São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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CELSO PINTO

Acordo teria que ser rápido e enxuto

O que o Banco Central imagina como ideal para um acordo de transição com o FMI seria algo rápido, acertado antes do primeiro turno, e enxuto. Um "miniprograma" com alguns pontos básicos e envolvendo recursos. Os candidatos teriam que dar alguma indicação de que aceitariam esses pontos básicos.
Quem acompanha de perto o FMI e a nova administração americana vê com ceticismo a possibilidade desse acerto ser colocado de pé. A visão de fontes do governo, contudo, é que há boa receptividade tanto no FMI quanto no G-7. O mais complicado é a aceitação dos candidatos.
Condição essencial para o sucesso seria conseguir uma negociação rápida, lembra um ministro. Se a negociação demorar e emperrar em detalhes, o tiro pode sair pela culatra e complicar ainda mais a percepção de risco do Brasil. Ou seja, um novo acordo teria que ter um endosso político claro e forte do FMI e dos Estados Unidos.
Não é impossível obter um acordo rápido. No ano passado, a equipe negociadora brasileira levou apenas dez dias, em Washington, para fechar um acordo envolvendo US$ 15 bilhões. O essencial foi acertado em dois dias. O resto do tempo foi tomado pelo alinhavo formal e para contornar a pressão do então ministro argentino da economia, Domingo Cavallo, contra o acordo com o Brasil, alegando que, se ele saísse, a situação de seu país ficaria ainda mais vulnerável.
O acerto para reduzir em US$ 5 bilhões o piso de reservas líquidas, há algumas semanas, foi ainda mais rápido. Bastou uma viagem a Washington. A razão para a rapidez desses dois acertos é a boa reputação acumulada pelo Brasil, depois de cumprir 15 trimestres de metas com o FMI. Em 1998, ao contrário, o acordo só saiu depois de uma longa negociação e de exigências detalhadas.
Este é outro ponto básico para o sucesso de um acordo de transição. Ele não poderia envolver anexos com exigências detalhadas de políticas, caso contrário, poderia ser visto como interferência nos programas dos candidatos. Daí a idéia de um "miniprograma" em torno de poucos pontos básicos, já mencionados, indiretamente, pelo presidente do BC, Armínio Fraga: superávit primário mínimo de 3,75% do PIB, metas inflacionárias, respeito aos contratos e a perspectiva de dar independência operacional ao BC no próximo ano.
Um acordo de transição com o FMI seria um fato novo positivo para o mercado. Alguns analistas duvidam que, por si só, pudesse reverter os exageros pessimistas. Mas, como é algo que não está nos preços, certamente teria algum impacto positivo.
Drausio Giacomelli, do JP Morgan de Nova York, fez um estudo interessante procurando medir o que querem dizer os preços atuais do C-Bond, o título da dívida brasileira mais líquido, e como podem evoluir. Ele constrói três cenários: um "básico", em que o candidato do governo ganha e o prêmio de risco ("spread") do C-Bond cai dos atuais 1.500 centésimos de porcentagem acima do título do Tesouro americano, para 800 pontos.
No segundo cenário, prevalece a incerteza, os mercados "testam" o novo governo, que procura dar uma resposta conservadora, sem moratória. O "spread" chegaria a 1.800 pontos, nível comparável ao do período pós-desvalorização, em 1999. No terceiro cenário, o pior, o mercado aposta numa moratória e o "spread" subiria a 5.000 pontos, com duas variantes. Na primeira hipótese, o mercado esperaria uma moratória logo depois das eleições, no final do ano. Na segunda, lembrando que na Argentina a agonia foi lenta e o "spread" levou nove meses para subir de 1.200 para 5.000 pontos, a aposta seria numa moratória em 12 meses. A partir desses cenários, ele construiu um modelo para medir o que os preços hoje do C-Bond querem dizer, implicitamente, em termos de probabilidade do cenário eleitoral.
O JP Morgan tem sua própria aposta: as chances de o candidato do governo ganhar e o melhor cenário prevalecer são de 65%. Só que, no modelo feito por Giacomelli, com esta probabilidade, e imaginando que o pior cenário seria de um "teste" ("spread" de 1.800 pontos), o preço "justo" do C-Bond deveria ser de US$ 0,70, e não de US$ 0,60, como está hoje.
Testando o preço atual do C-Bond no segundo cenário, ele implica numa aposta de que há mais de 70% de risco de ocorrer uma moratória em seis meses, com o "spread" subindo para 5.000 pontos, e só 30% de chances de prevalecer o cenário positivo. Testando o preço atual no terceiro cenário, ele implica em imaginar que há dois terços de chances de ocorrer uma moratória em 12 meses.
Obviamente, cada investidor tem sua própria aposta no resultado eleitoral e no risco de se chegar a uma moratória. O que o modelo de Giacomelli mostra é que, quem ainda imagina que o candidato do governo tem 50% a 70% de chances de ganhar, como muita gente no mercado acha, deveria comprar C-Bond: o preço "justo" seria entre US$ 0,65 e US$ 0,72, e não US$ 0,60. Ou seja, pode estar havendo, de fato, um pessimismo exagerado nos preços. Se o melhor cenário prevalecer, a valorização do papel deve ser bastante significativa.
Giacomelli fez também uma análise da dinâmica da dívida líquida do setor público. Mostrou que, com um superávit primário de 3,6% do PIB, é possível estabilizá-la em relação ao PIB, embora o país continue vulnerável a choques externos. A dívida é sensível aos juros de curto prazo e ao câmbio, mas a variável decisiva é o superávit primário. Se ele cair para 1,5% do PIB, por exemplo, a trajetória da dívida fica explosiva: em dez anos sobe para 80% do PIB. Com 4,5% de superávit primário, a dívida cai para 45% do PIB em dez anos.
A conclusão final é que os preços continuarão voláteis até a eleição, mas as chances de se chegar a uma moratória ainda sob a atual administração são muito pequenas.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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