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Interceptações são 90% da apuração da Castelo de Areia
Outras técnicas investigatórias somam 3,5% das 2.000 páginas do inquérito da PF
Para procurador, combate a "novos crimes" fica inviável pelos métodos tradicionais; jurista vê "mal necessário", mas afirma haver exageros
DA REPORTAGEM LOCAL
A investigação da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal sobre a Operação Castelo de Areia, que apura supostas irregularidades envolvendo
a empreiteira Camargo Corrêa,
é baseada 90% em escutas telefônicas ou em interceptações
de e-mails e faxes.
Técnicas investigatórias diversas, como vigilância in loco
dos alvos e intercâmbio de informações com outros órgãos
oficiais, representam cerca de
3,5% do inquérito. Há ainda
despachos burocráticos sobre o
andamento das investigações.
A Folha analisou o inquérito
de quase 2.200 páginas e catalogou todas que versavam sobre interceptações em relatórios da PF, em manifestações
da Procuradoria, em despachos
da Justiça e em ofícios das operadoras de telefonia.
Para especialistas, cada investigação pede um método diferente de apuração. Dizem
ainda que a interceptação é
uma exceção, não regra.
Segundo dados da 6ª Vara
Criminal Federal de São Paulo,
onde estão casos de grande repercussão- como a própria
Castelo de Areia e a Satiagraha,
que prendeu o banqueiro Daniel Dantas- os procedimentos com escutas representam
menos de 3% do total que tramita na vara.
Castelo de Areia
No início da investigação
Castelo de Areia, o delegado da
PF Otavio Margornari Russo
argumentou que a quebra de sigilo telefônico era a única forma de investigar denúncia anônima contra o suposto doleiro
Kurt Paul Pickel, contra quem
pesava a acusação de atuar de
forma ilegal no mercado financeiro internacional.
O juiz federal Márcio Millani,
substituto da 6ª Vara Criminal,
ao ordenar a quebra, disse que a
medida era "indispensável à investigação" de crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional.
Após um ano e três meses de
interceptação telefônica e telemática (e-mail e fax), a Polícia
Federal responsabilizou o doleiro pelas supostas movimentações ilegais da Camargo Corrêa e apontou em seus relatórios outros indícios de crimes,
como eventuais doações ilegais
a partidos políticos.
A importância das escutas fica clara no inquérito. Quando
um dos monitorados entrava
de férias ou perdia o celular, a
investigação ficava congelada.
Em uma das raras oportunidades em que os policiais tentaram descobrir o local de um encontro, não tiveram êxito.
Novos crimes
"A sociedade mudou, evoluiu, e o crime, como fenômeno
social, acompanhou esse desenvolvimento. A criminalidade moderna, na qual se insere o
crime organizado, tem utilizado todos os meios disponíveis
para o cometimento de crimes,
como internet, e-mail, voip e
skype", afirma o procurador da
República Rodrigo de Grandis,
responsável pela Operação Satiagraha.
Para ele, o combate a "novos
crimes" fica inviável pelo método tradicional, com testemunha, interrogatório e busca e
apreensão.
"Daí a necessidade de uso de
técnicas especiais, com interceptação telefônica e telemática, escutas ambientais, colaboração premiada, ação controlada, entregas vigiadas e cooperação internacional. Sem isso, haverá impunidade", afirma
De Grandis diz que, no caso
do deputado federal Paulo Maluf (PP), investigado por recursos ilegais no exterior, a escuta
foi o último recurso -Maluf diz
não ter contas fora do Brasil.
"Houve quebras de sigilo bancário e fiscal. Inquirição de testemunhas e colaboração premiada, além da cooperação internacional", diz o procurador.
Para René Ariel Dotti, professor titular de Direito Penal
da Universidade Federal do Paraná, as interceptações são um
"mal necessário", mas ele
aponta exageros.
"Uma recente decisão da 6ª
Turma do STJ [Superior Tribunal de Justiça] prova que as autoridades investigativas brasileiras estavam há muito praticando abusos na aplicação dos
métodos invasivos da privacidade dos cidadãos."
Segundo Dotti, esses métodos "podem ser um valioso instrumento no combate ao crime,
desde que legalmente empregados. Porém, tendem a se tornar obsoletos à medida que os
criminosos se adaptam a esses
meios. Deixam de usar telefones e e-mails".
(LILIAN CHRISTOFOLETTI, FERNANDO BARROS DE MELLO, ANA FLOR E
JOSÉ ALBERTO BOMBIG)
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