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ELIO GASPARI
Sarney, Temer e o programa Du Barry 2.0
Os presidentes do Senado e da Câmara, como a namorada de Luís 15, pensam que
um dia a onda passa
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JOSÉ SARNEY , presidente do Senado,
e Michel Temer, presidente da Câmara, deveriam marcar um encontro para discutir um mistério da história.
Por que a Madame Du Barry, última namorada de Luís 15, resolveu deixar Londres, onde se escondera em paz, e regressou a Paris, em plena Revolução? A decisão foi influenciada por um motivo patrimonial, pois a choldra confiscara seu castelo e ela pensou que poderia recuperá-lo. Tremendo erro de cálculo. Chegou em
fevereiro de 1793, foi presa em setembro
e guilhotinada em dezembro.
Temer e Sarney deveriam se perguntar
se não estão rodando um programa Du
Barry 2.0 quando defendem ou encobrem privilégios, nepotismos e maracutaias que ofendem a patuleia. Não serão
degolados, mas irão para a galeria das vítimas da cegueira de classe.
Descobre-se que, numa viagem ao México, a filha do senador Tião Viana circulou com um celular da Viúva. Denunciado o mimo, o companheiro pagou a conta, mas negou-se a divulgar a cifra (R$ 14
mil). Quando o valor vazou, os doutores
abriram sindicância para descobrir como
o sigilo foi quebrado. Desse jeito, a malfeitoria esteve na divulgação da quantia,
e não na tentativa malsucedida de repassá-la à Viúva.
Descobre-se que a Câmara pretende
gastar R$ 76 milhões convertendo apartamentos funcionais e Temer diz que os
fatos foram "mal interpretados pela imprensa". Minutos depois viu-se desmentido pelo encarregado do projeto, o deputado Nelson Marquezeli: "Eu vou fazer a
divisão dos apartamentos".
Nesse mesmo dia, no Planalto, Lula
estava reunido com o Poder Legislativo
emergente, as centrais sindicais. Discutiam a possibilidade do governo patrocinar uma redução dos encargos trabalhistas para preservar empregos. Os legisladores da CUT e da Força Sindical
não gostaram da ideia, e podem ter razão.
Os assuntos que deveriam passar pelo
Congresso, como a proposta de revisão
dos encargos, vão primeiro para as centrais. Já outros episódios, que deveriam
ser tratados em delegacias de polícia,
ocupam a rotina parlamentar. Nesse cenário de pouco valor, Sarney e Temer
estão sempre um lance atrás. Parlamentares experientes, conhecem as Casas que presidem e talvez achem que a
faxina pode ficar para depois. Só se movem quando a Viúva grita "pega ladrão".
A Du Barry não percebeu que o seu
mundo estava acabando e acreditou que
as coisas se acomodariam. Sarney e Temer vão pelo mesmo caminho. Por sorte, não botarão o pescoço na guilhotina,
só as próprias biografias.
Um lembrete: os hierarcas do Congresso têm uma fé infinita na lealdade
de uma parte da burocracia e, sobretudo, em seletos grupos de assessores.
Quem denunciou a Du Barry foi seu fiel
serviçal Zamore, um anão negro que ela
vestia com roupas berrantes e muitas
joias.
Harvard deu uma lição de crise
A Universidade Harvard
acaba de tomar duas providências. Desligou dois dos
quatro elevadores do edifício
onde funciona sua administração e alterou a rotina do
serviço de limpeza do prédio.
Agora, cada um terá que esvaziar sua lata de lixo na caçamba colocada no fim do corredor e a faxina diária passou a
semanal.
Esse é um caso exemplar de
economia de tostões para
mostrar que até tostões devem
ser economizados. Antes da
crise, Harvard tinha um patrimônio de US$ 37 bilhões. De lá
para cá perdeu uns US$ 10 bilhões. Como a renda desse ervanário sustenta 35% do orçamento, antes de desligar os
elevadores, a universidade
congelou salários, obras de expansão e baixou o recrutamento de professores de 50
para 15.
A conduta da escola mais rica do mundo pode ser útil para
as universidades públicas brasileiras que planejam sua safra
rotineira de greves.
Poderes do Planalto
Pela enésima vez Nosso Guia
reuniu sua equipe para pedir
que as coisas aconteçam. Sua
queixa é a mesma: o governo
decide, os burocratas aplaudem, o tempo passa e tudo continua na mesma. Trata-se de
uma briga eterna. Os poderes
do Planalto, supostamente infinitos, às vezes são humilhados.
Em 1966 o presidente Castello
Branco e o presidente da Câmara, Adauto Lúcio Cardoso,
entraram num curso de colisão
quando o deputado se recusou
a aceitar a cassação do mandato
de seis parlamentares.
O marechal achou que só havia um caminho: fechar a Câmara. Planejou-se a operação
militar, a tropa cercou o Congresso e uma equipe foi mandada ao centro de distribuição de
energia elétrica para que, à hora combinada, o prédio ficasse
às escuras.
Tudo funcionava de acordo
com o plano. As comunicações
telefônicas já haviam sido cortadas e, quando chegou o momento do apagão, o chefe de
Serviço Nacional de Informações, Golbery do Couto e Silva,
e seu secretário, Heitor Ferreira, foram a uma janela do Planalto para ver o espetáculo.
Tchan. Apagaram-se as luzes
do Palácio do Planalto.
Cuba e Obama
Barack Obama e Raul Castro
estão afinando a sintonia para
uma nova fase nas relações dos
Estados Unidos com Cuba.
Trocam recados com a discrição dos adúlteros. O sinal americano já está na mesa e será o
afrouxamento das restrições
para viagens e remessas de dinheiro à ilha. O sinal cubano,
como sempre, será a libertação
de um lote de presos políticos.
Com um pouco de sorte, consegue-se um afrouxamento da
perseguição aos dissidentes.
Grande Buffett
O biliardário americano Warren Buffett deu mais uma aula ao
mercado. Em setembro do ano
passado, no auge da crise bancária, ele botou US$ 10 bilhões na
Goldman Sachs. A ação da empresa caíra de US$ 179 para US$
121. Ele se acautelou, contratando rendimento seguro de 10%
sobre essa cotação. É possível
que Buffett saia de 2009 com ganho superior a 10%. Na quinta, a
ação da Goldman Sachs fechou a
US$ 125.
Um ensinamento do mago:
mais importante do que investir
em novas tecnologias é não deixar dinheiro em coisas que vão
morrer. No início do século passado, houve frenesi por fábricas
de carros e quem investiu nelas
dançou, pois 99,9% das empresas quebraram. Ganhou quem tirou o dinheiro investido em carruagens e cavalos.
Encrenca
Amanhã Nosso Guia anunciará seu plano de ajuda aos municípios que perderam recursos com
a queda da arrecadação e o emagrecimento das transferências
que recebem de Brasília. A ideia
parece boa, mas embute uma
complicação punitiva para cidades que ficam acima da linha d'água.
Imagine uma cidade que recebia R$ 100 mil e teve seus recursos minguados para R$ 80 mil.
Nesse caso, o governo federal poderia mandar R$ 20 mil adicionais. Tudo bem, mas o município
ao lado recebia R$ 130 mil, caiu
para R$ 101 mil e não receberia
nada, ou menos. Admitindo-se
que os dois são vizinhos, um deles será compensado e o outro ficará com um buraco de caixa.
Uma boa tabelinha pode minorar esse problema, mas o centro da questão continua do mesmo tamanho: quando o governo
resolve distribuir dinheiro em
clima pré-eleitoral, acaba se metendo em confusão.
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