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BRASIL COM "Z"
Para Timothy J. Power, governo do PT corre o risco de terminar sem conseguir se diferenciar da gestão FHC
Falta marca própria a Lula, diz brasilianista
Felipe Varanda/Folha Imagem
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Timothy Power, que participa de encontro de brasilianistas no Rio |
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva se estendeu demais na preocupação exclusiva de ganhar a
confiança dos mercados globais e
pode terminar sem identidade
própria. Deixou a idéia conflituosa de redistribuição para tentar
ajudar os mais pobres sem tirar
dos mais ricos.
A avaliação é do brasilianista Timothy J. Power, 41, coordenador
dos cursos de pós-graduação em
ciência política da Universidade
Internacional da Flórida e, a partir
de domingo, presidente da Brasa
(Brazilian Studies Association),
uma associação sediada nos Estados Unidos e formada por acadêmicos de diversos países que se
dedicam a estudar o Brasil.
"Se o PT perder as eleições deste
ano em capitais importantes, a renascença do governo pode não se
concretizar. Lula precisa agora
lançar duas ou três iniciativas que
o diferenciem do governo anterior de maneira clara", diz Power.
Em sua visão, o presidente brasileiro abandonou a idéia marxista de guerra de classes e optou pela luta nas políticas públicas.
"O discurso de Lula em 1989 era:
"se eu ganho, alguém tem de perder". Era um discurso redistributivo. Hoje, em vez de identificar a
miséria relativa, identifica a miséria absoluta. Ou seja, vamos enfatizar a salvação dos pobres lá embaixo, mas isso não implica tirar
nada de ninguém."
Power terá editada neste ano a
versão em português de seu livro
"The Political Right in Postauthoritarian Brasil: Elites, Institutions
and Democratization" [A Política
Conservadora no Brasil Pós-Autoritarismo: Elites, Instituições e
Democratização], lançado em
2000 nos EUA.
Na PUC do Rio, onde a Brasa
realiza seu sétimo congresso, o
primeiro no Brasil, Power tem
exibido bom humor. Fez piada ao
comparar a crise entre EUA e Brasil em razão da identificação de
viajantes que chegam aos dois
países: "O Palácio do Planalto tem
filas como a dos aeroportos, onde
se dividem brasileiros e estrangeiros. Na Casa Civil, a fila é entre petistas e oportunistas. Estes últimos é que deveriam ser fichados e
fotografados".
A seguir, trechos da entrevista:
Folha - Como o sr. avalia o governo Lula até aqui?
Timothy J. Power - O desempenho de Lula tem tido uma série de
surpresas e paradoxos. Ninguém
esperava a adoção de uma política
econômica de continuidade à do
governo anterior. Por causa do
acordo com o FMI, esperava-se
alguma continuidade, mas não tamanha no que diz respeito à disciplina monetária do Banco Central. Outra surpresa foi o fato de
Lula ter conseguido construir
uma maioria tão grande no Congresso. Sempre se imaginou que
as relações do Legislativo com o
Executivo sob um governo do PT
fossem se pautar de maneira diferente. Avaliava-se que seria um
governo com 30% das cadeiras.
Mas Lula se tornou um presidente
como Fernando Henrique, com
70% da base do Congresso. Surpreendem as semelhanças com o
governo anterior. Na campanha,
os petistas prometeram pôr fim a
uma era, mas essa era se estende
além do que planejavam.
Folha - Isso se deve a quê?
Power - Pode ser atribuído às
necessidades impostas pelo mercado financeiro internacional e ao
acordo com o FMI, negociado em
agosto de 2002 e com o qual todos
os principais candidatos a presidente naquela época se comprometeram. Ao declarar apoio a esse
acordo, Lula vestiu uma camisa-de-força que o deixará imobilizado até o fim deste governo.
Folha - Quais são os paradoxos do
governo Lula?
