UOL

São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SEGUNDA ONDA

Presidente impõe à equipe meta de crescimento de 3,5% para 2004

Medo de repetir FHC leva Lula a exigir "virada" na economia

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Luiz Inácio Lula da Silva acha que chegou a hora de planejar a "virada" na economia. Em discussões reservadas com um seleto grupo de ministros, o presidente mostra-se obcecado pelo vocábulo "crescimento". Impôs à equipe uma meta: quer que o PIB do país cresça pelo menos 3,5% em 2004.
Lula impacienta-se com a tese de que o seu governo repete no essencial a administração de Fernando Henrique Cardoso. Daí a obsessão pela retomada do desenvolvimento. O ânimo mobiliza a Esplanada dos Ministérios.
Monta-se nos subterrâneos uma estratégia chamada por algumas autoridades de "fase dois". Não se trata de nenhuma ruptura em relação à política do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda). Ao contrário. Parte-se da avaliação de que, em quatro meses, Palocci construiu uma atmosfera de "estabilidade" que faculta vôos mais ambiciosos.
A intenção é usar o resto de 2003 para armar a "plataforma" do crescimento. Envolve basicamente iniciativas para: 1) tonificar a poupança interna do país; 2) financiar micro, pequenos e médios empreendedores; 3) incrementar as exportações; 4) direcionar a aplicação de incentivos fiscais; 5) seduzir aplicadores estrangeiros para o investimento de risco; e 6) estabelecer parcerias entre o governo e a iniciativa privada nacional.
Sob reserva, Lula reconhece uma lacuna na sua formação: não domina como gostaria os meandros da macroeconomia. Empenha-se para superar a deficiência. Encomenda relatórios. Dá preferência a textos curtos. Devora-os. Grifa trechos que julga relevantes. Faz anotações à margem dos papéis. Criva os auxiliares de perguntas.

Debate
O estabelecimento da meta de 3,5% do PIB para 2004 foi precedido de um debate entre Planalto e Ministério da Fazenda. Armaram-se diferentes cenários. Embalados pela maré de boas notícias -arrefecimento do chamado risco-país, queda do dólar e inflação cadente-, os técnicos da equipe econômica julgavam factível chegar a 4%.
Coube a Lula a opção pelo percentual mais modesto. Argumentou que prefere caminhar a um ritmo mais lento a ter que dar passos para trás. De resto, abomina a hipótese de deitar sobre o papel objetivos que não possam ser convertidos em realidade.
A taxa de 4% foi jogada para 2005. Para 2006, previu-se crescimento de 4,5% do PIB. Os números foram à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). As condicionantes que envolvem a economia emprestam à sequência de percentuais a aparência de um exercício de adivinhação. Mas Lula trata os dados como imperativos de governo.
A história recente dá uma medida da confiabilidade de previsões do gênero. Sob FHC, registraram-se diferentes previsões. Em 2000, o próprio Fernando Henrique anunciou, em três ocasiões diferentes, o percentual de 4% como "piso" para o crescimento. No mesmo ano, Armínio Fraga, então presidente do Banco Central, previu 6,5% para 2001. Vencidos os oito anos de tucanato, a média de crescimento econômico ficou em modestos 2,3% do PIB.
Compõem o núcleo de análises desenvolvimentistas de Brasília os seguintes ministros: Antonio Palocci Filho (Fazenda), José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica), Luiz Dulci (Secretaria geral da Presidência), Tarso Genro (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e Ciro Gomes (Integração Nacional).

