|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
Quem produz a pobreza é a anta
Talvez Pindorama melhorasse bastante se o presidente do
Brasil passasse seis meses na Europa, outros seis nos Estados Unidos
e o Carnaval no Rio de Janeiro. Dá
gosto ver a figura de FFHH ao lado da rainha Beatrix da Holanda,
que herdou da mãe o título de
uma das dez mulheres mais malvestidas do mundo. Dá gosto também ouvi-lo dizer que o número
de pobres aumentou por causa da
"crise do ano passado": "Como
houve a crise, houve redução do
PIB e, por consequência, a distribuição "per capita" também diminuiu".
Dois e dois são sete, noves fora
oito, sobram cinco.
O que FFHH disse não faz o menor sentido. Quando ele fala em
"crise do ano passado", sugere que
1999 teve uma carga esotérica. Ela
tem nome: foi o embuste do populismo cambial, com o dólar a R$
1,20, destinado a assegurar sua
reeleição. Quem diz isso não é só a
oposição. Em janeiro, ao fim de
um jantar com banqueiros, em
Boston, o presidente do Banco
Central viu-se diante de uma pergunta ingênua: com o real desvalorizado, haveria reeleição? "Você
está certo, tenho que concordar, as
chances seriam pequenas."
Fica pior a coisa quando se passa para o conceito seguinte: "Houve redução do PIB e, por consequência, a distribuição "per capita" também diminuiu". De fato, a
renda "per capita" do brasileiro
caiu em dois anos sucessivos, mas
isso não significa que as capitas
miseráveis deveriam ficar com o
pior pedaço da conta. O blablablá
do governo desprezou a criação de
colchões capazes de proteger a
parte mais vulnerável da sociedade. (Para o andar de cima criou o
Proer.) Em vez de criar colchões,
criou camas da faquir. Estimulou
o trabalho informal, tungou os
aposentados e foi incapaz de tomar medidas compensatórias para reduzir os efeitos do desemprego.
A desgraça já está feita. Se a economia crescer 4% neste ano, a
renda "per capita" dos brasileiros
terá aumentado algo como 1,18%
em seis anos.
Restam ao tucanato pouco mais
de dois anos de governo. Pouco
adianta chorar o leite derramado.
Mais relevante é cuidar do leite
que se quer derramar. O que azedou a conta social de FFHH foi a
sua timidez na hora de enfrentar a
estrutura que nega a 35% da população as condições básicas de
bem-estar. É uma ordenação de
interesses que se assemelha à anta.
Parece burra, é feia, mas vai sempre bem, obrigado.
No mesmo dia em que FFHH
lastimava o aumento do número
de brasileiros vivendo abaixo da
linha da pobreza, a anta produziu
alguns ruídos. Ao seu exame:
- A Advocacia Geral da União
quer reduzir à metade a multa de
R$ 1,3 bilhão que a Receita Federal vem cobrando à Embratel.
Quando se tentou varrer esse dinheiro para baixo do tapete, chegou-se a falar em "solução discreta". É por aí.
- Está claro que o Instituto de
Resseguros do Brasil não vai receber os débitos de R$ 1,65 bilhão
dos estaleiros. Até aí tudo bem. A
novidade está no fato de o calote
vir junto com a montagem de
uma coligação interpartidária
destinada a ressuscitar a prática
dos empréstimos de dinheiro público para o desenvolvimento de
um pólo de construção naval.
Quem pode ser contra um pólo gerador de empregos? Qualquer brasileiro com mais de 50 anos deve se
lembrar de que esse será o terceiro
pólo que patrocina. O primeiro, financiou-o no governo JK, produziu líderes empresariais de empresas falidas. O segundo, no governo
Geisel, produziu banqueiros prósperos.
- Finalmente, como se fosse piada, reaparece o velho e bom programa nuclear. Chama-se Angra
3. Pior: a idéia é buscar financiamento (e máquinas) na Alemanha. O Acordo Nuclear de 1975 foi
um dos maiores contos do vigário
da história do Terceiro Mundo. O
Brasil comprometeu um dinheiro
que não tinha para comprar aos
alemães uma tecnologia que não
existia. Angra 2 deveria ter ficado
pronta em 1982, por US$ 2 bilhões.
Passaram-se 18 anos e custou quatro vezes mais.
Cada um desses tópicos tem defensores sinceros. Isso não elimina
o fato de que, juntando-se o desconto da Embratel, o beiço dos estaleiros ao IRB e o sobrepreço de
Angra 2, chega-se a algo como R$
20 bilhões. Basta a metade desse
dinheiro para ressarcir os tungados do FGTS que tem até R$ 500
para receber.
Não é a queda do PIB que manda à lona as capitas dos miseráveis. É o dinheiroduto da anta,
aquele que leva o dinheiro para as
capitais mais espertas.
Texto Anterior: Rumo a 2002: Lula diz que vai articular aliança com PPS e PMDB Próximo Texto: DF: Cristovam ataca governo por morte Índice
|