiais. "O Reino Unido mantém o direito de excluir instalações [das inspeções] e de remover material do que for objeto de inspeção", diz o departamento responsável por questões de energia nuclear.
"O governo britânico não esconde seu desconforto quando a AIEA pede autorização para vistoriar a usina de Sellafield [principal instalação nuclear do país]", diz Oppenheimer.
A adesão ao protocolo adicional do TNP tem sido bem menor que a adesão ao próprio tratado. Enquanto ele tem a adesão de quase 190 países, só 86 assinaram o protocolo -inclusive as cinco potências, para quem, no entanto, a situação muda pouco na prática. E apenas 39 países ratificaram o texto. A União Européia assinou em bloco, com exceção de França e Reino Unido. As duas potências nucleares do continente tiveram direito a textos próprios, nos quais foram reiterados os privilégios previstos no tratado.


Colaborou GUILHERME BAHIA, da Redação


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