São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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JANIO DE FREITAS

Os solidários

A CPI do Mensalão simplificou: não depende mais de Marcos Valério de Souza, tem um mentiroso seu na própria mesa diretora da comissão. Ninguém menos do que o próprio vice-presidente da CPI e freqüentemente presidente em exercício -o deputado petista Paulo Pimenta, gaúcho que costuma praticar um estilo de arrogância e rispidez à maneira do seu líder José Dirceu.
O episódio protagonizado por esse deputado, gerador de um tumulto na CPI que atrasou ontem o início dos trabalhos por quase duas horas, com várias irrupções posteriores, comporta muita gravidade em dois sentidos. Ambos contrários ao dever investigativo da CPI, que está sob riscos.
Em resumo, o deputado Paulo Pimenta foi acusado pelo deputado Júlio Redecker do ato antiético de sair do Senado, na madrugada de ontem, no carro de Marcos Valério, que acabara de depor. Paulo Pimenta foi enérgico e direto: primeiro, não pegou carona com Valério; segundo, foi até o carro para receber de um dos advogados de Valério um documento importante: uma lista de mais recebedores de dinheiro ilegal, em papel com timbre do Supremo Tribunal Federal, e não revelada por Valério na véspera.
A tropa de choque petista implodiu a sessão, em solidariedade ao colega ultrajado e esbravejante. Tal a baderna, que se chegou à suprema surpresa de ver a senadora Ideli Salvatti, líder do pelotão Maria Callas do PT em substituição a Heloisa Helena, pedindo calma ao plenário. Mas Redecker conseguiu berrar que viu Paulo Pimenta entrar no carro e, mais, teve uma idéia atômica: "E vamos ver as câmeras da garagem do Senado, elas devem mostrar o deputado Paulo Pimenta no carro de Marcos Valério". O bravo Paulo Pimenta ficou carbonizado.
Presentes como acompanhantes também do depoente dia, os advogados de Marcos Valério desmentiram a entrega do documento. Ou seja, Paulo Pimentel mentiu quanto a não entrar no carro e mentiu quanto à entrega do papel. Mas não esgotara sua capacidade de fazê-lo. Produziu a explicação de que achara a lista denunciadora sobre a mesa dirigente, supondo que um dos advogados de Valério a esquecera ali.
É quase desnecessário lembrar, ainda, a constatação de que a lista de recebedores apresentada por Paulo Pimentel não existe em processo nenhum no Supremo Tribunal Federal, os nomes eram uma montagem falsificada e seu aparecimento, ali, estava atribuído a dois funcionários ligados à liderança do PT.
O episódio foi uma culminância do desempenho petista nas CPIs do mensalão e dos Correios. Mas não a última. Uma fraude como a tentada por Paulo Pimenta foi tratada, por exemplo, pela senadora Idali Salvatti como o caso simples "de uma lista já conhecida". Pelo petista paulista José Eduardo Cardozo, como a questão secundária "de uma eventual carona". Pelo petista pernambucano Maurício Rands, como um caso decorrente só de que "o deputado Júlio disse que teria havido um contato do deputado Paulo Pimenta com o sr. Marcos Valério".
Assim tem agido a tropa de choque petista. Procura esvaziar tudo o tempo todo, sem decência no trato dos fatos, sem dignidade política e sem compostura pessoal. Disso só pode resultar a sua associação moral a Marcos Valério e a quantos acusados haja. E, como o PT domina as CPIs ao somar-se a seus aliados da "base governista", as inquirições e investigações ficam prejudicadas, particularmente as referentes ao "mensalão".
Paulo Pimenta perdeu, se tinha, a autoridade ética minimamente necessária para manter-se como primeiro-vice-presidente. Já se tornara suspeito ao inquirir Marcos Valério na terça-feira, quando deixou a impressão de um diálogo previamente combinado em cada pergunta e cada resposta. Não é preciso ser rigoroso para concluir que não lhe sobram condições nem para continuar como deputado. Do "Mini Caldas Aulete": "Decoro parlamentar: Padrão de comportamento ético esperado de um parlamentar". Paulo Pimenta mostrou diante de duas CPIs reunidas, e a todo o país por duas emissoras de TV e várias de rádio, a sua falta de decoro parlamentar.


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