São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2000

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ELIO GASPARI

Quem produz a pobreza é a anta

Talvez Pindorama melhorasse bastante se o presidente do Brasil passasse seis meses na Europa, outros seis nos Estados Unidos e o Carnaval no Rio de Janeiro. Dá gosto ver a figura de FFHH ao lado da rainha Beatrix da Holanda, que herdou da mãe o título de uma das dez mulheres mais malvestidas do mundo. Dá gosto também ouvi-lo dizer que o número de pobres aumentou por causa da "crise do ano passado": "Como houve a crise, houve redução do PIB e, por consequência, a distribuição "per capita" também diminuiu".
Dois e dois são sete, noves fora oito, sobram cinco.
O que FFHH disse não faz o menor sentido. Quando ele fala em "crise do ano passado", sugere que 1999 teve uma carga esotérica. Ela tem nome: foi o embuste do populismo cambial, com o dólar a R$ 1,20, destinado a assegurar sua reeleição. Quem diz isso não é só a oposição. Em janeiro, ao fim de um jantar com banqueiros, em Boston, o presidente do Banco Central viu-se diante de uma pergunta ingênua: com o real desvalorizado, haveria reeleição? "Você está certo, tenho que concordar, as chances seriam pequenas."
Fica pior a coisa quando se passa para o conceito seguinte: "Houve redução do PIB e, por consequência, a distribuição "per capita" também diminuiu". De fato, a renda "per capita" do brasileiro caiu em dois anos sucessivos, mas isso não significa que as capitas miseráveis deveriam ficar com o pior pedaço da conta. O blablablá do governo desprezou a criação de colchões capazes de proteger a parte mais vulnerável da sociedade. (Para o andar de cima criou o Proer.) Em vez de criar colchões, criou camas da faquir. Estimulou o trabalho informal, tungou os aposentados e foi incapaz de tomar medidas compensatórias para reduzir os efeitos do desemprego.
A desgraça já está feita. Se a economia crescer 4% neste ano, a renda "per capita" dos brasileiros terá aumentado algo como 1,18% em seis anos.
Restam ao tucanato pouco mais de dois anos de governo. Pouco adianta chorar o leite derramado. Mais relevante é cuidar do leite que se quer derramar. O que azedou a conta social de FFHH foi a sua timidez na hora de enfrentar a estrutura que nega a 35% da população as condições básicas de bem-estar. É uma ordenação de interesses que se assemelha à anta. Parece burra, é feia, mas vai sempre bem, obrigado.
No mesmo dia em que FFHH lastimava o aumento do número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, a anta produziu alguns ruídos. Ao seu exame:
- A Advocacia Geral da União quer reduzir à metade a multa de R$ 1,3 bilhão que a Receita Federal vem cobrando à Embratel. Quando se tentou varrer esse dinheiro para baixo do tapete, chegou-se a falar em "solução discreta". É por aí.
- Está claro que o Instituto de Resseguros do Brasil não vai receber os débitos de R$ 1,65 bilhão dos estaleiros. Até aí tudo bem. A novidade está no fato de o calote vir junto com a montagem de uma coligação interpartidária destinada a ressuscitar a prática dos empréstimos de dinheiro público para o desenvolvimento de um pólo de construção naval. Quem pode ser contra um pólo gerador de empregos? Qualquer brasileiro com mais de 50 anos deve se lembrar de que esse será o terceiro pólo que patrocina. O primeiro, financiou-o no governo JK, produziu líderes empresariais de empresas falidas. O segundo, no governo Geisel, produziu banqueiros prósperos.
- Finalmente, como se fosse piada, reaparece o velho e bom programa nuclear. Chama-se Angra 3. Pior: a idéia é buscar financiamento (e máquinas) na Alemanha. O Acordo Nuclear de 1975 foi um dos maiores contos do vigário da história do Terceiro Mundo. O Brasil comprometeu um dinheiro que não tinha para comprar aos alemães uma tecnologia que não existia. Angra 2 deveria ter ficado pronta em 1982, por US$ 2 bilhões. Passaram-se 18 anos e custou quatro vezes mais.
Cada um desses tópicos tem defensores sinceros. Isso não elimina o fato de que, juntando-se o desconto da Embratel, o beiço dos estaleiros ao IRB e o sobrepreço de Angra 2, chega-se a algo como R$ 20 bilhões. Basta a metade desse dinheiro para ressarcir os tungados do FGTS que tem até R$ 500 para receber.
Não é a queda do PIB que manda à lona as capitas dos miseráveis. É o dinheiroduto da anta, aquele que leva o dinheiro para as capitais mais espertas.



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