|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEBATE FOLHA/ELEIÇÕES 2002
João Sayad, Luiz Carlos Mendonça de Barros e Paulo Rabello de Castro trocam farpas, mas concordam que "dívida interna não é problema"
Dívida que aflige economistas é a externa
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Em meio a discordâncias até
bastante agressivas, três dos mais
renomados economistas brasileiros concordam porém que o problema imediato para o país e para
a transição para o novo governo é
a dívida externa, não a interna.
João Sayad, 56, secretário de Finanças da prefeitura paulistana
(do PT), Luiz Carlos Mendonça
de Barros, 59, ex-ministro das Comunicações e o mais eloquente
porta-voz da ala esquerda do
PSDB, e Paulo Rabello de Castro,
53, um dos raros brasileiros que se
orgulha de ser chamado de liberal, passaram a manhã no auditório da Folha trocando idéias e farpas sobre a conjuntura e o cenário
para o novo governo.
Concordaram em afastar o fantasma de um calote na dívida interna, que frequenta a imaginação
de alguns agentes de mercado.
"Dívida interna não é problema", chegaram a dizer, com as
mesmíssimas letras, Sayad e Mendonça de Barros, exatamente os
que mostraram divergências mais
agudas. Rabello de Castro usou a
crítica a Ciro Gomes para afastar
dúvidas sobre a dívida interna:
"Com os traumas do Plano Collor, da [recente" marcação a mercado, dos planos de desindexação, pelo amor de Deus, este não é
um país que precisa ser afrontado
com frases vagas sobre dívida interna", aludindo à entrevista do
candidato da Frente Trabalhista à
Rede Globo, na segunda-feira.
Mas, mesmo ao concordarem
em parte que o problema é a dívida externa, discordaram no caminho a ser seguido. Para Mendonça de Barros, o baixo nível das reservas brasileiras e a capacidade
"muito ruim" de rolagem da dívida, medida pelo chamado risco-país, só deixam um caminho, que
é o FMI (Fundo Monetário Internacional). "O novo governo tem
grande probabilidade de herdar
uma crise cambial muito séria",
acha o ex-ministro.
Paulo Rabello de Castro discorda. Diz, primeiro, que a crise cambial "já está aí e é perfeitamente
administrável". Segundo, repudia
com vigor a idéia de recorrer ao
FMI. Seu discurso é nacionalista,
pouco comum em liberais: "A
prova dos nove é saber se o FMI é
bom para nós. A resposta é negativa ou no mínimo polêmica. A
nocividade é que impede que
pensemos por nós e para nós".
No seu nacionalismo, Rabello
de Castro (que é frequentemente
consultado pelo PFL), condena o
fato de que "o Brasil tem extrema
necessidade de ser aceito lá fora.
Esse aplauso externo nos custa
muito caro". O economista acha
que o Brasil dos primeiros seis
meses do próximo governo deveria montar uma "defesa financeira", que incluiria dois "nãos" e
um "sim": "Não quero endividamento, não quero FMI e quero reservas de US$ 70 bilhões" (hoje, as
reservas são de US$ 40,6 bilhões,
no conceito de liquidez internacional, o que significa que nem todo o montante pode ser usado pelo governo). Emenda com uma
frase de efeito: "País moreninho
não tem o direito de ficar contando com banqueiros; tem que ter
grana no caixa".
Sayad, que ressalva que fala em
nome pessoal e não do PT, expressa ponto de vista semelhante.
Recorre a outra comparação étnica para defender seu ponto. Primeiro, diz que, no Brasil, "os impostos são excessivos porque são
usados para pagar juros". Depois,
acrescenta que a tarefa pela frente
é muito difícil porque equiparável
"à dos judeus, tentando explicar
aos algozes arianos que não são
inferiores".
A questão ideológica
Sayad e Mendonça de Barros
travaram a discussão mais aguda,
no momento em que discutiam a
herança dos anos Fernando Henrique Cardoso. Sayad foi absolutamente heterodoxo. Primeiro,
disse que o grande mérito que se
atribui a FHC (acabar com a inflação) não é tal, porque "a inflação
acabou no mundo inteiro".
Mais: "FHC resolveu o problema inflacionário aumentando o
déficit público de modo bastante
significativo. A dívida pública aumentou, entre 1994 e 2002, pelo
menos cinco vezes".
Contrariando o discurso hegemônico, disse que "o déficit público não é o problema" e ainda
comparou o setor público, sempre criticado, com o setor privado, usualmente elogiado. "O setor
público é tão ruim quanto a
Enron ou a Xerox", disparou, aludindo aos escândalos contábeis
que sacudiram essas duas empresas norte-americanas.
Mendonça de Barros ficou apoplético, rasgou a apresentação
que havia preparado e foi ao ataque. Admitiu, primeiro, que a política econômica do período FHC
foi fortemente impregnada pela
ideologia (neoliberal) do grupo
comandado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, ao qual seu
ex-colega de ministério faz críticas permanentes.
Mas voltou depois a crítica contra Sayad: "Corremos o risco no
Brasil de substituir a política econômica baseada na ideologia por
uma política econômica baseada
na demagogia".
Embora nem Sayad fale pelo PT
nem Mendonça de Barros pelo
PSDB, um e outro reproduzem,
de certo modo, conceitos e críticas comumente feitas nas discussões econômicas de cada um desses dois partidos.
Ambos coincidem, no entanto,
no ataque ao que chamam de
ideologia de Malan e do ex-presidente do Banco Central, Gustavo
Franco, principal responsável pelo virtual congelamento do câmbio no primeiro mandato de FHC
(1995/1998).
"Os US$ 40 bilhões (resultantes
das privatizações) foram embora
como consequência da supervalorização cambial", disse Sayad.
Reforçou Mendonça de Barros:
"A utilização do câmbio deixou
de ser componente do plano de
estabilização e passou a ser instrumento ideológico".
Rabello de Castro ficou mais ou
menos no meio do caminho entre
eles. Afirmou que o governo FHC
foi, de certo modo, produto do
paradigma ideológico nascido a
partir de 1991 (quando acaba de
vez a União Soviética, e o liberalismo torna-se francamente hegemônico). Mas, completou, houve
uma "convergência incompleta".
Como no resto do mundo, o Brasil de FHC também ficou sem inflação, mas ficou igualmente
"sem aumento da renda e do emprego", um forte contraste com,
por exemplo, o "boom" dos anos
Clinton nos Estados Unidos.
O economista liberal aponta
uma segunda não-convergência,
que chamou de "cancerosa": a alta taxa de juros, que, como dissera
Sayad, "tem algo a ver com a busca de recursos para fechar as contas externas".
Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Desastroso Próximo Texto: Importância do Estado volta a ser valorizada Índice
|