Power - Sempre acreditei que o
governo pretendia se lançar em
duas fases. Na primeira, com duração de três a seis meses, teria de
mostrar-se confiável aos mercados. Essa fase se prorrogou demais. O governo deveria ter sido
relançado, com novas iniciativas
que marcassem a segunda fase, na
qual afirmaria sua identidade. Essa refundação deveria ter ocorrido em meados do primeiro ano
de governo. A idéia de relançamento, de criação de identidade
própria, não se concretizou e estamos correndo o risco de que não
ocorra. Se o PT perder as eleições
deste ano em capitais importantes, a renascença do governo pode
não se concretizar. Lula precisa
agora lançar duas ou três iniciativas que o diferenciem do governo
anterior. Se tiver muita sorte, a retomada da economia pode lhe dar
uma solução passiva, sem que o
governo faça nada. O crescimento
econômico pode salvá-lo. Veja o
exemplo do Néstor Kirchner, na
Argentina: ele não fez absolutamente nada. Apenas pegou carona na retomada do crescimento.
O ciclo econômico lhe deu popularidade. Lula pode ter a mesma
sorte, só que o buraco da Argentina foi muito mais profundo, o que
facilita a retomada. O Brasil corre
o risco de ter uma "jobless recovery", a volta do crescimento econômico sem a criação de empregos. A economia cresce, mas, com
o aumento da produtividade, não
absorve mais mão-de-obra. O que
levaria àquela frase: a economia
está bem, mas o povo vai mal.
Folha - O que o governo precisaria fazer exatamente?
Power - A principal questão para o renascimento do governo
tem de ser uma iniciativa relacionada com o emprego. Só assim
Lula pode lucrar politicamente
com a retomada do crescimento.
Não pode ser acidentalmente.
Folha - Em que Lula mudou?
Power - O discurso de Lula em
1989 era: "se eu ganho, alguém
tem de perder". Era um discurso
redistributivo. Mas hoje o que faz
ele: a iniciativa do Fome Zero não
é redistributiva. Em vez de identificar a miséria relativa, identifica a
miséria absoluta. Ou seja, vamos
enfatizar a salvação dos pobres lá
embaixo, mas isso não implica tirar nada de ninguém. É um discurso bem diferente. A palavra
burguesia sumiu do discurso. Ele
trocou a guerra de classes pela
guerra de políticas públicas. É um
avanço, porque prega soluções
em vez de conflitos.
Folha - É o abrandamento comum
à esquerda no poder?
Power - Essa nova política do PT
implicará o distanciamento dos
movimentos sociais. Os partidos
de esquerda normalmente têm laços fortes com movimentos sociais, ONGs e sindicatos. Mas,
quando chegam ao governo,
aprendem que não têm como dizer sim para todos.
Folha - Que efeito isso trará?
Power - Isso tem um efeito sobre
a imagem do PT. Na oposição,
podia alardear sua "pureza ideológica". Quando chega ao governo, tem de cortar certos laços e começa a ser visto como um partido
como outro qualquer. Isso implica um perigo para o PT. De modo
geral, os partidos no Brasil não
têm respaldo popular. Antes o PT
se dizia um partido que não integrava como os outros o sistema
partidário. Poder se dizer fora do
sistema era uma vantagem. Agora
passou a integrá-lo plenamente, o
que o iguala aos demais partidos.
Folha - O sr. já disse que Lula é um
"presidente Teflon", que críticas
ao governo não aderem à sua imagem pessoal. Seria em razão do
personalismo?
Power - Não diria uma questão
de personalismo, mas de personalidade, que é outra coisa. Lula é
o primeiro presidente com raízes
populares. É impossível não gostar dele por razões pessoais. O
mesmo ocorria com o presidente
Ronald Reagan, que morreu na
semana passada. Sempre fui oposição ao governo Reagan, mas reconhecia nele características típicas do americano: otimismo, generosidade, contato com as pessoas. Isso possibilitou a separação
da imagem da pessoa da de suas
políticas públicas.
Folha - O PT sempre tentou obter
vantagem eleitoral com seu discurso anticorrupção. Essa retórica foi
afetada pelas recentes acusações
de desvios?
Power - Quando Lula foi eleito,
havia as seguintes colunas de legitimidade: 1) seu desempenho pessoal; 2) sua força interna no PT; 3)
sua promessa de mudar o modelo
econômico; 4) a imagem do PT de
partido ético, sem manchas.
As primeiras duas colunas se
mantêm intactas, as duas últimas
nem tanto. É normal que um partido no governo passe a enfrentar
manchetes negativas e ser visto
como outro partido qualquer.
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