São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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ELIO GASPARI

Saulo de Castro foi a versão veloz de Delúbio


O secretário não respondeu às questões, fez um espetáculo e deixou uma dúvida no ar: o que pode acontecer de pior?


O VÍDEO de cinco horas do depoimento do secretário de Segurança de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, à comissão de Segurança da Assembléia de São Paulo sugere que as coisas vão mal e, se dependerem dele, arriscam piorar. Não respondeu às perguntas que lhe foram feitas e deu-se a um espetáculo que deixa uma dúvida no ar: se o secretário de Segurança comporta-se dessa maneira, o que pode acontecer de pior?
Num momento de alta reflexão, ensinou: "fazer gestão à tororó". Pessoas que batucam na mesa, põem o dedo na boca e fazem beicinho são parte dos maus momentos da vida. Autoridades que vão ao Legislativo levando claques fazem um teatro conhecido. Oradores com surtos de logorréia às vezes são ególatras com talento verbal. (Fidel Castro, por exemplo.) O que nunca se viu foi tudo isso e mais um hierarca tirando o microfone da mão do presidente da sessão. Muito menos um depoente que bate palmas para a própria claque, capaz de socorrê-lo com assobios. Ou um secretário de segurança levantando-se, de braços erguidos, como se estivesse rendido numa blitz, ridicularizando um parlamentar. Isso foi pouco para o doutor. Pediu um intervalo de cinco minutos, ficou no corredor e gastou dez dando uma entrevista coletiva.
É razoável supor que o doutor estivesse tenso. Quando bate o nervosismo, coisas estranhas acontecem. No auge da crise cambial de 1998, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, trancava-se na biblioteca do seu apartamento e deitava-se, às escuras, no chão. Outro diretor passava horas imerso na banheira. Eram comportamentos meio girafas, porém privados.
A velocidade do doutor Saulo na Assembléia paulista foi o inverso do momento Lexotan de Delúbio Soares na CPI do Mensalão: nada ensinou, mas entrou para o folclore nacional.

O PROQUADRILHA
Recorte de um jornal de junho de 2116, encontrado nas ruínas calcinadas de Brasília: "A chefe do Serviço de Inteligência do Congresso, Gilda do Grampo, filha do senador Zequinha da Barricada e mulher de Maneco da Previ, foi presa no aeroporto do Galeão quando tentava embarcar para Miami com 17 malas de dinheiro da ONG do cartel de concessionários do governo. A carga destinava-se a equilibrar os balanços dos partidos políticos. O Serviço de Inteligência do Congresso foi criado em 2006, no primeiro governo de Lula. Atualmente, tem 1.200 funcionários, agências em Paris e Nova York, fabrica aparelhos de escuta telefônica, controla uma central sindical e administra uma rede de 50 agências de publicidade".

LULÉCIO E CISSO
O tucanato inovou a história das eleições presidenciais. Quando se diz que o candidato Geraldo Alckmin está sendo "cristianizado", comete-se uma imprecisão. Na eleição de 1950, o PSD (criado por Getúlio Vargas) jogou n'água seu candidato Cristiano Machado e apoiou o "Pai dos Pobres" que corria pelo PTB (também criado por ele). Isso numa disputa onde o verdadeiro adversário era o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN. Vargas teve 3,8 milhões de votos, e o brigadeiro, 2,3 milhões. O PSD "cristianizou" Machado para vencer a eleição. O PSDB "cristianiza" Alckmin para perdê-la.
A liberdade de alianças serve aos interesses dos tucanatos mineiro e cearense. Nesses Estados a gravidade política poderá criar as chapas Lulécio (Lula + Aécio) e Cisso (Cid Gomes, com apoio de Tasso Jereissati).

AVISO AMIGO
Se o PCC puder, fará uma nova rebelião em São Paulo antes de outubro. No conta da bandidagem, a eleição de Geraldo Alckmin significaria o cumprimento da promessa da construção de presídios federais de segurança máxima.

O DOCE NENÉM
Tem gente que adora analisar a personalidade dos criminosos. Se o padrasto do sujeito batia na mulher, uma jogadora compulsiva, é compreensível que ele se torne um delinqüente. (Bill Clinton virou presidente dos EUA, mas deixa pra lá.) Para a turma do "emocionalmente correto", uma boa história, captada pela repórter Natalia von Korsch, no Rio: na Vila São Vicente de Paula, em Jacarepaguá, vivia o pitbull Neném, de 5 anos. Fora cachorro de rua, mas o motoboy Genilson Mendes abrigou-o em casa. Um dia Neném avançou em Genilson e comeu-lhe um pedaço da perna. George, irmão do rapaz, foi protegê-lo e tomou uma mordida na mão. Os vizinhos mataram Neném a pauladas. Observação de George, com a mão enfaixada: "Ele era um cão muito dócil, nunca tinha agredido ninguém. Deve ter sofrido algum problema psicológico para agir assim".

AVE, BANCA
Fazem falta ao país as patrulhas financeiras da oposição. Na turbulência do final de maio o Tesouro anunciou que conseguira baixar a bola dos especuladores comprando algo como R$ 1,7 bilhão de papéis de longo prazo, chamados de NTN-B. Conversa fiada. Os papéis não tinham comprador e arriscavam virar micos. O Ministério da Fazenda garantiu a remuneração dos gatos gordos à custa da bolsa da Viúva.

OS PADRINHOS DA ENRON ESTÃO APARECENDO
Um trecho do depoimento do chanceler Celso Amorim ao Senado durante a crise do gasoduto Brasil-Bolívia abre uma fresta para estudo da privataria dos anos 90. O embaixador contou que em 1993 o Banco Mundial não queria a Petrobras no negócio. Sendo uma estatal, "afugentaria a iniciativa privada". No lugar dela, preferia a Enron, empresa texana vista como símbolo da globalização. Seu principal executivo, Jeff Skilling, dizia que "estamos mudando o mundo. Fazemos o trabalho de Deus". Entre 1989 e 2001 o aparelho financeiro do governo americano e o Banco Mundial aprovaram US$ 7,2 bilhões em financiamentos para 38 projetos da empresa em 29 países.
Sem experiência no Terceiro Mundo, a Enron meteu-se no Brasil, Argentina, Filipinas, Bolívia, Índia e Guatemala. Em 1994 era a dona de fato do negócio do gasoduto, com o pé na Bolívia e o olho em Pindorama. "Eu vou conquistar o Brasil", dizia Rebecca Mark, princesa do ramo internacional da companhia. Em 2002 a Enron foi à bancarrota. Era um poço de falcatruas. Skilling arrisca passar o resto de sua vida na cadeia. Madame Mark, que deixou a empresa antes da explosão, pagou US$ 5,2 milhões aos acionistas e ficou fora do processo.
A Enron teve uma térmica em Corumbá, que não passou de mutreta contábil. Sua gambiarra na liquidação das empresas elétricas brasileira resultou numa conta que caiu no colo dos consumidores.
Tão importante quanto a recuperação do que aconteceu quando o Banco Mundial escanteou a Petrobras seria o conhecimento das circunstâncias que levaram a privataria federal a tentar impor à Petrobras acordos que permitiriam à Enron vender o gás no mercado paulista.
Quase todas as informações referentes à Enron que estão aí em cima podem ser encontradas no livro "The Smartest Guys in the Room" ("Os rapazes mais espertos da sala"), dos jornalistas Bethany McLean e Peter Elkin.


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