São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2006

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Marcos Nobre

Além do telecatch

NENHUM DOS candidatos estava preparado. Alckmin é novato na cena nacional. E Lula se mostrou inteiramente fora de forma para debater com quem quer que seja. Surpreendeu-se com a "agressividade" de Alckmin, que se preparou para uma luta do tipo Mike Tyson em plena forma: nocaute no primeiro assalto.
O resultado foi um telecatch mal ensaiado. Mas o desencontro que foi o debate se explica pelos diferentes objetivos dos candidatos. Lula foi porque tinha de ir. E Alckmin porque queria mostrar para seu partido e para seu eleitorado que tem condições de subir para a categoria dos pesos pesados da política nacional.
Alckmin falou para o eleitorado que já é seu. Falou de "PEC 29", de "cartão corporativo da Presidência" e de "roubo de aplausos" dirigidos a Kofi Annan. Não tirou um único voto de Lula com essas referências desconhecidas da maioria dos eleitores. Mas, em caso de derrota, colocou-se em posição de brigar pela presidência do PSDB e, portanto, pela liderança da oposição.
Quando Lula assimilou os golpes dos dois primeiros blocos e começou a bater, Alckmin parecia reduzido a um candidato ao governo paulista. Esse foi o momento de Lula: tratando-o muitas vezes por "governador", conseguiu de fato pôr Alckmin nessa posição por dois blocos seguidos. O máximo que Alckmin conseguiu inventar para tentar sair das cordas foi a idéia medíocre de vender o avião presidencial. Alckmin deixou contente seu eleitorado mais rico.
Principalmente ao mobilizar o ponto mais sensível do preconceito de classe: a leitura. Escarneceu de Lula por ler as perguntas, afirmou que foram escritas por assessores. Lula acusou o golpe. O mesmo Lula que encarou com desdém esse tipo de ataque desde 1982 parecia pela primeira vez intimidado pelo diploma do adversário.
É isso o que dá fugir de debates e da imprensa. Lula fez de tudo para evitar entrevistas e discussões públicas durante todo o mandato. O resultado é que agora já não sabe mais debater. Só sabe repetir "nunca antes na história" e louvar seu próprio governo.
Mas pelo menos uma coisa nova apareceu. Mesmo que, até o momento, seja apenas uma estratégia voltada para o público interno, uma tentativa de mobilizar militantes e simpatizantes desgarrados, Lula falou de política. Contrapôs um "privatizar, privatizar, privatizar" do PSDB a um "social, social, social" do seu governo.
Como Alckmin não tem estatura política para estar na posição em que está, Lula foi obrigado a inventar um lugar para colocá-lo e, então, tentar estabelecer o confronto. Ainda que de maneira canhestra e mais que tardia, Lula está tentando forçar uma polarização política. Só que, para isso, não basta reaprender a debater. Falta ainda combinar com o adversário. E, principalmente, com o eleitorado.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

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