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ELIO GASPARI
A síndrome das reivindicações sucessivas
Lula criou um programa
de estímulo à construção civil. Por falar nisso, cadê os resultados do Programa Papel Passado? Aquele que anunciava metas
federais para regularizar a propriedade urbana dos sem-escritura. São 15 milhões de famílias
que construíram suas casas em
terrenos comercializados ilegalmente. Promessa de campanha
de Lula, de governadores e de
prefeitos, a iniciativa corre o risco
de ficar parecida com o Fome Zero e o Primeiro Emprego. Virou
lorota federal, estadual e municipal. Funcionou, e bem, em Manaus.
A propriedade de um imóvel é
o principal patrimônio dos brasileiros. Se o trabalhador tem a casa, mas não tem escritura, sua vida fica mais difícil para obter crédito e abrir um negócio. É empurrado para a economia informal.
Pode-se estimar que o andar de
baixo do Terceiro Mundo e do
Leste Europeu esteja sentado
num ervanário de US$ 10 trilhões
de patrimônio imobiliário marginalizado. Num cálculo grosseiro, as propriedades dos sem-escritura brasileiros podem estar
na casa dos R$ 150 bilhões. Os
programas de regularização dessas propriedades foram vitimados pela Síndrome das Reivindicações Sucessivas.
Trata-se de um ardil do andar
de cima. Consiste em reconhecer
que uma coisa deve ser feita, condicionando astuciosamente a
sua execução a outra medida,
sempre razoável. Malandragem
suprapartidária, a reivindicação
sucessiva envenena iniciativas
que pretendem melhorar a vida
de quem precisa de atenção.
Um exemplo: na segunda metade do século 19, discutia-se a
Lei do Ventre Livre, um remendo
para postergar a abolição da escravatura.
Foi combatida com o argumento de que não se poderia libertar
as crianças sem antes dar-lhes escolas e um ofício. Seria uma desumanidade. Ou seja: enquanto
não se fizer B, não se pode fazer
A. Os fazendeiros não queriam
escolas. O negócio deles era preservar a escravaria.
A síndrome da reivindicação
sucessiva contamina também
pessoas e governos que sinceramente desejam endireitar o torto.
Ela entortece inúmeros programas de regularização de lotes urbanos sustentando que não se deve dar escritura ao dono de uma
casa enquanto sua rua não tiver
coisas como asfalto, calçada e
bueiros. O sujeito paga impostos
e o Estado, que não lhe dá serviços, nega-lhe a escritura porque
faltam-lhe os serviços negados.
O truque permite ao magano
defender todas as causas sem trabalhar em nenhuma. Enaltece a
parolagem e disfarça o compromisso. Permite aos governantes o
usufruto da publicidade dos projetos, resguardando-lhes o direito
de justificar a inércia do plano
que prometia A porque alguém
(às vezes ele mesmo) não fez B.
Nas duas maiores cidades do
país, os programas de regularização de lotes apresentam resultados pífios. Em São Paulo, tire-se o
chapéu para Paulo Maluf. Regularizou 34,3 mil lotes, contra 29
mil de Marta Suplicy e 4.000 de
José Serra em um ano. No Rio, o
número de processos concluídos
não chegou a mil. Em três anos,
em todo o país, o programa Papel
Passado ajudou a regularizar a
situação de 40 mil famílias (8,9%
da meta-companheira).
Felizmente, Lula, os governadores e os prefeitos interessados
em passar à patuléia outro papel
que não o de boba, podem olhar
para Manaus. Lá a iniciativa de
um prefeito e R$ 850 mil do Papel
Passado fizeram o sucesso. Em
menos de um ano, Serafim Correa acertou a vida de 8.000 famílias. Atende aos donos de lotes
com menos de 250 m2 que comprovam cinco anos de residência
no local. Enquanto o governo federal vai empregar 258 jornalistas na Transpetro, o prefeito Serafim Correa conseguiu esse resultado com o trabalho de 30
funcionários. Teve a ajuda do governo do Amazonas, do poder judiciário e da associação dos cartórios. Com a escritura na mão,
400 pessoas já conseguiram financiamentos para a compra de
materiais de construção.
