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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ENTREVISTA
José Alencar afirma que não vê razão para impeachment, mas que mudaria política econômica se tivesse que ocupar o cargo
Vice se diz fiel a Lula, mas pronto para assumir
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Apesar de declarar que é fiel ao
presidente Lula, contra o impeachment dele e que não moverá
"uma palha" para prejudicá-lo, o
vice-presidente da República, José Alencar, não deixa dúvidas: ele
se diz pronto para assumir a Presidência na hipótese de afastamento de Lula e, nesse caso, mudar a política econômica -especificamente, baixar os juros.
"Se acontecer [o impeachment],
independentemente da minha
vontade, eu não abro mão do
cumprimento do meu dever e não
abro mão também dos meus direitos", disse Alencar à Folha, na
última quinta-feira. "E mudo a
política monetária", acrescentou.
Então, ele está pronto para assumir a Presidência? Resposta rápida: "Claro, absolutamente", disse,
ironizando a visão de que é considerado um risco, por ser um defensor radical da queda dos juros.
Nesse caso, diz considerar-se um
"risco santo".
Alencar se diz contrariado com
a política e com o fato de não ser
ouvido dentro do governo quando o assunto é economia. "Vice
não manda nada, nunca me ouviram (...) Nem o presidente".
O vice-presidente endossou a
tese de que o presidente não soubesse de nenhum dos escândalos
no qual o partido e o governo estão envolvidos. "É só conhecer a
agenda do presidente, não só interna como externamente, porque viaja muito, para saber que
ele não teria espaço para estar cuidando da administração partidária", disse ele.
Para Alencar, Lula foi "vítima"
do PT, que ele considera "despreparado" para assumir o governo.
O vice-presidente poupou, porém, o ex-ministro José Dirceu.
"Pelo que a gente sabe, ele não está envolvido", afirmou.
Sem partido desde que deixou o
PL, Alencar disse não estar pensando em se filiar a nenhum partido e que para ele é "indiferente"
ter condições ou não de concorrer
nas próximas eleições.
Aos 73 anos, mas com a saúde
"boa como nunca" depois de uma
angioplastia,ele falou à Folha na
quinta-feira passada.
Folha - O sr. sonha em chegar à
Presidência da República?
José Alencar - Seria desonesto de
minha parte dizer que não. Todo
homem público tem o ideal de
chegar à Presidência. Mas eu gostaria de fazer isso desde que disputasse [uma eleição] e não mexeria uma palha para prejudicar o
presidente Lula. Sou vice-presidente da República graças à eleição dele, portanto a minha posição é de apoio a ele, de lealdade a
ele, para que ele recupere o seu
prestígio nacional e conclua o seu
governo.
Folha - Há muita pressão, ou pelo
menos muita conversa, para que o
sr. apóie o impeachment ou a renúncia?
Alencar - Sim, é claro que há. Eu,
como vice, obviamente sou alvo
dessas perguntas. Muitas pessoas
pensam que eu estou ansioso para
que haja um impeachment do Lula. Sinceramente, não há isso. O
que não significa que eu não queira ser presidente. Gostaria de sê-lo, com legitimidade, não assim. É
claro que é legítima a substituição
do presidente pelo vice, mas não
mexerei uma palha para prejudicar o Lula.
Folha - E se acontecer?
Alencar - Se acontecer, independentemente da minha vontade,
eu não abro mão do cumprimento do meu dever e não abro mão
também dos meus direitos.
Folha - O sr. está pronto para assumir a Presidência?
Alencar - Claro, completamente.
Folha - O sr. acha que, a partir de
todas essas denúncias sobre o esquema Marcos Valério, há indícios
suficientes para abrir um processo
de impeachment?
Alencar - Eu não sou especialista
nisso. O que eu sei é que as CPIs, o
Conselho de Ética, a Polícia Federal, todos estão investigando de
forma rigorosa e cabal. Não posso
fazer um prejulgamento, dizer
que o que está aí já seja suficiente
para justificar o impeachment do
presidente.
Folha - Se chegar alguma prova
ao presidente, o sr. é favorável ao
impeachment?
Alencar - Não, veja bem, eu não
preciso ser a favor nem contra. A
rigor, sou contra o impeachment
do Lula. Se for inevitável, é outra
coisa, isso não é pelo fato de eu ser
a favor ou contra.
Folha - Pelo que o sr. conversa
com ele, o sr. acha que ele sabia de
tudo o que acontecia?
Alencar - Eu penso que o Lula é
vítima disso.
Folha - Vítima desse processo?
Alencar - Eu acho que é ele é vítima de todo esse despreparo da
administração do seu partido. É
só conhecer a agenda do presidente, não só interna como externamente, porque viaja muito, para saber que ele não teria espaço
para estar cuidando da administração partidária.
Folha - Na sua opinião, a coisa está restrita ao PT, à
campanha, ao caixa dois? E o envolvimento do governo?
Alencar - Não
tem. E pelo que eu
conheço e que está
posto aí pelas investigações das
CPIs, o contato direto do Marcos
Valério era o dr.
Delúbio, professor
Delúbio, não era
outra pessoa.
