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JANIO DE FREITAS
O apêndice
À primeira vista, apenas
uma divergência à toa, dessas em que cada um, como se diz,
quer livrar a cara, e pronto. Sob a
aparência incidental, no entanto, uma síntese eloquente do desvio em que entrou o sistema de
poderes políticos e administrativos e da indiferença, um tanto
suicida, que a sociedade adotou.
O caso, em si, é simples. A
emenda constitucional que autoriza a expropriação das terras
onda se comprove escravismo está entregue a longo e tranqüilo
sono na Câmara. Secretário de
Direitos Humanos, Nilmário Miranda acusou descaso do presidente da Câmara. João Paulo
Cunha respondeu que a falta de
empenho é do governo, que não
incluiu a emenda nem mesmo
entre as votações para as quais
fez a convocação extraordinária
do Congresso, ainda vigente. O
que João Paulo diz é verdade,
tanto que, a três dias de encerrar-se a convocação extraordinária, correu para incluir o projeto na pauta. Mas não é tudo.
Como e por que uma emenda
constitucional de tamanha importância dorme por tanto tempo na Câmara? A história dos
projetos que passam anos incontáveis no Congresso é imensurável, e nela se encontram as explicações mais variadas. Mas, no
período recente, a natureza desse
problema alterou-se.
Com o processo sistemático de
suborno - é essa mesma a palavra, outra qualquer é adocicante
- instaurado nas relações do
governo de Fernando Henrique
Cardoso com as bancadas parlamentares, o Congresso deixou de
ser instituição independente.
Tornou-se apêndice, extensão do
governo. Desde que liberadas as
verbas orçamentárias de determinados parlamentares, concedidos cargos federais nos Estados
-conforme as conveniências
eleitorais ou negociais de outros- e proporcionadas as várias modalidades de favorecimento para tantos mais, estavam criadas as condições para o
governo predeterminar o comportamento em relação a qualquer tema.
Se o método falhou alguma
vez, foi por atendimento ainda
incompleto pelo governo ou por
aumento das exigências, uma e
outra situação logo resolvidas.
Os arquivos de jornais ficaram
como provas indeléveis de que
cada aprovação desejada pelo
governo Fernando Henrique foi
antecedida de concessões moralmente injustificáveis.
O passado anterior ao governo
Fernando Henrique registra inúmeros episódios de concessões subornantes do governo a parlamentares. Mas ocasionais, e sempre encontravam reação condenatória em parte dos jornais e na
opinião pública. Do uso esporádico, o método passou a processo
sistemático. E talvez tenha sido o
pior dos males praticados e legados ao país pelo governo Fernando Henrique: golpeou o Congresso, como que o fechando para o
exercício que lhe cabe no regime
democrático e a Constituição
brasileira lhe prescreve.
O governo Lula seguiu pela
mesma senda. De início, um tanto mais discreto, como se ainda
encabulado de sua transformação. Depois, sem mais cerimônias, que o diga o PMDB.
Se a emenda antiescravismo
não entrou na pauta destes dias
de convocação extraordinária,
de fato foi porque o governo não
a incluiu.
Mas o projeto dorme há meses
na Câmara porque não vigoram
mais a independência e a obrigação das casas do Congresso de
definir e aplicar as suas pautas
de atividade: tudo está condicionado à orientação -e portanto
à conveniência ou à complacência- do governo. Como o governo não orientou pelo andamento
do projeto, uma providência de
tamanha importância ficou nas
gavetas.
Enquanto miseráveis continuam sob condições de escravismo e fiscais são assassinados -e
Lula faz discursos inflamados a
propósito.
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