São Paulo, quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004

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DANÇA DOS MINISTROS

Titular da Integração Nacional vê "indústria da enchente" e discorda de visita a área afetada pelas cheias

Mesmo sem "apego ao cargo", Ciro diz que fica no ministério

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS), disse ontem que é seu costume dizer que não tem "apego ao cargo", mas que vai permanecer no governo.
Anteontem, em conversa com congressistas da Paraíba, ele chegou a dizer que poderia "pegar o boné" e ir embora. Relatou o caso para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem sempre se refere de maneira elogiosa -"desenvolvi grande afeição por ele". Segundo Ciro, Lula brincou com o caso.
Ciro relata ter havido uma discordância inicial sobre a necessidade de os ministros visitarem áreas afetadas por enchentes.
"Os ministros ficarem viajando muitas vezes serve apenas para propaganda. E algumas vezes nós, os ministros, viajando a esses locais acabamos subtraindo algumas responsabilidades das autoridades locais, que devem prestar o socorro imediato", afirma Ciro.
A seguir, trechos da entrevista de Ciro à Folha ontem à tarde:

Folha - O sr. ameaçou pedir demissão?
Ciro Gomes -
De jeito nenhum. Não estou de saída. Disse uma coisa que foi noticiada fora do contexto em que eu a pronunciei. Numa conversa com a bancada da Paraíba, disse a eles que não pensassem que alguma pressão poderia me derrubar. Não tenho apego ao cargo. Se a bancada do Nordeste acha que me enfraquecer é uma boa, está fazendo avaliação errada. Se quisesse, poderia pegar o boné e ir embora.

Folha - Dizer que pode "pegar o boné" não é uma frase ambígua?
Ciro -
Eu sempre falo assim. Sempre digo que não tenho apego ao cargo.

Folha - Mas então alguém sempre pode interpretar que o sr. quer sair do governo, certo?
Ciro -
Não, porque eu não disse assim. O que eu digo é que este meu lugar só tem uma compensação: estar ajudando um presidente que eu acredito ser a última esperança de minha geração. E também pela atenção que recebo do presidente e a amizade entre nós, que só aumenta a cada dia. Ocorre que eu também tenho dito uma coisa que pode desagradar a algumas pessoas: nem indústria da seca nem indústria da enchente.

Folha - O que o sr. quer dizer?
Ciro -
Não acho correto entrar nessa história de liberar R$ 20 milhões para esse município ou aquele Estado. Anunciar esse tipo de liberação é propaganda. R$ 20 milhões para quê? Precisa de projeto, de liberação dentro da lei.

Folha - Há dissonância entre o sr. e parte da equipe ministerial que cuida do caso das enchentes?
Ciro -
Não, nenhuma. No princípio houve o entendimento de algumas pessoas de que deveríamos visitar imediatamente algumas áreas. Na frente do presidente, eu discordei. Na minha avaliação e pela minha experiência, acredito que viagem aos locais afetados, pelo simbolismo, só a do presidente da República tem grande importância. Os ministros ficarem viajando muitas vezes serve apenas para propaganda. E algumas vezes nós, os ministros, viajando a esses locais acabamos subtraindo responsabilidades das autoridades locais que devem prestar o socorro imediato.

Folha - A Defesa Civil está sob sua responsabilidade. Não houve tempo, não houve dinheiro ou o que aconteceu para que o órgão estivesse sem condições de reagir?
Ciro -
Encontrei a Defesa Civil destruída. Havia 2.600 comitês locais em cidades. O Ministério da Integração organizou mais 1.486. Ocorre que as enchentes atingiram 644 municípios, e a Defesa Civil entrou em colapso. Em 2005, certamente estará mais aparelhada e a atuação será mais eficaz.

Folha - Como?
Ciro -
No segundo mês da minha gestão criamos o Centro Nacional de Alerta e Aviso. Está quase pronto para entrar em operação. Além de uma central com número gratuito, um programa de computador analisará as informações disponíveis para que possamos chegar antes dos desastres.

Folha - O sr. se reuniu com o presidente da República hoje. Ele comentou sobre sua frase do boné?
Ciro -
Ele fez uma brincadeira. Quando eu cheguei, ele disse: "Pô, você vai pedir o boné?".

Folha - E o sr.?
Ciro -
Brinquei de volta. Disse que estava lá para pegar o boné que havia deixado no dia anterior.


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