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Juiz acata denúncia contra líder da Universal
Edir Macedo e mais 9 são réus em processo por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro; defesa diz que igreja é perseguida
Dados do Coaf apontam que as transferências atípicas e os depósitos bancários em espécie da igreja somaram R$ 8 bilhões de 2001 a 2008
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
A Justiça recebeu ontem denúncia do Ministério Público
de São Paulo e abriu ação criminal contra Edir Macedo e outros nove integrantes da Igreja
Universal do Reino de Deus sob
a acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
A denúncia, aceita pelo juiz
Glaucio Roberto Brittes, da 9ª
Vara Criminal de São Paulo, resulta da mais ampla apuração
sobre a movimentação financeira da igreja já feita em seus
32 anos de existência.
Iniciada em 2007 pelo Ministério Público de São Paulo, a investigação quebrou os sigilos
bancário e fiscal da Universal e
levantou o patrimônio acumulado por seus membros com dinheiro dos fiéis, entre 1999 e
2009 -embora não paguem
tributos, igrejas são obrigadas a
declarar doações que recebem.
Segundo dados da Receita
Federal, a Universal arrecada
cerca de R$ 1,4 bilhão por ano
em dízimos. As receitas da igreja superam as de companhias
listadas em Bolsa -e que pagam impostos-, como a construtora MRV (R$ 1,1 bilhão), a
Inepar (R$ 1,02 bilhão) e a Saraiva (R$ 1,09 bilhão).
Somando-se as transferências atípicas e os depósitos bancários em espécie feitos por
pessoas ligadas à Universal, o
volume financeiro da igreja no
período de março de 2001 a
março de 2008 foi de cerca de
R$ 8 bilhões, segundo informações do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda que combate a lavagem
de dinheiro.
A movimentação suspeita da
Universal somou R$ 4 bilhões
de 2003 a 2008.
A denúncia foi assinada pelos
promotores Everton Luiz Zanella, Fernanda Narezi, Luiz
Henrique Cardoso Dal Poz e
Roberto Porto.
Reportagem da Folha publicada em dezembro de 2007 revelava o patrimônio da Igreja
Universal do Reino de Deus
acumulado em mais de 30 anos
-o que incluía um conglomerado empresarial em torno dela. Após a publicação, fiéis da
igreja entraram com ações por
dano moral contra o jornal, no
país todo (leia texto abaixo).
O xis do problema, para os
promotores, não reside na
quantia de dinheiro arrecadado, mas no destino e no uso que
lhe foi dado pelos líderes da
igreja no período investigado.
Um grande volume de recursos
teria saído do país por meio de
empresas e contas de fachada,
abertas por membros da igreja,
e foi depois repatriado também
por empresas de fachada, para
contas de pessoas físicas ligadas à Universal.
Os recursos teriam servido
para comprar emissoras de TV
e rádio, financeiras, agência de
turismo e jatinhos.
Para a investigação, isso fere
dois princípios legais.
Empresas privadas pagam
impostos porque o propósito
de suas existências é o lucro.
Igrejas, pela lei brasileira, não
pagam tributos porque suas receitas, em tese, revertem para o
exercício da fé religiosa, protegida pela Constituição.
Quando o dinheiro oriundo
da fé é desviado para comprar
e/ou viabilizar empresas tradicionais, que têm o lucro como
finalidade, a imunidade tributária está sendo burlada.
O outro problema, com base
na denúncia, diz respeito ao direito dos fiéis da Universal a
que os recursos revertam para
a igreja. O uso de recursos para
outras atividades seria um desvio de finalidade, do qual fiéis e
a Universal seriam vítimas.
Depósitos atípicos
Segundo o Ministério Público de São Paulo, os recursos da
Universal eram transportados
em jatinhos e foram depositados em contas definidas pelos
bispos, principalmente no Banco do Brasil e no Banco Rural.
Duas empresas que seriam
de fachada recebiam o grosso
dos depósitos, segundo a denúncia -a Unimetro Empreendimentos S/A e a Cremo
Empreendimentos S/A.
"As empresas Unimetro e
Cremo não apresentaram qualquer movimentação que indicasse atividade de comércio. De
fato, trata-se de empresas de fachada", relata a denúncia. As
duas empresas encontram-se
instaladas no mesmo endereço,
que também consta como sede
da Clínica Santo Espírito. Nenhuma apresenta qualquer indício de atividade comercial,
dizem os promotores.
Entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005, a Unimetro
recebeu em duas contas, no
Banco do Brasil e no Banco Rural, um total de R$ 19,2 milhões.
Em sua grande maioria, a movimentação foi proveniente de
transferências eletrônicas.
A empresa Cremo, no mesmo período, totalizou R$ 52,1
milhões em créditos em três
contas, no Banco do Brasil,
Banco Rural e Banco Safra.
As duas empresas remetiam
os recursos, por sua vez, às
companhias Investholding Limited e Cableinvest Limited,
localizadas em paraísos fiscais
(ilhas Cayman e ilhas do Canal,
respectivamente).
O dinheiro retornava ao país
em forma de contratos de empréstimos a laranjas, usados
para justificar a aquisição de
empresas e imóveis ligados à
Universal, segundo a denúncia.
Descreve o texto da promotoria: "Podemos citar como
exemplo a compra da TV Record do Rio de Janeiro. A empresa foi adquirida em nome de
seis membros da Igreja Universal do Reino de Deus, que justificaram a origem da transação
(avaliada em US$ 20 milhões)
através de empréstimos junto
às empresas Investholding e
Cableinvest". Outro exemplo
usado na denúncia é o da TV
Itajaí, também comprada com
recursos oriundos da Cremo.
As remessas de dinheiro da
Investholding foram feitas de
agências do Banco Holandês
Unido, em Miami e Nova York.
As remessas da Cableinvest
teriam se dado de forma distinta. Os dólares foram levados até
a Cambio Val, uma das maiores
casas de câmbio do Uruguai, e
trocados por moeda brasileira.
Em 1992, a Investholding remeteu ao menos US$ 6 milhões
para o Brasil. De 1992 a 1994, a
Cableinvest trocou US$ 11,96
milhões por moeda nacional na
casa de câmbio Val, no Uruguai.
A origem de todo esse dinheiro
foram os dízimos dos fiéis, sustenta a denúncia.
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