Folha - O que o sr.
quis dizer com
"despreparo do
PT"?
Alencar - Realmente foi um despropósito tudo isso que aconteceu.
Se uma empresa
deseja contribuir
para uma campanha eleitoral, essa
contribuição deve
ser rigorosamente
correta, de acordo
com a lei, mesmo
porque não há
proibição legal para que uma empresa participe de uma campanha
eleitoral, não há razão para se fazer esta doação fora da lei, sem registro. Nem de parte da empresa
nem de parte do partido. Então isso é um despreparo brutal, para
não dizer uma irresponsabilidade
de quem doou e de quem recebeu.
Folha - O sr. não acredita na versão dos empréstimos, então?
Alencar - Eu não quero entrar
nesses detalhes, mas, pela experiência que eu tenho na área, eu
não tenho dúvida de que esses
empréstimos têm que ser vistos
com desconfiança. Não sei como
é que seriam, qual a razão desses
empréstimos, como foram feitos,
de onde veio esse dinheiro.
Folha - O sr. vinha dizendo que,
pela experiência do sr...
Alencar - Pela minha experiência, é muito difícil que um banco
faça empréstimos assim, sem garantia absoluta, é muito difícil.
Folha - O sr.conhecia Marcos Valério?
Alencar - Essa pergunta já me foi
feita. Eu até fiz um esforço para
ver se algum dia eu fui, pelo menos, apresentado a ele. Pode ser
que que tenha sido, mas não me
lembro.
Folha - O sr. nunca ouviu falar que
ele era assim...
Alencar - Não, não. Mesmo por
que eu não tenho nenhuma militância nessa área, minhas coisas
são rigorosamente todas por dentro, por dentro da lei. Eu ouvi
grandes homens públicos de Minas dizerem no passado: "Fora da
lei não há salvação".
Folha - E o papel do ministro José
Dirceu, que recebia todas essas
pessoas em seu gabinete no Planalto e acabou caindo?
Alencar - Pelo
que a gente sabe,
ele não está envolvido.
Folha - O sr. acredita que ele não esteja? O Roberto
Jefferson denunciou e a CPI suspeita que ele era o
chefe do esquema.
Alencar - Sim,
mas isso aí é o seguinte: é uma alegação. Está escrito, me parece no
Código de Processo Civil, que o
ônus da prova é
de quem alega, e
não me cabe fazer
julgamento de
quem quer que seja, muito menos
"a priori". O julgamento é eminentemente político, não é julgamento, vamos dizer, do Judiciário.
Então os critérios
são políticos.
Folha - O sr. arriscaria um palpite de
quantos deputados serão cassados?
Alencar - Vai depender. Não
posso pedir pena branda nem rigorosa, mas torço por uma pena
justa. Cada caso é um caso. Todo
mundo sabe que há diferença e
saberão muito mais os que estão
mais próximos do caso, tanto na
CPI como no Conselho de Ética.
Folha - Há uso evidentemente político dessa crise por parte da oposição, do PSDB e do PFL principalmente?
Alencar - Se estiver havendo, isto
não é novidade, considerando
tratar-se de um critério eminentemente político. O grande problema disso é que acabou afetando,
queiramos ou não, todo o campo
político e todos nós que militamos na política. Essa foi uma das
grandes razões pelas quais eu me
desfiliei. A contrariedade, o desconforto com que eu fiquei é justamente porque nós todos fomos
atingidos, nunca podíamos imaginar que houvesse tanta coisa, é
um absurdo.
Folha - O sr. está contrariado com
a política em geral ou com o PL em
particular?
Alencar - Eu estava muito contrariado com tudo. Não é apenas
com o partido, não, é com o quadro. Tanto que eu não me filiei
nem estou preocupado em filiação. Para mim é absolutamente
indiferente ter condições ou não
de disputar uma eleição no ano
que vem.
Folha - Existe essa hipótese, de o
sr. não concorrer?
Alencar - Essa hipótese era a única que existia no momento em
que eu tomei a decisão de me afastar [do partido]. Estava sentindo
desconforto total.
Folha - Qual o grau de responsabilidade do Lula e do PT nesse descrédito na política?
Alencar - Eu acho que a maior vítima nacional desse quadro que
está aí é o Lula.
Folha - E o PT é o maior artífice?
Alencar - O PT é responsável por
isso. Grande parte do PT é grandemente responsável por essa
quadro que está aí, e não só o PT.
Isso afetou vários partidos.
Folha - O seu PL...
Alencar - Foi afetado, claro. Não
só o PL, outros partidos também
foram afetados, todo mundo sabe
disso.
Folha - Em tese, quais são as opções partidárias que o sr. tem?
Alencar - Muitos partidos já me
procuraram e têm me procurado.
Por enquanto, o que posso dizer é
que não estou pensando em filiação, isso não passou pela minha
cabeça.
Folha - O sr. tem disposição para
disputar a Presidência em 2006?
Alencar - Nesse mundo, ninguém sabe o que vai acontecer daqui para a frente. Tudo muda,
mas a política muda mais ainda.
Tudo pode acontecer.
Folha - E a saúde, como está?
