São Paulo, segunda-feira, 11 de setembro de 2006

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Entrevista da 2ª/Bernardo Rocha de Rezende

"O Brasil é um time mal liderado", diz Bernardinho

Hexacampeão da Liga Mundial de vôlei, técnico da seleção masculina diz que Lula "convocou mal" sua equipe

O TÉCNICO da seleção masculina de vôlei, Bernardo Rezende, o Bernardinho, 47, está "incomodado" -como diz. Afirma lamentar as luzes concentradas nele após a sexta conquista do Brasil na Liga Mundial. Seu talento maior é formar equipes. O triunfo foi coletivo, sublinha, e não pessoal. Ex-levantador reserva da seleção, transformou-se em técnico e em sinônimo de vitória. Ele treina também um time feminino, o Rexona-Ades. Em entrevista à Folha, criticou o "técnico" Lula e falou sobre as mazelas brasileiras.

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

"É um projeto um pouco sem rumo. É um time mal liderado. Não sei se é um time", afirma. "Falta um rumo para a liderança. Falta não sei se capacidade. Às vezes falta condição. Tenho admiração pela trajetória dele [Lula], de onde ele veio e aonde conseguiu chegar, uma coisa admirável. Não esperava mais do conhecimento dele de algumas matérias, mas esperava mais talvez no que diz respeito à formação de equipe. O governo dele se fragilizou muito em função do entorno", afirmou sobre o presidente. O treinador aponta a educação como a maior deficiência do país. Ele dirige o Instituto Compartilhar, uma organização sem fins lucrativos que mantém programas de ensino associados ao esporte.  

FOLHA - Por que o vôlei brasileiro é tão vencedor, e o Brasil, em tantos aspectos, é perdedor?
BERNARDINHO
- Uma das coisas que me incomodam demais é ver um país com tanto talento e potencial desperdiçando tudo isso, com os índices de desenvolvimento humano e educação se deteriorando. Nos anos 1970, com a modernização do voleibol, houve um investimento correto, na formação. Faço um paralelo entre as categorias de base e a educação do jovem. Nossos atletas desde jovens receberam investimento de trabalho e treinamento. Houve planejamento, investimento nos profissionais que coordenam. Isso foi a gênese da era de conquistas. O problema principal do nosso país é a educação.

FOLHA - O que o senhor faria se fosse presidente da República?
BERNARDINHO
- Traria pessoas com experiência e conhecimento para atuar nas diversas áreas. Tem que acabar com as vinculações políticas. Isso leva à ineficiência. Não há meritocracia. Há troca de favores e acordos.

FOLHA - Onde?
BERNARDINHO
- No geral. Você não leva a pessoa mais competente. A questão da educação é a primeira a ser atacada. Em todas as áreas houve deterioração da capacitação. Os professores são menos capazes. O processo de formação dessas pessoas é mais fraco hoje. A educação tem menos qualidade. Não adianta dizer que nós temos 99,9% das crianças na escola. Em que tipo de escola? Com que qualidade?

FOLHA - Como técnico de vôlei, o senhor vive a fazer diagnósticos -de adversários e dos seus atletas. Que diagnósticos faz e que critérios usa ao votar?
BERNARDINHO
- Vejo a pessoa. Não olho partidos, porque no Brasil não há partidos. Qual é a cara do partido "x"? Quem tinha, perdeu.

FOLHA - Quem tinha?
BERNARDINHO
- O PT. Perdeu porque as pessoas que lideraram o PT se revelaram totalmente distantes dessa ideologia e desse sonho de nós termos os verdadeiros trabalhadores que iriam ser ouvidos e ter a sua força na sociedade. Eles tinham o sonho de poder. Isso ficou bem claro nisso tudo que aconteceu por aí.

FOLHA - Em quem o senhor votou em 2002?
BERNARDINHO
- No Serra.

FOLHA - E agora?
BERNARDINHO
- Não sei. Provavelmente no Alckmin.

FOLHA - O senhor vê em Alckmin a energia que demonstra como técnico de vôlei?
BERNARDINHO
- Não sou partidário de "a" ou "b". Acho que não existe a melhor forma de liderar. Não posso rotular que alguém não seja competente porque não tem a minha forma de ser enérgico.

FOLHA - Com um presidente Bernardinho seria possível a ocorrência de fatos como os dos últimos anos sem o senhor saber?
BERNARDINHO
- Não sei. Acredito que não. Se me coubesse a função de comandar um time mais amplo que aquele que eu comando... Qual é a minha capacidade hoje? Escolher e formar equipes. Eu tentaria colocar ao meu lado as pessoas mais competentes, éticas e sérias que eu conheço em cada área. Mas não sei se isso é possível quando se fala de política. Acho impensável desperdiçar potenciais, que grandes empresários como o doutor Antônio Ermírio de Moraes e Jorge Gerdau não estejam envolvidos em planos de governo. São pessoas que teriam uma única intenção: contribuir para um país melhor. O doutor Jorge Gerdau diz: "Nós vamos deixar para os nossos filhos um país pior do que o que nós recebemos dos nossos pais". Essa é a coisa que mais me incomoda, mais me frustra, porque o país está pior.