Ciro Gomes
Ciro integrou-se ao grupo por iniciativa de Lula. O presidente foi cativado pela "lealdade" e "discrição" do auxiliar. Ao acomodá-lo no ministério, em janeiro, receava que houvesse nomeado um problema. Hoje, parece convencido do contrário.
Ciro esquiva-se de jornalistas. Por vezes, diverge de estratégias do governo. Mas guarda as críticas mais acerbas exclusivamente para os ouvidos de Lula. O presidente identifica na dissonância do ex-adversário um timbre "construtivo".
Em silêncio, Ciro remonta a engrenagem de incentivos fiscais do governo. A idéia é retirar-lhes o caráter aleatório, direcionando-os para empreendimentos que o Planalto julgue relevantes. O ministro tenta pôr de pé novos fundos de desenvolvimento regional. Simultaneamente, revolve as cinzas das extintas Sudam Sudene, autarquias voltadas respectivamente para inversões fiscais na Amazônia e no Nordeste.
A Gushiken foi confiada a tarefa de supervisionar uma iniciativa que Lula julga primordial: a "democratização" dos fundos de previdência. Novas regras vão abrir caminho para a constituição de fundos de pensão de categorias específicas.
Imagina-se que a proliferação de fundos irá vitaminar a poupança interna do país, cuja aplicação ajudaria a compensar a falta de dinheiro do Estado para investir, por exemplo, em infra-estrutura.
Tarso Genro recebeu a incumbência de abrir no CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) debate em torno de um projeto de desenvolvimento para o país. O encargo foi comunicado aos conselheiros pelo próprio Lula, em carta pessoal.

Conselheiros
Constituiu-se um subgrupo para tratar do tema. Integram-no 65 conselheiros, entre empresários, sindicalistas e acadêmicos. Funcionará longe de Brasília. Haverá reuniões no Rio e em São Paulo. A primeira delas, marcada para o próximo dia 28, ocorrerá na capital paulista, onde estava Genro na última quinta-feira, para cuidar dos preparativos.
Luiz Dulci percorre o país em missões oficiais. Inclui no roteiro visitas a entidades empresariais. Já esteve três vezes na CNI (Confederação Nacional da Indústria). Foi também a três federações estaduais: Fiesp (São Paulo), Fiemg (Minas Gerais) e Fiergs (Rio Grande do Sul).
Dulci reúne-se ainda com intelectuais ditos progressistas. Na última terça-feira, em São Paulo, encontrou-se em segredo com 18 acadêmicos. Portou-se com método.
Apresentando-se como enviado de Lula, fez uma exposição minuciosa. Foi do social à política externa. No trecho dedicado à economia, mencionou os planos de retomada do desenvolvimento, que serão explicitados, segundo disse, no PPA (Plano Plurianual). Trata-se do programa de investimentos para os próximos quatro anos, a ser fechado em junho.
Depois, Dulci abriu espaço para manifestações da platéia. Em três horas de reunião, ouviram-se mais críticas que elogios. Auxiliares do ministro tomaram nota das observações, repassadas a Lula. Ausente do encontro, Antonio Candido mereceu uma visita exclusiva de Dulci.
O presidente deseja antecipar-se a eventuais surtos de insatisfação de um público que julga formador de opinião. Haverá novos encontros. O próximo, ainda sem data marcada, reunirá a intelectualidade do Rio de Janeiro.
Todos os planos do governo pressupõem a aprovação pelo Congresso das reformas previdenciária e tributária. Na visão oficial, um eventual insucesso parlamentar envenenaria o cenário de calmaria econômica. Uma hipótese com a qual Lula prefere não trabalhar.
A pedido do presidente, Antonio Palocci ocupa-se inclusive da elaboração de projetos de lei que complementarão as reformas. A fase "infra-constitucional", como é chamada, deve ser ainda mais complexa do que a atual, segundo a previsão de Palocci.
José Dirceu joga a sua reputação de bom estrategista na aprovação das reformas até outubro, como deseja Lula. Responde à rebeldia petista com pulso de ferro. Seduz parlamentares com as armas de que dispõe, inclusive cargos e verbas.
Embora tenha se fixado na idéia de preparar o terreno para 2004, Lula tem pressa. Há um mês, convocou ao Planalto os presidentes do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa; do Banco do Brasil, Cássio Casseb; e da CEF (Caixa Econômica Federal), Jorge Mattoso.
Pediu-lhes prioridade na concessão de empréstimos ao setor produtivo. Pediu que dessem atenção ao microcrédito (empréstimos para classes C e D) e às pequenas empresas. À CEF, recomendou também o incremento das inversões em saneamento básico e habitação popular.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Projeto de Mantega prevê parcerias entre Estado e empresas
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.