São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESCÂNDALO DO MENSALÃO/ CPI DOS BINGOS

Ex-secretário do PT diz a CPI que está em "crise violenta" e que não sabe distinguir o que é verdade e ficção na entrevista ao jornal "O Globo"

Silvio não confirma denúncias e defende Lula

SILVIO NAVARRO
ADRIANO CEOLIN
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem esconder suas mágoas com o PT, sigla que deixou no auge do escândalo do mensalão, o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira disse ontem, em depoimento à CPI dos Bingos, não saber distinguir o que é "fato, fantasia ou ficção" na sua entrevista ao jornal "O Globo", em que disse que a intenção do publicitário Marcos Valério de Souza e de dirigentes petistas era arrecadar R$ 1 bilhão por meio de negociatas envolvendo bancos.
Apesar das esquivas, o sociólogo Silvio Pereira fez questão de ser categórico na defesa de Luiz Inácio Lula da Silva. Afirmou que o presidente não seria capaz de dar orientação "desonesta ou ilícita". No final, disse que votará em Lula de novo e, apesar de não tê-lo encontrado mais, ainda gosta dele.
Silvinho, como é conhecido pelos petistas, insistiu várias vezes em dizer que não leu a entrevista publicada no último domingo pelo jornal carioca, mas fez questão de isentar a jornalista Soraya Aggege de qualquer distorção. "Tenho certeza de que não inventou nada, de que não mentiu." Segundo ele, se houve alguma distorção foi da sua cabeça, fruto de seu estado emocional no momento.
A CPI convidou a jornalista para prestar esclarecimentos na próxima semana e solicitou cópia dos trechos gravados da entrevista.
Bombardeado por perguntas sobre seu estado emocional, Silvio não respondeu a todos os questionamentos, especialmente quando o assunto foi sua suposta influência na Petrobras. Em outros, foi contraditório e evasivo, o que levou a oposição a ameaçar com a instalação de nova CPI, dessa vez para investigar declarações dele ao jornal "O Globo".
Na entrevista ao jornal carioca, Silvio disse que quem mandava no partido eram Lula, Aloizio Mercadante, José Genoino e o ex-ministro José Dirceu. Ontem, afirmou que eles mandavam na sigla até a campanha de 2002.
"Não quero incriminar pessoas com base na entrevista. Pode ter coisas verdadeiras e coisas da minha ficção. Não posso dizer o que é fantasia, o que é fato da minha cabeça", afirmou.
Insatisfeita com o depoimento de Silvio Pereira à CPI dos Bingos, a oposição pretende se reunir hoje para discutir a possibilidade de pedir a instalação de uma nova comissão de inquérito.
A proposta é apurar a declaração de Silvio de que o empresário Marcos Valério tentou arrecadar R$ 1 bilhão em negócios com o governo federal. Os governistas são contra. Dizem que esvaziaria a própria CPI dos Bingos.
O relator da CPI dos Bingos, Garibaldi Alves (PMDB-RN), não concorda com a abertura de outra comissão. "Já temos os instrumentos suficientes para investigar na CPI dos Bingos", disse.

"Morto"
Ao tratar do PT, partido no qual militou por mais de 20 anos até se desfiliar, Silvio disse ter se sentido "morto", devido ao fato de ninguém estar se lembrando dele, principalmente no encontro nacional da sigla, no fim de semana.
"No PT, às vezes a pessoa não precisava ter história nenhuma. Bastava ter mandato para ser reconhecida. Várias vezes eu poderia ter ocupado um cargo no PT, mas não ocupei por não ter mandato. (...) Mágoas é evidente que tenho, não contra pessoas", disse.
O ex-secretário petista também negou que tenha sido ameaçado de morte, como disse na entrevista. "Não me lembro de ter dito que vão me matar. Isso eu não conversei com as pessoas da política. Não lembro de ter dito esta palavra. (...) O maior medo que tenho hoje é de mim mesmo."
Em cerca de seis horas e meia de depoimento, Silvio falou por várias vezes não estar em seu estado emocional normal. "Algumas coisas eu não me lembro, entrei num processo de crise violenta. Não é de agora. Estou há 30 dias num processo violento."
Afirmou ter ficado "abalado profundamente" após o relatório da Procuradoria Geral da República, em que ele é denunciado ao lado de mais 39 acusados de participar do esquema do mensalão.

