São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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NO PLANALTO

Governo abre janela de oportunidade$ às telefônicas

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com a mordacidade que lhe é peculiar, Delfim Netto disse certa vez: "Se o governo compra um circo, o anão começa a crescer". Delfim entende do riscado. Foi, como se sabe, ministro de regimes fardados, notórios levantadores de lona.
Sob FHC, venderam-se vistosos picadeiros estatais. Brasília não se livrou, porém, dos pigmeus-gigantes. Continuam refugiados debaixo da saia da Viúva.
Ensaia-se sob Lula um espetáculo que reserva ao contribuinte o papel de sempre: palhaço. Abaixo, um resumo em 18 atos do que vai por trás das cortinas:
1) as estatais de telefonia foram ao martelo em 29 de julho de 1998. Negócio trançado, como se recorda, "no limite da irresponsabilidade";
2) acomodaram-se 54 operadoras telefônicas sob o guarda-chuva de 12 grandes holdings. Absorveram as ações que pertenciam à Telebrás, hoje uma estatal em processo de dissolução. A mercadoria despertou cobiça inaudita;
3) no item 4.1 do edital de privatização das teles, o governo lavou as mãos em relação às "insubsistências ativas" e às "superveniências passivas". Significa dizer que os compradores assumiram o risco de eventuais subvalorações patrimoniais ou dívidas remanescentes, ainda que "não mencionadas no edital";
4) formalizado o negócio, a vida seguiu o seu curso. Os serviços telefônicos progrediram. As companhias privadas escrituram lucros notáveis. Junto com os ganhos vieram milhares de ações trabalhistas. Coisa, aliás, prevista no edital de privatização. O item 6.1 do documento informou que foi deduzido do preço mínimo das telefônicas "o saldo de provisões para contingências trabalhistas, cíveis e tributárias";
5) em todo o país, as telefônicas guerreiam nos tribunais. Colecionam derrotas. Adquirida pela Brasil Telecom, a Telems (Cia. Telefônica de Mato Grosso do Sul), por exemplo, perdeu duas causas milionárias. Mais de R$ 20 milhões, pelas contas do sindicato dos empregados. Algo como R$ 13 milhões, pela estimativa de técnicos do Judiciário;
6) súbito, o Ministério Público do Trabalho interveio na contenda. Enxergou suposto conluio entre advogados do sindicato e da empresa. Os primeiros teriam pedido demais. Incluíram no processo até valores cuja exigibilidade encontra-se prescrita. Os segundos teriam feito corpo mole;
7) afora o alegado conluio, o Ministério Público farejou nos processos "riscos" para o Tesouro. Requereu manifestação da Advocacia Geral da União. Podendo informar que o Estado nada tinha a ver com a refrega, a Advocacia da União preferiu admitir, por escrito, o "risco de uma possível responsabilização" do governo "pelos débitos trabalhistas" da Telems. Surpresa (!!);
8) a petição é datada de 30 de março de 2004. Assina-a o procurador-chefe da União em Mato Grosso do Sul, Clênio Luiz Parizotto. O repórter tentou ouvi-lo. Preferiu o silenciou. Brasília o proíbe de falar;
9) em Brasília, na sede da Advocacia da União, confirmou-se ao repórter o "risco" que assedia o erário. Estupefação (!!!). A janela para a encrenca estaria no item 5.1 do edital de privatização. Ali está escrito que "as obrigações de qualquer natureza", incluindo as "trabalhistas", serão de "responsabilidade exclusiva da Telebrás";
10) ouvida, a Telebrás sustenta que esse trecho do edital refere-se apenas às ações judiciais movidas contra ela. Inclusive ações trabalhistas. Nada a ver com as companhias privatizadas;
11) embora esteja a caminho do cadafalso, a Telebrás ainda remunera 320 empregados. A grossa maioria, cedida à Anatel, agência que fiscaliza o setor telefônico. Além da folha salarial, a estatal administra contenciosos judiciais. Defende-se em mais de 700 processos;
12) o contencioso da Telebrás alça à casa dos R$ 600 milhões. O equivalente a três vezes o ativo da empresa -cerca de R$ 200 milhões, dos quais R$ 143 milhões em dinheiro vivo;
13) o balanço de 2003 da Telebrás provisionou pagamentos de R$ 100 milhões. Referem-se às causas judiciais dadas como praticamente perdidas. Desse valor, algo como R$ 10 milhões decorrem de reclamações trabalhistas de funcionários da estatal. De novo, nada a ver com empregados das telefônicas privadas;
14) a manifestação da Advocacia da União deixou boquiabertos os gestores da Telebrás. Foi vista como interferência inusitada do Estado na economia. Uma tentativa de proibir atos de capitalismo explícito entre adultos consentidos;
15) o caso sul-mato-grossense não é único. Há em Florianópolis um outro processo trabalhista que desliza rumo aos cofres do Tesouro. Envolve a Telesc (Cia. Telefônica de Santa Catarina) e um ex-funcionário chamado Norberto Silveira de Souza;
16) o Ministério Público do Trabalho também interveio no processo catarinense. Silveira de Souza chiou. Alegou que sua pendência com a Telesc é coisa estranha ao mundo estatal. O juiz Rider de Brito, do TST (Tribunal Superior do Trabalho), discordou. Considerou legítima a interferência da procuradoria, uma vez que há "a possibilidade de a União vir a ser responsabilizada" por dívidas trabalhistas;
17) como se vê, tudo conspira contra os interesses do contribuinte. O curioso é que, dessa vez, é a própria Viúva quem expõe aos anões crescidos da metáfora de Delfim Netto os seus $eios copiosos;
18) telefônicas privadas, que até aqui vinham pagando do próprio bolso os débitos trabalhistas, preparam-se para pular a janela de oportunidades aberta pelo Ministério Público do Trabalho e escancarada pela Advocacia Geral da União.


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