UOL

São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

De poder para poder

As instruções de Fernandinho Beira-Mar a seus competentes advogados sobre a insegurança pública são mais eloquentes do que tudo o que a respeito se tenha dito antes. Os advogados, segundo eles próprios, foram instruídos a agir em duas vias para a volta de seu cliente ao Rio: a judicial e a que chamaram de política, esclarecido que se trata de entendimentos com o governo fluminense.
Que entendimentos poderiam ser esses, estando o casal de governadores fluminense aturdido com o ataque contínuo ao Rio por parte dos subordinados ou aliados de Fernandinho Beira-Mar, este aturdido com suas novas condições de presidiário distanciado -como dizem em política, já que se trata disso- das suas bases?
Os governadores Garotinho, Rosinha e Anthony, rejeitaram a proposta inicial do governo Lula, definindo-a, não de todo sem razão, como uma forma de intervenção branca. Não há como avaliar a proposta, que não foi divulgada plenamente e, muito menos, explicada em suas fundamentações e finalidades práticas.
Do que foi exposto, nada evidencia criatividade nem suscita a impressão de que se mostraria certamente eficaz. Antes lembra muito as elaborações do antropólogo Luiz Eduardo Soares, hoje na Secretaria Nacional de Segurança, quando se ocupou de reformular a segurança no governo Anthony Garotinho, sem chegar, por falta de tempo ou não só de tempo, a algum resultado.
O governo federal nem está em condições muito melhores que o estadual na crise aguda de violência que se manifesta no Rio há duas semanas. No dia de ataque mais intenso, tratava-se de ação do tráfico, que é um dos chamados crimes federais. O ataque se fez com armas privativas das Forças Armadas, umas roubadas de quartéis e outras contrabandeadas -mais dois dos chamados crimes federais. E onde estava a Polícia Federal naquele dia? Como a já idosa Conceição, ninguém sabe, ninguém viu.
Dezessete dias depois daquela ofensiva, a situação do Rio é exatamente igual à de antes da investida. Nem os recrutas do Exército mudaram alguma coisa para melhor, como provam os continuados ataques, inclusive a delegacias e a carros da polícia. Mas Rosinha Garotinho repeliu a proposta federal com a afirmação de que o governo fluminense resolverá sozinho o problema.
Volte-se a Fernandinho Beira-Mar e à missão dita política dos seus advogados. No governo passado, de Garotinho marido, certa redução na violência foi atribuída por muitos, entre os quais alguns criminosos entrevistados, a acordos entre autoridades estaduais e chefes do tráfico de drogas. Não apareceram provas do acordo, mas a troca de autoridades estaduais, decorrente da substituição de Garotinho por Benedita da Silva, foi acompanhada de repentina e forte onda de violência nas ruas e de rebeliões nos presídios.
A instrução de Fernandinho Beira-Mar lançou uma interrogação onerosa sobre Rosinha Garotinho e sua promessa de solução solitária. Por mais desejada que seja, até a calmaria, se não provier de medidas muito evidentes, será vista como prova de que a solução não foi solução, mas um reconhecimento mútuo de poderes. Ou melhor, a oficialização de um poder já de fato por um poder de direito posto em questão.


Texto Anterior: Presidente de associação é morto a tiros
Próximo Texto: Agenda petista: PT reconhece ter errado ao não apoiar reformas de FHC
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.