São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

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CÚPULA DAS AMÉRICAS

Presidente também deve defender Chávez e Kirchner

Lula dirá a Bush que fichar brasileiros é "inadequado"

Sérgio Lima/Folha Imagem
Funcionário limpa os vidros da Arena Monterrey para a chegada dos chefes de Estado que participarão da Cúpula das Américas


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTERREY

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva dirá a seu colega norte-americano, George Walker Bush, que entende perfeitamente as sensibilidades norte-americanas em relação ao terrorismo, por ter sido vítima dele, mas que considera que tais sensibilidades estão sendo inadequadamente aplicadas em relação aos cidadãos brasileiros que viajam aos Estados Unidos.
Como decorrência, Lula pedirá a Bush que retire os brasileiros da lista de estrangeiros que têm que ser fotografados e fichados ao desembarcar nos Estados Unidos. É claro que, nessa hipótese, o governo brasileiro aplicará a reciprocidade e eliminará a exigência para cidadãos norte-americanos.
A conversa entre os dois mandatários será na noite de hoje em Monterrey, mas já na madrugada de terça-feira em Brasília (20h20 e 0h20, respectivamente).
Os temas que poderão aparecer no diálogo foram repassados no sábado em reunião do presidente com o chanceler Celso Amorim e o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. A polêmica em torno das exigências norte-americanas e da contrapartida brasileira será levantada pelo lado brasileiro.
Mas não significa que o encontro será tempestuoso. Ao contrário, o diálogo entre os dois presidentes tem sido sempre ameno e chegou a ser qualificado de "excelente" por Lula, ao se referir especificamente ao telefonema dado por Bush logo que o brasileiro retornou da viagem ao Oriente Médio, no mês passado.
O que, sim, pode azedar a conversa serão eventuais menções pelo lado norte-americano a dois presidentes sul-americanos, o venezuelano Hugo Chávez e o argentino Néstor Kirchner, que têm sido criticados por altos e médios funcionários dos EUA. Chávez é acusado de ter passado a conspirar com o cubano Fidel Castro para criar anti-norte-americanismo e Kirchner é atacado por uma suposta "esquerdização", que seria também demonstrada pela reaproximação com Cuba.
Sobre a Venezuela, "não há elemento novo que nos deixe inquietos", diz Marco Aurélio Garcia, o que contradiz frontalmente a avaliação norte-americana. O governo brasileiro está tão sossegado em relação à Venezuela que não acha necessário nem sequer convocar o Grupo de Amigos, de que Brasil e EUA fazem parte e que ajuda na mediação entre Chávez e a oposição, liderada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, César Gaviria.
O pressuposto é o de que o Grupo de Amigos entraria em ação rapidamente se Chávez estivesse de fato adotando comportamento antidemocrático.
Antes de conversar com Bush, aliás, Lula terá um almoço com Chávez, acertado em telefonema no fim do ano passado.

"Aliado fundamental"
Sobre Kirchner, Lula dirá, se o tema surgir, que a Argentina é um "aliado fundamental" do Brasil e assim continuará sendo. Lembrará, se for o caso, que, se há o que criticar no fato de o chanceler argentino Rafael Bielsa ter visitado Cuba e de o próprio Kirchner se preparar para fazê-lo, a crítica serviria também para o seu governo, já que o presidente brasileiro esteve no país antes até de Bielsa.
De todo modo, o tempo para confrontos ou abraços é curto: entre o início da reunião com Bush e o jantar oficial da Cúpula Extraordinária das Américas, o intervalo é de apenas 40 minutos.
Tanto Bush como Lula estão em Monterrey exatamente para a Cúpula, a que só não comparecerão, dos 34 governantes das Américas, os mandatários da Guatemala e da Guiana. Sem contar o cubano Fidel Castro, que nem sequer é convidado, porque Cuba não é uma democracia, condição exigida para fazer parte do processo das cúpulas (e da OEA).
Os dois terão outros encontros bilaterais: ambos serão recebidos, separadamente, pelo anfitrião Vicente Fox, mas só Bush conversará com Kirchner. Lula se reúne com o peruano Alejandro Toledo (hoje) e com o colombiano Álvaro Uribe (amanhã).
O presidente brasileiro também fará um discurso, de menos de dez minutos, numa das sessões plenárias da Cúpula, em que a ênfase estará na questão social. O governo Lula, aliás, só concordou com a realização de uma cúpula extraordinária com a condição de que os temas sociais e de desenvolvimento econômico fossem absolutamente predominantes.
Em tese, será assim: o documento final trata abundantemente desses assuntos, mas de forma retórica, habitual em reuniões desse tipo.
Mas haverá outra fala de Lula, ainda mais curta, esta sobre o tema que os Estados Unidos gostariam de ver dominar a cúpula, o terrorismo.



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