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"MENSALÃO"/ LIGAÇÕES PERIGOSAS
Organizadora de evento em Uberlândia, em 2004, nega que pagamento
de passagens aéreas pela Interbrazil fosse convertido em benesses na Justiça
Seguradora sob suspeita patrocinou encontro de juízes
CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Já à beira da bancarrota e em
meio a batalhas judiciais -parte
delas contra o IRB (Instituto de
Resseguros do Brasil)- a Interbrazil Seguradora foi patrocinadora de um encontro organizado
pela Associação de Juízes Federais
em 2004. A empresa, que desde
2002 era alvo de denúncias na Susep (Superintendência de Seguros
Privados), ofereceu o jantar de
encerramento a cerca de 150 pessoas e pagou as passagens de pelo
menos 23 dos cem juízes que estiveram em Uberlândia (MG) entre
25 e 27 de agosto de 2004.
Não é a primeira vez que a Interbrazil é suspeita de irregularidades. Em setembro, foi revelado
que a empresa cobriu despesas de
campanha para o PT de Goiânia.
Segundo cópias de e-mails em poder da CPI dos Correios, a empresa apoiou a campanha a pedido
de Adhemar Palocci, irmão do
ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A empresa nega.
A Folha identificou 23 juízes
numa lista da empresa -hoje sob
intervenção da Susep-, mas o
número pode ser maior. Segundo
o presidente da Ajufe, juiz Jorge
Maurique, a seguradora garantiu
a viagem de cerca de 30 deles. Os
cem contemplados foram sorteados entre aqueles que se inscreveram para o 2º Encontro Nacional
de Juízes do Interior.
"Essa seguradora, que até então
era uma empresa idônea, tanto
que tinha vários contratos com o
poder público, ofereceu apoio para o evento, através de um conhecimento pessoal", diz Maurique.
Negociação
Amigo de um dos sócios da seguradora e de um juiz federal da
diretoria da Ajufe, o advogado
Clemente Salomão de Oliveira Filho, então contratado pela Interbrazil, serviu de ponte na negociação. Em troca do apoio financeiro, Clemente e o diretor Rondon
Borges tiveram direito a uma palestra de 20 minutos.
Clemente falou sobre a legislação do mercado de seguros. Rondon, sobre a empresa, "tecendo
referências aos clientes que tinham dentro do governo", diz
Clemente. Dois ministros do Superior Tribunal de Justiça estavam entre os palestrantes.
À época, a Interbrazil já era alvo
de ações na Justiça, inclusive a Federal. Em São Paulo, foi processada em 2003 pela Caixa Econômica
Federal. Em 2004, pela Infraero.
No fim de 2003, travava guerra
contra o IRB no Rio. Na 24ª Vara
Federal de São Paulo, em julho de
2004, a briga foi contra o Banco
Central.
Em Goiás, a Interbrazil recebeu
da Celg (Companhia Energética
de Goiás) prêmio de R$ 2,8 milhões na venda de uma apólice
sem que tivesse cobertura de resseguro no exterior. Com a descoberta da irregularidade, a Celg
suspendeu o pagamento dos cerca de R$ 7 milhões restantes. A Interbrazil tentou reaver o dinheiro.
No Rio, a empresa é alvo de ação
da Loterj. Assim como no Rio
Grande do Sul, foi ela a contratada
pelo empresário do jogo Carlos
Ramos, o Carlinhos Cachoeira,
para garantir o contrato que lhe
garantiu o monopólio do jogo no
Rio. Caso fracassasse, teria que
pagar até R$ 3.365.999 ao Estado.
Em 19 de agosto de 2004, a Loterj
tentou aplicar à seguradora uma
multa de R$ 380 mil pela rescisão
do contrato. Não recebeu nada.
Também em agosto, o IRB alertou o consórcio Triângulo do Sol
para o risco de a seguradora estar
oferecendo garantia a contratos
sem a cobertura de resseguro no
exterior. Foi nesse cenário, como
se a empresa buscasse comprar
seu próprio seguro, que a Interbrazil patrocinou o encontro.
"A gente não teve condições de
verificar se existem ações da Justiça em todo o país. Não havia nada
envolvendo essa empresa que fosse público", disse Maurique. Segundo ele, foi feita uma pesquisa
antes de aceitar o patrocínio.
Maurique e Clemente divergem
sobre a iniciativa. Maurique diz
ter sido procurado pela empresa.
Clemente conta que soube pela
internet do encontro e que, como
é amigo de um dos organizadores,
propôs o patrocínio. Segundo ele,
foi uma tentativa de "aproximação generalizada [com juízes e
empresários do evento]".
Frisando que a seguradora não
era objeto de escândalo até então,
Maurique diz que é absurdo imaginar que o patrocínio fosse convertido em benesse na Justiça. Ele
cita como exemplo a Caixa, patrocinadora da revista da Ajufe apesar das muitas ações na Justiça. Os
juízes, segundo a associação, não
sabiam quem pagou as passagens.
"A responsabilidade é da Ajufe."
Como prova de que a Ajufe recebe apoio de empresas privadas,
Maurique cita um curso promovido a jornalistas em convênio
com a Folha. A empresa pagou
passagem e hospedagem aos juízes que deram aula a jornalistas.
Em recente entrevista à Folha, o
superintendente da Susep, Renê
Garcia, explicou que as primeiras
denúncias contra a Interbrazil
surgiram em 2002, quando começou a operar no mercado. Na época, ela era acusada de não honrar
o seguro. Em 2003, começaram a
surgir as denúncias graves, de
venda de apólice sem resseguro
no exterior. De 2003 a 2004, a empresa fez negócios em setores estratégicos, como Angra e Companhia Energética do Paraná.
Alvo de 60 processos na Susep, a
Interbrazil sofreu intervenção em
agosto, deixando um buraco de
R$ 20 milhões. Entre as vítimas,
estão Furnas e o Estado de Minas.
Colaborou MARCELO SALINAS, da
Redação
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