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Entrevista da 2ª/Bernardo Rocha de Rezende
"O Brasil é um time mal liderado", diz Bernardinho
Hexacampeão da Liga Mundial de
vôlei, técnico da seleção masculina diz
que Lula "convocou mal" sua equipe
O TÉCNICO da
seleção masculina de vôlei, Bernardo
Rezende, o Bernardinho,
47, está "incomodado"
-como diz. Afirma lamentar as luzes concentradas nele após a sexta
conquista do Brasil na Liga Mundial. Seu talento
maior é formar equipes.
O triunfo foi coletivo, sublinha, e não pessoal. Ex-levantador reserva da seleção, transformou-se em
técnico e em sinônimo de
vitória. Ele treina também um time feminino, o
Rexona-Ades. Em entrevista à Folha, criticou o
"técnico" Lula e falou
sobre as mazelas brasileiras.
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
"É um projeto um pouco sem
rumo. É um time mal liderado.
Não sei se é um time", afirma.
"Falta um rumo para a liderança. Falta não sei se capacidade.
Às vezes falta condição. Tenho
admiração pela trajetória dele
[Lula], de onde ele veio e aonde
conseguiu chegar, uma coisa
admirável. Não esperava mais
do conhecimento dele de algumas matérias, mas esperava
mais talvez no que diz respeito
à formação de equipe. O governo dele se fragilizou muito em
função do entorno", afirmou
sobre o presidente.
O treinador aponta a educação como a maior deficiência
do país. Ele dirige o Instituto
Compartilhar, uma organização sem fins lucrativos que
mantém programas de ensino
associados ao esporte.
FOLHA - Por que o vôlei brasileiro é
tão vencedor, e o Brasil, em tantos
aspectos, é perdedor?
BERNARDINHO - Uma das coisas
que me incomodam demais é
ver um país com tanto talento e
potencial desperdiçando tudo
isso, com os índices de desenvolvimento humano e educação se deteriorando.
Nos anos 1970, com a modernização do voleibol, houve um
investimento correto, na formação. Faço um paralelo entre
as categorias de base e a educação do jovem. Nossos atletas
desde jovens receberam investimento de trabalho e treinamento. Houve planejamento,
investimento nos profissionais
que coordenam. Isso foi a gênese da era de conquistas. O problema principal do nosso país é
a educação.
FOLHA - O que o senhor faria se
fosse presidente da República?
BERNARDINHO - Traria pessoas
com experiência e conhecimento para atuar nas diversas
áreas. Tem que acabar com as
vinculações políticas. Isso leva
à ineficiência. Não há meritocracia. Há troca de favores e
acordos.
FOLHA - Onde?
BERNARDINHO - No geral. Você
não leva a pessoa mais competente. A questão da educação é
a primeira a ser atacada. Em todas as áreas houve deterioração
da capacitação.
Os professores são menos capazes. O processo de formação
dessas pessoas é mais fraco hoje. A educação tem menos qualidade. Não adianta dizer que
nós temos 99,9% das crianças
na escola. Em que tipo de escola? Com que qualidade?
FOLHA - Como técnico de vôlei, o
senhor vive a fazer diagnósticos
-de adversários e dos seus atletas.
Que diagnósticos faz e que critérios
usa ao votar?
BERNARDINHO - Vejo a pessoa.
Não olho partidos, porque no
Brasil não há partidos. Qual é a
cara do partido "x"? Quem tinha, perdeu.
FOLHA - Quem tinha?
BERNARDINHO - O PT. Perdeu
porque as pessoas que lideraram o PT se revelaram totalmente distantes dessa ideologia e desse sonho de nós termos
os verdadeiros trabalhadores
que iriam ser ouvidos e ter a sua
força na sociedade. Eles tinham
o sonho de poder. Isso ficou
bem claro nisso tudo que aconteceu por aí.
FOLHA - Em quem o senhor votou
em 2002?
BERNARDINHO - No Serra.
FOLHA - E agora?
BERNARDINHO - Não sei. Provavelmente no Alckmin.
FOLHA - O senhor vê em Alckmin a
energia que demonstra como técnico de vôlei?
BERNARDINHO - Não sou partidário de "a" ou "b". Acho que
não existe a melhor forma de liderar. Não posso rotular que alguém não seja competente porque não tem a minha forma de
ser enérgico.
FOLHA - Com um presidente Bernardinho seria possível a ocorrência
de fatos como os dos últimos anos
sem o senhor saber?
BERNARDINHO - Não sei. Acredito que não. Se me coubesse a
função de comandar um time
mais amplo que aquele que eu
comando... Qual é a minha capacidade hoje? Escolher e formar equipes.
Eu tentaria colocar ao meu
lado as pessoas mais competentes, éticas e sérias que eu conheço em cada área. Mas não
sei se isso é possível quando se
fala de política.
Acho impensável desperdiçar potenciais, que grandes empresários como o doutor Antônio Ermírio de Moraes e Jorge
Gerdau não estejam envolvidos
em planos de governo. São pessoas que teriam uma única intenção: contribuir para um país
melhor. O doutor Jorge Gerdau
diz: "Nós vamos deixar para os
nossos filhos um país pior do
que o que nós recebemos dos
nossos pais". Essa é a coisa que
mais me incomoda, mais me
frustra, porque o país está pior.