Tudo isso antes do pacote-companheiro.
De acordo com a teoria das reivindicações sucessivas, Serafim
Correa fez tudo errado: nenhum
lote tem esgoto, metade não tem
calçada, 20% não tem asfalto e
5% nem luz ligada pela concessionária. A mudança foi só uma:
8.000 famílias de brasileiros têm
escritura da casa onde moram.
PT da boquinha
Pode-se conviver com um
ministro da Fazenda que
usou um avião particular
para ir de Brasília a Ribeirão
Preto. É apenas uma pisada
no tomate (com ervilha).
Mais difícil é agüentar um
ministro da Fazenda que
trata como cretinos àqueles
que acreditam no que diz.
Aos fatos:
Em julho de 2003, Antonio Palocci voou no Citation
do empresário Roberto Colnaghi. Levou consigo o presidente do PT, José Genoino. Quando a impropriedade foi revelada, desmentiu
que tivesse tomado a carona. Provada sua presença no
vôo, a explicação foi outra:
embarcara a convite de Genoino. Mentira: numa entrevista gravada, o ex-presidente do PT dissera que "fiz
a viagem a convite dele".
Depondo na CPI, em janeiro, Palocci disse o seguinte: "O PT (...) alugou um
avião para fazer a viagem".
Colnaghi desmentiu a lorota: "A referida aeronave
(...) jamais foi locada a terceiros". Diante disso, o ministro avançou novamente
na paciência alheia: "Recorri
inadvertidamente à expressão alugou, sem me apegar à
acepção estrita do termo".
Há no Brasil 5,7 milhões
de pessoas que moram em
imóveis alugados. Palocci
poderia ensiná-las a desapegar-se da "acepção estrita do
termo", convertendo aluguel em boca-livre. Pena que
não se possa acreditar no
que vier a dizer.
Banca encapuçada
Pede-se à banca que não faça macumbas contra o secretário do Tesouro, Joaquim Levy. Ele quer licitar a
folha de R$ 11,3 bilhões do
INSS. Com isso, em vez de a
Viúva pagar pelo serviço, receberá para repassá-lo.
Quem estiver contrariado
pode botar a cara (e o logotipo) na vitrine. Crítica anônima é golpe baixo.
Madame Natasha
Madame Natasha recebeu
uma mensagem que tinha
como remetente o endereço
uerjxxi@uerj.br, listando 36
erros cometidos pela garotada que fez a prova do Enem.
A senhora assustou-se
com o texto de apresentação
da lista:
"Colegas,
Vejam que maravilha
as frases extraídas do Enem
2005. Com certeza, nos-
so problema estão nas cotas
(precisamos de muito,
muito mais cotas). Educação com qualidade?? Não
precisa!"
Madame acha que se deve
criar um curso para professores aprenderem que
nosso problema não está
nas cotas. Está na ignorância
atrevida.
Números
Lula recebe R$ 3.900 mensais como aposentado da ditadura que, em 1980, o prendeu por 51 dias e lhe tomou a
presidência do Sindicato
dos Metalúrgicos de São
Bernardo. O governo japonês paga a cada um dos 300
mil sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki uma pensão de US$ 1.120
(R$ 2.400). Para arrebentar
o Japão foram necessárias
duas bombas atômicas. Para
detonar o erário brasileiro,
basta a voracidade.
Palavras
Vem aí o índice de crescimento do PIB em 2005.O
Banco Central acha que vai
dar 2,6%. É uma oportunidade para que se reflita sobre o perigo que o país corre
quando é governado por um
marqueteiro da ignorância.
Entre janeiro e junho do
ano passado "nosso guia"
disse o seguinte: "Não sou
economista, não sou especialista, mas vou dizer: neste
ano a gente vai surpreender
outra vez. (...) Não tem por
que 2005 não ser o ano mais
importante da década neste
país". "Penso que poderemos crescer 5% ou um pouco mais."
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