São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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DEBATE FOLHA/ELEIÇÕES 2002

João Sayad, Luiz Carlos Mendonça de Barros e Paulo Rabello de Castro trocam farpas, mas concordam que "dívida interna não é problema"

Dívida que aflige economistas é a externa

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Em meio a discordâncias até bastante agressivas, três dos mais renomados economistas brasileiros concordam porém que o problema imediato para o país e para a transição para o novo governo é a dívida externa, não a interna.
João Sayad, 56, secretário de Finanças da prefeitura paulistana (do PT), Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, ex-ministro das Comunicações e o mais eloquente porta-voz da ala esquerda do PSDB, e Paulo Rabello de Castro, 53, um dos raros brasileiros que se orgulha de ser chamado de liberal, passaram a manhã no auditório da Folha trocando idéias e farpas sobre a conjuntura e o cenário para o novo governo.
Concordaram em afastar o fantasma de um calote na dívida interna, que frequenta a imaginação de alguns agentes de mercado.
"Dívida interna não é problema", chegaram a dizer, com as mesmíssimas letras, Sayad e Mendonça de Barros, exatamente os que mostraram divergências mais agudas. Rabello de Castro usou a crítica a Ciro Gomes para afastar dúvidas sobre a dívida interna: "Com os traumas do Plano Collor, da [recente" marcação a mercado, dos planos de desindexação, pelo amor de Deus, este não é um país que precisa ser afrontado com frases vagas sobre dívida interna", aludindo à entrevista do candidato da Frente Trabalhista à Rede Globo, na segunda-feira.
Mas, mesmo ao concordarem em parte que o problema é a dívida externa, discordaram no caminho a ser seguido. Para Mendonça de Barros, o baixo nível das reservas brasileiras e a capacidade "muito ruim" de rolagem da dívida, medida pelo chamado risco-país, só deixam um caminho, que é o FMI (Fundo Monetário Internacional). "O novo governo tem grande probabilidade de herdar uma crise cambial muito séria", acha o ex-ministro.
Paulo Rabello de Castro discorda. Diz, primeiro, que a crise cambial "já está aí e é perfeitamente administrável". Segundo, repudia com vigor a idéia de recorrer ao FMI. Seu discurso é nacionalista, pouco comum em liberais: "A prova dos nove é saber se o FMI é bom para nós. A resposta é negativa ou no mínimo polêmica. A nocividade é que impede que pensemos por nós e para nós".
No seu nacionalismo, Rabello de Castro (que é frequentemente consultado pelo PFL), condena o fato de que "o Brasil tem extrema necessidade de ser aceito lá fora. Esse aplauso externo nos custa muito caro". O economista acha que o Brasil dos primeiros seis meses do próximo governo deveria montar uma "defesa financeira", que incluiria dois "nãos" e um "sim": "Não quero endividamento, não quero FMI e quero reservas de US$ 70 bilhões" (hoje, as reservas são de US$ 40,6 bilhões, no conceito de liquidez internacional, o que significa que nem todo o montante pode ser usado pelo governo). Emenda com uma frase de efeito: "País moreninho não tem o direito de ficar contando com banqueiros; tem que ter grana no caixa".
Sayad, que ressalva que fala em nome pessoal e não do PT, expressa ponto de vista semelhante. Recorre a outra comparação étnica para defender seu ponto. Primeiro, diz que, no Brasil, "os impostos são excessivos porque são usados para pagar juros". Depois, acrescenta que a tarefa pela frente é muito difícil porque equiparável "à dos judeus, tentando explicar aos algozes arianos que não são inferiores".

A questão ideológica
Sayad e Mendonça de Barros travaram a discussão mais aguda, no momento em que discutiam a herança dos anos Fernando Henrique Cardoso. Sayad foi absolutamente heterodoxo. Primeiro, disse que o grande mérito que se atribui a FHC (acabar com a inflação) não é tal, porque "a inflação acabou no mundo inteiro".
Mais: "FHC resolveu o problema inflacionário aumentando o déficit público de modo bastante significativo. A dívida pública aumentou, entre 1994 e 2002, pelo menos cinco vezes".
Contrariando o discurso hegemônico, disse que "o déficit público não é o problema" e ainda comparou o setor público, sempre criticado, com o setor privado, usualmente elogiado. "O setor público é tão ruim quanto a Enron ou a Xerox", disparou, aludindo aos escândalos contábeis que sacudiram essas duas empresas norte-americanas.
Mendonça de Barros ficou apoplético, rasgou a apresentação que havia preparado e foi ao ataque. Admitiu, primeiro, que a política econômica do período FHC foi fortemente impregnada pela ideologia (neoliberal) do grupo comandado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, ao qual seu ex-colega de ministério faz críticas permanentes.
Mas voltou depois a crítica contra Sayad: "Corremos o risco no Brasil de substituir a política econômica baseada na ideologia por uma política econômica baseada na demagogia".
Embora nem Sayad fale pelo PT nem Mendonça de Barros pelo PSDB, um e outro reproduzem, de certo modo, conceitos e críticas comumente feitas nas discussões econômicas de cada um desses dois partidos.
Ambos coincidem, no entanto, no ataque ao que chamam de ideologia de Malan e do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, principal responsável pelo virtual congelamento do câmbio no primeiro mandato de FHC (1995/1998).
"Os US$ 40 bilhões (resultantes das privatizações) foram embora como consequência da supervalorização cambial", disse Sayad.
Reforçou Mendonça de Barros: "A utilização do câmbio deixou de ser componente do plano de estabilização e passou a ser instrumento ideológico".
Rabello de Castro ficou mais ou menos no meio do caminho entre eles. Afirmou que o governo FHC foi, de certo modo, produto do paradigma ideológico nascido a partir de 1991 (quando acaba de vez a União Soviética, e o liberalismo torna-se francamente hegemônico). Mas, completou, houve uma "convergência incompleta". Como no resto do mundo, o Brasil de FHC também ficou sem inflação, mas ficou igualmente "sem aumento da renda e do emprego", um forte contraste com, por exemplo, o "boom" dos anos Clinton nos Estados Unidos.
O economista liberal aponta uma segunda não-convergência, que chamou de "cancerosa": a alta taxa de juros, que, como dissera Sayad, "tem algo a ver com a busca de recursos para fechar as contas externas".


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