FOLHA - O ator Paulo Betti afirmou
que é impossível fazer política sem
sujar as mãos. O que o senhor pensa? Depois ele se disse mal interpretado.
BERNARDINHO - Não concordo.
Lembro de quando se falava de
um senador da República, de
reputação ilibada. Quando a
gente pára e olha hoje... Há exceções, mas a regra está bastante complicada.
FOLHA - O que é o Brasil hoje?
BERNARDINHO - É um projeto
um pouco sem rumo. É um time mal liderado. Não sei se é
um time. Faço um paralelo do
país com o voleibol: nós até hoje não nos vimos como um verdadeiro time. Cada um quer ser
apenas o melhor jogador, se beneficiar de um prêmio individual, quando o prêmio tem que
ser coletivo.
Aqui [na seleção] não existem mais prêmios individuais.
Quando alguém é premiado como melhor levantador, divide o
prêmio com os outros jogadores: 50% do prêmio permanece
com ele, 50% vai para os outros
11 jogadores, que viabilizaram a
ele aquela atuação.
FOLHA - O senhor afirma que falta
liderança ao país.
BERNARDINHO - Falta um rumo
para a liderança. Falta não sei
se capacidade. Às vezes falta
condição.
FOLHA - Mesmo sem ter votado no
presidente Lula, o senhor imaginava
que ele pudesse ser esse líder?
BERNARDINHO - Tenho admiração pela trajetória dele, de onde
ele veio e aonde conseguiu chegar, uma coisa admirável. Não
esperava mais do conhecimento dele de algumas matérias,
mas esperava mais talvez no
que diz respeito à formação de
equipe. O governo dele se fragilizou muito em função do entorno.
FOLHA - Convocou mal?
BERNARDINHO - Convocou muito mal.
FOLHA - Seu estilo passional por
vezes lembra o do técnico Luiz Felipe
Scolari. Ele é admirador do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. E o
senhor?
BERNARDINHO - Se fosse escolher uma referência, não seria o
Pinochet. Vou muito mais pela
linha de [Winston] Churchill,
que foi um grande motivador e
um líder [britânico] de nação
na Segunda Guerra, com espírito de uma grande família que
não iria se entregar.
FOLHA - O senhor dorme bem?
BERNARDINHO - Tenho insônia.
Às vezes não durmo. Não consigo me desligar do voleibol, dos
projetos, dos times.
FOLHA - Toma remédios para dormir?
BERNARDINHO - Já tomei alguma
coisa, mas evito. Às vezes nem
faz efeito.
FOLHA - O senhor já superou muitos obstáculos no esporte. Não tem
fórmula para vencer a insônia?
BERNARDINHO - Não. A insônia
em muitos momentos foi minha aliada, propiciou a busca e
o encontro de soluções. Fico estudando, vendo vídeos.
A única coisa que me abstrai
durante a competição é a leitura. O último livro que li foi do
Antônio Ermírio de Moraes,
"Educação pelo amor de Deus".
É uma coletânea de artigos dele
na Folha.
FOLHA - Com treinamento, dá para
transformar um perna-de-pau -
"braço-de-pau" no vôlei- em craque?
BERNARDINHO - Em craque, não.
Mas num bom jogador, sim. Eu
sou um exemplo disso: eu era
um cara muito limitado e me
transformei num bom jogador.
Não em um craque, mas num
jogador útil.
Uma equipe não é formada
pelos melhores, mas pelos certos. Não adianta ter três craques que não bloqueiem e não defendam. Posso ter um. Se tiver dois, vai gerar desequilíbrio.
FOLHA - O senhor parece falar da
seleção de futebol que fracassou na
Copa.
BERNARDINHO - De forma alguma. Falo do nosso time. Não é
só de talento que se vive. Tem
que apresentar resultados.
FOLHA - O Brasil tem condições de
sediar a Olimpíada? O Rio se candidatou novamente, para receber a de
2016.
BERNARDINHO - Vamos ver no
ano que vem. Os Jogos Pan-Americanos no Rio serão o
grande vestibular.
FOLHA - Os países democráticos limitam a quantidade de reeleições
dos governantes. Não faz mal ao esporte a falta de renovação no Comitê Olímpico Brasileiro, do qual Carlos Arthur Nuzman é presidente desde 1995?
BERNARDINHO - Acho que não.
Há pessoas que são competentes e se tornam ainda mais
competentes.
FOLHA - Qual é o melhor jogador
brasileiro de futebol?
BERNARDINHO - Kaká e Ronaldinho Gaúcho.
FOLHA - Um ou outro.
BERNARDINHO - Hoje? Kaká.
Além do talento, que não é igual
ao do Ronaldinho, ele sintetiza
a questão do líder, do exemplo.
Não que o Ronaldinho dê mau
exemplo, mas seu brilho é um
pouco mais individual. De longe é difícil falar, mas a impressão é que o Kaká tem um pouco
mais de capacidade de liderança, o que para formar equipes é
muito importante.
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