São Paulo, domingo, 12 de abril de 2009

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Interceptações são 90% da apuração da Castelo de Areia

Outras técnicas investigatórias somam 3,5% das 2.000 páginas do inquérito da PF


Para procurador, combate a "novos crimes" fica inviável pelos métodos tradicionais; jurista vê "mal necessário", mas afirma haver exageros

DA REPORTAGEM LOCAL

A investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre a Operação Castelo de Areia, que apura supostas irregularidades envolvendo a empreiteira Camargo Corrêa, é baseada 90% em escutas telefônicas ou em interceptações de e-mails e faxes.
Técnicas investigatórias diversas, como vigilância in loco dos alvos e intercâmbio de informações com outros órgãos oficiais, representam cerca de 3,5% do inquérito. Há ainda despachos burocráticos sobre o andamento das investigações.
A Folha analisou o inquérito de quase 2.200 páginas e catalogou todas que versavam sobre interceptações em relatórios da PF, em manifestações da Procuradoria, em despachos da Justiça e em ofícios das operadoras de telefonia.
Para especialistas, cada investigação pede um método diferente de apuração. Dizem ainda que a interceptação é uma exceção, não regra.
Segundo dados da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, onde estão casos de grande repercussão- como a própria Castelo de Areia e a Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas- os procedimentos com escutas representam menos de 3% do total que tramita na vara.

Castelo de Areia
No início da investigação Castelo de Areia, o delegado da PF Otavio Margornari Russo argumentou que a quebra de sigilo telefônico era a única forma de investigar denúncia anônima contra o suposto doleiro Kurt Paul Pickel, contra quem pesava a acusação de atuar de forma ilegal no mercado financeiro internacional.
O juiz federal Márcio Millani, substituto da 6ª Vara Criminal, ao ordenar a quebra, disse que a medida era "indispensável à investigação" de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Após um ano e três meses de interceptação telefônica e telemática (e-mail e fax), a Polícia Federal responsabilizou o doleiro pelas supostas movimentações ilegais da Camargo Corrêa e apontou em seus relatórios outros indícios de crimes, como eventuais doações ilegais a partidos políticos.
A importância das escutas fica clara no inquérito. Quando um dos monitorados entrava de férias ou perdia o celular, a investigação ficava congelada. Em uma das raras oportunidades em que os policiais tentaram descobrir o local de um encontro, não tiveram êxito.

Novos crimes
"A sociedade mudou, evoluiu, e o crime, como fenômeno social, acompanhou esse desenvolvimento. A criminalidade moderna, na qual se insere o crime organizado, tem utilizado todos os meios disponíveis para o cometimento de crimes, como internet, e-mail, voip e skype", afirma o procurador da República Rodrigo de Grandis, responsável pela Operação Satiagraha.
Para ele, o combate a "novos crimes" fica inviável pelo método tradicional, com testemunha, interrogatório e busca e apreensão.
"Daí a necessidade de uso de técnicas especiais, com interceptação telefônica e telemática, escutas ambientais, colaboração premiada, ação controlada, entregas vigiadas e cooperação internacional. Sem isso, haverá impunidade", afirma
De Grandis diz que, no caso do deputado federal Paulo Maluf (PP), investigado por recursos ilegais no exterior, a escuta foi o último recurso -Maluf diz não ter contas fora do Brasil. "Houve quebras de sigilo bancário e fiscal. Inquirição de testemunhas e colaboração premiada, além da cooperação internacional", diz o procurador.
Para René Ariel Dotti, professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná, as interceptações são um "mal necessário", mas ele aponta exageros.
"Uma recente decisão da 6ª Turma do STJ [Superior Tribunal de Justiça] prova que as autoridades investigativas brasileiras estavam há muito praticando abusos na aplicação dos métodos invasivos da privacidade dos cidadãos."
Segundo Dotti, esses métodos "podem ser um valioso instrumento no combate ao crime, desde que legalmente empregados. Porém, tendem a se tornar obsoletos à medida que os criminosos se adaptam a esses meios. Deixam de usar telefones e e-mails".
(LILIAN CHRISTOFOLETTI, FERNANDO BARROS DE MELLO, ANA FLOR E JOSÉ ALBERTO BOMBIG)


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