FOLHA - O ator Paulo Betti afirmou que é impossível fazer política sem sujar as mãos. O que o senhor pensa? Depois ele se disse mal interpretado.
BERNARDINHO
- Não concordo. Lembro de quando se falava de um senador da República, de reputação ilibada. Quando a gente pára e olha hoje... Há exceções, mas a regra está bastante complicada.

FOLHA - O que é o Brasil hoje?
BERNARDINHO
- É um projeto um pouco sem rumo. É um time mal liderado. Não sei se é um time. Faço um paralelo do país com o voleibol: nós até hoje não nos vimos como um verdadeiro time. Cada um quer ser apenas o melhor jogador, se beneficiar de um prêmio individual, quando o prêmio tem que ser coletivo. Aqui [na seleção] não existem mais prêmios individuais. Quando alguém é premiado como melhor levantador, divide o prêmio com os outros jogadores: 50% do prêmio permanece com ele, 50% vai para os outros 11 jogadores, que viabilizaram a ele aquela atuação.

FOLHA - O senhor afirma que falta liderança ao país.
BERNARDINHO
- Falta um rumo para a liderança. Falta não sei se capacidade. Às vezes falta condição.

FOLHA - Mesmo sem ter votado no presidente Lula, o senhor imaginava que ele pudesse ser esse líder?
BERNARDINHO
- Tenho admiração pela trajetória dele, de onde ele veio e aonde conseguiu chegar, uma coisa admirável. Não esperava mais do conhecimento dele de algumas matérias, mas esperava mais talvez no que diz respeito à formação de equipe. O governo dele se fragilizou muito em função do entorno.

FOLHA - Convocou mal?
BERNARDINHO
- Convocou muito mal.

FOLHA - Seu estilo passional por vezes lembra o do técnico Luiz Felipe Scolari. Ele é admirador do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. E o senhor?
BERNARDINHO
- Se fosse escolher uma referência, não seria o Pinochet. Vou muito mais pela linha de [Winston] Churchill, que foi um grande motivador e um líder [britânico] de nação na Segunda Guerra, com espírito de uma grande família que não iria se entregar.

FOLHA - O senhor dorme bem?
BERNARDINHO
- Tenho insônia. Às vezes não durmo. Não consigo me desligar do voleibol, dos projetos, dos times.

FOLHA - Toma remédios para dormir?
BERNARDINHO
- Já tomei alguma coisa, mas evito. Às vezes nem faz efeito.

FOLHA - O senhor já superou muitos obstáculos no esporte. Não tem fórmula para vencer a insônia?
BERNARDINHO
- Não. A insônia em muitos momentos foi minha aliada, propiciou a busca e o encontro de soluções. Fico estudando, vendo vídeos. A única coisa que me abstrai durante a competição é a leitura. O último livro que li foi do Antônio Ermírio de Moraes, "Educação pelo amor de Deus". É uma coletânea de artigos dele na Folha.

FOLHA - Com treinamento, dá para transformar um perna-de-pau - "braço-de-pau" no vôlei- em craque?
BERNARDINHO
- Em craque, não. Mas num bom jogador, sim. Eu sou um exemplo disso: eu era um cara muito limitado e me transformei num bom jogador. Não em um craque, mas num jogador útil. Uma equipe não é formada pelos melhores, mas pelos certos. Não adianta ter três craques que não bloqueiem e não defendam. Posso ter um. Se tiver dois, vai gerar desequilíbrio.

FOLHA - O senhor parece falar da seleção de futebol que fracassou na Copa.
BERNARDINHO
- De forma alguma. Falo do nosso time. Não é só de talento que se vive. Tem que apresentar resultados.

FOLHA - O Brasil tem condições de sediar a Olimpíada? O Rio se candidatou novamente, para receber a de 2016.
BERNARDINHO
- Vamos ver no ano que vem. Os Jogos Pan-Americanos no Rio serão o grande vestibular.

FOLHA - Os países democráticos limitam a quantidade de reeleições dos governantes. Não faz mal ao esporte a falta de renovação no Comitê Olímpico Brasileiro, do qual Carlos Arthur Nuzman é presidente desde 1995?
BERNARDINHO
- Acho que não. Há pessoas que são competentes e se tornam ainda mais competentes.

FOLHA - Qual é o melhor jogador brasileiro de futebol?
BERNARDINHO
- Kaká e Ronaldinho Gaúcho.

FOLHA - Um ou outro.
BERNARDINHO
- Hoje? Kaká. Além do talento, que não é igual ao do Ronaldinho, ele sintetiza a questão do líder, do exemplo. Não que o Ronaldinho dê mau exemplo, mas seu brilho é um pouco mais individual. De longe é difícil falar, mas a impressão é que o Kaká tem um pouco mais de capacidade de liderança, o que para formar equipes é muito importante.


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