Lula
Lula não acompanhou o depoimento de Silvio, mas foi informado ao final do dia por um auxiliar que a líder do PT no Senado, Ideli Salvati (SC), considerara que as palavras do ex-secretário-geral do PT não geraram "grandes problemas". A auxiliares, Lula negou ter pedido que um emissário seu fosse conversar com Silvio antes do depoimento para tentar evitar eventuais revelações que pudessem desgastar o PT.
A Folha, porém, apurou que José Dirceu conversou com Silvio antes do depoimento e que ouvira do ex-secretário-geral que ele não tinha interesse em criar embaraços para o governo e o PT. Silvio, homem da confiança de Dirceu na antiga cúpula petista, negou que tivesse sido pressionado por algum petista antes de depor.
 

A ENTREVISTA - No depoimento, Silvio trata a entrevista ao jornal "O Globo" como uma conversa com a jornalista. Disse que não a havia lido e, em relação ao teor, não quis confirmá-lo. "O teor da entrevista não tenho condição de aferir se foi fato, se não foi fato, o que é, o que não é. (...) Ela [a jornalista], tenho certeza de que não inventou nada, de que não mentiu." Em outro momento disse: "O que eu falei ali, o que era verdadeiro, não sei mais. Não sei de onde eu tirei isso, se foi da imprensa, se foi da minha cabeça, se foi fantasia minha. Não estou dizendo que eu não disse. De onde tirei, eu não sei". Mais tarde, se contradisse: "Não dei entrevista. Eu simplesmente comecei a falar. Não era pergunta e resposta".

LULA - Eximiu o presidente Lula de envolvimento em irregularidades. "Nunca recebi dele nenhuma orientação que fosse errada. Não lembro de um episódio em que ele tenha feito qualquer tipo de orientação que possa ser considerada desonesta ou ilícita."
Afirmou que as formas de buscar recursos para o partido não eram discutidas em reuniões da Executiva. O senador Magno Malta (PL-ES) perguntou se o "presidente Lula é malandro". "Não, em hipótese alguma", disse e respondeu o mesmo sobre Dirceu, Mercadante e Genoino.

MARCOS VALÉRIO E MENSALÃO - Silvio tentou se esquivar quando tratava de Marcos Valério, mas reiterou que, para ele, o mensalão não existiu. "É uma injustiça da minha parte com ele. Longe de mim imputar a Marcos Valério esse papel [de ter cometido irregularidades]. Marcos Valério virou sinônimo de corrupção. Minha revolta era para dizer que não existiu o mensalão." E depois disse: "Pessoalmente, não tenho essa visão ruim do Marcos Valério".

OPPORTUNITY - Além de questionar Silvio Pereira pelo suposto envolvimento do banco Opportunity em negócios de Marcos Valério, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) apresentou quatro requerimentos para obter informações e documentos relacionados a uma investigação nos Estados Unidos que apura se dirigentes do banco foram achacados por petistas para receber recursos na campanha de 2002. Silvio disse saber de divergências no PT sobre o assunto, mas negou conhecer algum tipo de irregularidade.

BINGOS - Ele disse conhecer o advogado Rogério Buratti, que fez denúncias de irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto no governo de Antonio Palocci e em arrecadação de campanha petista, mas negou ter conhecimento de supostos recursos arrecadados de donos de casas de bingo.

ERROS - Silvio evitou apontar culpados no episódio do mensalão. Repetiu várias vezes que não operava com dinheiro. "Estamos sendo todos julgados e, se eu errei, pagarei por isso. Se erraram, também devem pagar por isso."

PATINHAS- Questionado sobre se conhecia e se já trabalhara com o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, disse que o amigo de Lula era conhecido como "Patinhas", o personagem da Disney. "Tenho a impressão de que era uma pessoa séria. Tanto é que era chamado de Patinhas. Durante a campanha ele cuidou das instalações da sede do PT."


Texto Anterior: Mensalão: Acusações do Opportunity são fantasia, diz Berzoini
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.