São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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"MENSALÃO"/ LIGAÇÕES PERIGOSAS

Organizadora de evento em Uberlândia, em 2004, nega que pagamento de passagens aéreas pela Interbrazil fosse convertido em benesses na Justiça

Seguradora sob suspeita patrocinou encontro de juízes

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Já à beira da bancarrota e em meio a batalhas judiciais -parte delas contra o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil)- a Interbrazil Seguradora foi patrocinadora de um encontro organizado pela Associação de Juízes Federais em 2004. A empresa, que desde 2002 era alvo de denúncias na Susep (Superintendência de Seguros Privados), ofereceu o jantar de encerramento a cerca de 150 pessoas e pagou as passagens de pelo menos 23 dos cem juízes que estiveram em Uberlândia (MG) entre 25 e 27 de agosto de 2004.
Não é a primeira vez que a Interbrazil é suspeita de irregularidades. Em setembro, foi revelado que a empresa cobriu despesas de campanha para o PT de Goiânia. Segundo cópias de e-mails em poder da CPI dos Correios, a empresa apoiou a campanha a pedido de Adhemar Palocci, irmão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A empresa nega.
A Folha identificou 23 juízes numa lista da empresa -hoje sob intervenção da Susep-, mas o número pode ser maior. Segundo o presidente da Ajufe, juiz Jorge Maurique, a seguradora garantiu a viagem de cerca de 30 deles. Os cem contemplados foram sorteados entre aqueles que se inscreveram para o 2º Encontro Nacional de Juízes do Interior.
"Essa seguradora, que até então era uma empresa idônea, tanto que tinha vários contratos com o poder público, ofereceu apoio para o evento, através de um conhecimento pessoal", diz Maurique.

Negociação
Amigo de um dos sócios da seguradora e de um juiz federal da diretoria da Ajufe, o advogado Clemente Salomão de Oliveira Filho, então contratado pela Interbrazil, serviu de ponte na negociação. Em troca do apoio financeiro, Clemente e o diretor Rondon Borges tiveram direito a uma palestra de 20 minutos.
Clemente falou sobre a legislação do mercado de seguros. Rondon, sobre a empresa, "tecendo referências aos clientes que tinham dentro do governo", diz Clemente. Dois ministros do Superior Tribunal de Justiça estavam entre os palestrantes.
À época, a Interbrazil já era alvo de ações na Justiça, inclusive a Federal. Em São Paulo, foi processada em 2003 pela Caixa Econômica Federal. Em 2004, pela Infraero. No fim de 2003, travava guerra contra o IRB no Rio. Na 24ª Vara Federal de São Paulo, em julho de 2004, a briga foi contra o Banco Central.
Em Goiás, a Interbrazil recebeu da Celg (Companhia Energética de Goiás) prêmio de R$ 2,8 milhões na venda de uma apólice sem que tivesse cobertura de resseguro no exterior. Com a descoberta da irregularidade, a Celg suspendeu o pagamento dos cerca de R$ 7 milhões restantes. A Interbrazil tentou reaver o dinheiro.
No Rio, a empresa é alvo de ação da Loterj. Assim como no Rio Grande do Sul, foi ela a contratada pelo empresário do jogo Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para garantir o contrato que lhe garantiu o monopólio do jogo no Rio. Caso fracassasse, teria que pagar até R$ 3.365.999 ao Estado. Em 19 de agosto de 2004, a Loterj tentou aplicar à seguradora uma multa de R$ 380 mil pela rescisão do contrato. Não recebeu nada.
Também em agosto, o IRB alertou o consórcio Triângulo do Sol para o risco de a seguradora estar oferecendo garantia a contratos sem a cobertura de resseguro no exterior. Foi nesse cenário, como se a empresa buscasse comprar seu próprio seguro, que a Interbrazil patrocinou o encontro.
"A gente não teve condições de verificar se existem ações da Justiça em todo o país. Não havia nada envolvendo essa empresa que fosse público", disse Maurique. Segundo ele, foi feita uma pesquisa antes de aceitar o patrocínio.
Maurique e Clemente divergem sobre a iniciativa. Maurique diz ter sido procurado pela empresa. Clemente conta que soube pela internet do encontro e que, como é amigo de um dos organizadores, propôs o patrocínio. Segundo ele, foi uma tentativa de "aproximação generalizada [com juízes e empresários do evento]".
Frisando que a seguradora não era objeto de escândalo até então, Maurique diz que é absurdo imaginar que o patrocínio fosse convertido em benesse na Justiça. Ele cita como exemplo a Caixa, patrocinadora da revista da Ajufe apesar das muitas ações na Justiça. Os juízes, segundo a associação, não sabiam quem pagou as passagens. "A responsabilidade é da Ajufe."
Como prova de que a Ajufe recebe apoio de empresas privadas, Maurique cita um curso promovido a jornalistas em convênio com a Folha. A empresa pagou passagem e hospedagem aos juízes que deram aula a jornalistas.
Em recente entrevista à Folha, o superintendente da Susep, Renê Garcia, explicou que as primeiras denúncias contra a Interbrazil surgiram em 2002, quando começou a operar no mercado. Na época, ela era acusada de não honrar o seguro. Em 2003, começaram a surgir as denúncias graves, de venda de apólice sem resseguro no exterior. De 2003 a 2004, a empresa fez negócios em setores estratégicos, como Angra e Companhia Energética do Paraná.
Alvo de 60 processos na Susep, a Interbrazil sofreu intervenção em agosto, deixando um buraco de R$ 20 milhões. Entre as vítimas, estão Furnas e o Estado de Minas.


Colaborou MARCELO SALINAS, da Redação

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