Alencar - Boa como nunca. Fiz
uma angioplastia com aplicação
de um "stent" [mola que impede a
obstrução das artérias], e eles me
disseram que estou zerado.
Folha - Falando em zerado, o sr.
sabe para onde foram os R$ 10 milhões que o PT deu para o PL por
meio do Marcos Valério?
Alencar - Como? Do PT? Essa
pergunta tem que ser feita ao partido, não a mim. Isso não passou
nem a mil quilômetros da minha
casa. Quem me conhece sabe que
não existem essas coisas na minha
vida.
Folha - O PL está sob suspeita,
perdeu a Vice-Presidência da República, seu presidente renunciou ao
mandato de deputado federal. Que
futuro o sr. vê para o PL?
Alencar - Eu me retirei porque
me sentia desconfortável com o
quadro criado. Essa crise política
é brutal, afetou a todos nós que estamos na vida pública. Para ser
exato, quando eu me desfiliei, não
foi com o sentimento de optar por
outro partido, mas de sair da vida
pública mesmo. Mas tenho muitos amigos de vários partidos que
falam que não posso fazer isso,
que tenho que pensar neles também. Então, estou dividido.
Folha - O "risco Alencar" existe?
Alencar - Ironia do destino. Todo mundo fala que o Lula fez
aliança comigo porque eu representava segurança e não risco,
justamente para isso que se chama mercado. Hoje, dizem que eu
sou o risco. Isso não é estranho?
Folha - O sr. é ou não um risco?
Alencar - Devo ser, uai! Não dizem que a voz do povo é a voz de
Deus? Eu me orgulho muito de ser
um risco pelo que me atribuem,
porque esse é um risco santo. Não
há ninguém que pugne mais pelo
desenvolvimento
do meu país do
que eu. Eu não me
conformo com a
estagnação, senão
eu continuaria como bom vendedor, bom comerciante, na melhor
hipótese. Você
não pode aceitar
de maneira nenhuma que um
país como o Brasil
arque com uma
taxa de juros dez
vezes superior à
média internacional. É um despropósito, um desperdício. Cada um
dos 180 milhões de
brasileiros está pagando essa conta.
Ela está errada.
Folha - Na eventualidade de ter de
assumir a Presidência, o sr. mudaria a política econômica?
Alencar - Mudo
essa política monetária, assessorado pelos economistas mais brilhantes e mais experientes do meu país. Imediatamente, os convidaria.
Folha - O Paulo Nogueira Batista,
por exemplo?
Alencar - Ele é um deles. E aviso
que sou um risco, sim, porque
não vou permitir que um cidadão
contrate uma obra nem por duas
vezes o seu preço no mercado. E é
a mesma coisa. Nós temos que denunciar isso.
Folha - Mas é o próprio governo
que faz.
Alencar - Porque o vice não
manda nada. Vice pede com empenho, com dedicação e com responsabilidade, e eu tenho pedido
todo o tempo do nosso governo.
Nunca me ouviram.
Folha - Quem?
Alencar - Nem o próprio presidente. Ele está consciente de que
essa política está correta, e é claro
que discordo dele. Não posso
concordar com uma coisa dessas,
que é jogar dinheiro pela janela.
Folha - O sr. tem boas relações na
área empresarial, na mídia, no
Congresso e, agora, na área militar. Se assumir e imediatamente
baixar os juros, há quem veja o "risco" de o sr. virar um candidato imbatível em 2006.
Alencar - Esse é mais um motivo
para que ninguém me queira.
Mas, voltando, eu sugeri para o
presidente que reunisse economistas de um lado e de outro, durante o tempo necessário, até fazer um juízo. Tem alguma coisa
de errado nisso?
Folha - O que ele respondeu?
Alencar - Não me lembro. Provavelmente, nem respondeu.
Folha - O sr. foi a única pessoa do
governo que manteve o discurso
feito pelo PT na
campanha?
Alencar - O nosso discurso de
campanha não assumiu o poder.
Nós seguimos a
política econômica que estava aí e
que éramos contra, porque o país
quase quebrou
naqueles anos do
Gustavo Franco
no Banco Central.
Só não quebrou
porque Deus é
brasileiro.
Folha - O presidente acha que o
desempenho da
economia será suficiente para reelegê-lo, mas a popularidade vem caindo. Quais são as
chances de reeleição dele?
Alencar - As
chances dele são
muito grandes. A
popularidade está
caindo, mas, mesmo assim, é muito
alta. Essas quedas
são naturais em momentos mais
difíceis, mas ele poderá sair vitorioso de tudo isso. Acredito, sinceramente. E não só acredito, como torço, porque o Lula é um homem de bem. Essas coisas todas
não alcançam a autoridade moral
do Lula perante a Nação. O Lula é
correto. O Lula e a família. Dona
Marisa é uma mãe de família
exemplar. Estarei leal a eles até o
fim.
Folha - O sr. também é ministro
da Defesa. Como os militares acompanham tudo isso?
Alencar - Não temos conversado
sobre esses assuntos, mas, como
brasileiros, eles estão tão preocupados como qualquer pessoa de
bem. Eles são homens de elevado
interesse nacional e é claro que tudo isso preocupa.
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