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São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2003

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ALBERT FISHLOW

Ex-professor de Malan diz que as políticas adotadas por Palocci se parecem com as do ex-ministro

Mercados erraram sobre Lula, afirma economista

LIA HAMA
DA REDAÇÃO

Os mercados erraram nas expectativas em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cuja política macroeconômica representa uma continuidade em relação à administração anterior. A avaliação é do economista Albert Fishlow, 67, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, de Nova York.
Segundo Fishlow, não havia fundamentos para que o risco Brasil, termômetro da confiança do investidor externo no país, atingisse seu recorde histórico na campanha eleitoral -2.440 pontos em 27 de setembro- devido ao temor de uma vitória de Lula.
"Não há tanta diferença entre as políticas adotadas pelo ministro [Antonio" Palocci [Filho" e as políticas de [Pedro" Malan", diz. "O mundo não mudou quando o Lula chegou à Presidência."
Ex-professor de Malan, Fishlow faz a defesa do ex-ministro da Fazenda. "Todo mundo hoje critica o comportamento dele [Malan". Mas, ao final do mandato, a taxa de crescimento do país foi maior do que a do período anterior, a taxa de inflação foi bem menor e havia se criado a base sobre a qual o governo atual está construindo as novas políticas", afirma.
Em entrevista por telefone à Folha, Fishlow disse considerar pouco provável uma retaliação dos EUA contra o Brasil pela oposição do país à guerra no Iraque.
Segundo ele, muito mais importante do que a discussão sobre o papel do Brasil na guerra é a questão da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), em que o país ocupa um papel central por estar co-chefiando as negociações junto com os EUA.
A seguir, trechos da entrevista.
 
Folha - Que balanço o sr. faz dos primeiros meses do governo Lula?
Albert Fishlow -
No início havia um medo em relação às consequências da eleição de Lula. Hoje eu acho que há uma satisfação grande no mercado internacional e também dentro do país. O Brasil passou por um período difícil no fim do governo Fernando Henrique, em que havia muita especulação sobre o futuro. Havia o aumento do risco Brasil e a falta de empréstimos por parte dos bancos internacionais.
As grandes dúvidas desse período agora estão resolvidas. De certo modo a situação voltou ao normal. Daqui para frente vem a parte mais difícil.

Folha - Durante a campanha eleitoral, quando o risco-país estava subindo, havia um temor de que o Brasil pudesse virar uma Argentina caso Lula fosse eleito. Houve precipitação dos mercados?
Fishlow -
Os mercados estavam reagindo às expectativas dos investidores no momento e eles estavam errados. O comportamento da taxa de câmbio mostra isso com clareza. Há evidências de que o mercado não previu bem a evolução da política brasileira. O mercado estava errado em sua expectativa em relação à política do novo governo.

Folha - O sr. foi professor de Pedro Malan. Como o sr. avalia o desempenho dele à frente do Ministério da Fazenda no governo FHC?
Fishlow -
Todo mundo hoje critica o comportamento dele. Mas não é fácil ser ministro da Fazenda com a crise asiática, com a crise da Rússia, com a crise da Argentina, com as dificuldades da falta de energia no Brasil, com a redução do crescimento da economia dos EUA e a recessão e com as dificuldades do aumento do preço do petróleo no final do ano passado. Tudo isso aconteceu durante o mandato dele.
Mas, ao final do mandato, a taxa de crescimento do país foi maior do que a do período anterior, a taxa de inflação foi bem menor e havia se criado a base sobre a qual o governo atual está construindo as novas políticas.

Folha - De 0 a 10, que nota o sr. daria a ele?
Fishlow -
Uma coisa importante que o Brasil está começando a entender melhor é que o mundo não mudou quando o Lula chegou à Presidência. Ao mesmo tempo as pessoas estão entendendo que não há tanta diferença entre as políticas adotadas pelo ministro [Antonio" Palocci [Filho", que está sendo aplaudido pelos bancos internacionais, e as políticas seguidas pelo Malan durante um período mais difícil.

Folha - O sr. não quer dar a nota a Malan?
Fishlow -
[Risos" Prefiro evitar.

Folha - Pesquisa do Datafolha mostra que, após três meses de governo, Lula teve a maior aprovação obtida por um presidente desde a década de 90, quando o levantamento começou a ser feito. Como explicar a contradição entre as poucas realizações do governo até agora e o apoio recorde a Lula?
Fishlow -
De certo modo eu acho que representa a maior confiança do povo brasileiro. O que se tem como consequência da eleição do Lula é, de um lado, um processo de continuidade em termos de política macroeconômica e, de outro, uma expectativa de que haverá reformas que vão permitir os avanços necessários para reduzir a taxa de desigualdade, que continua sendo um dos maiores problemas do Brasil.

Folha - Membros do PT já fizeram uma espécie de mea culpa afirmando que a oposição errou no passado por não ter ajudado o governo a aprovar reformas. Tucanos e pefelistas estariam tendo a chance de votar agora o que não conseguiram no governo FHC. Como o sr. vê essa inversão de papéis?
Fishlow -
Eu acho que essa é a diferença entre quem está no governo e quem está na posição de opositor. O governo Fernando Henrique conseguiu aumentar a arrecadação do governo, elevar o superávit fiscal, mas, por outro lado, não tinha uma maioria fidedigna dentro do Congresso que apoiasse as reformas fundamentais.

Folha - Está sendo mais fácil para Lula ser governo do que foi para Fernando Henrique?
Fishlow -
Eu acho que estamos no começo, e no começo a coisa sempre fica mais fácil. Eu me lembro bem do início do Fernando Henrique. Ele conseguiu a aprovação do superávit fiscal para apoiar o real. Houve redução dos gastos por parte do Congresso e o governo conseguiu aumentar o superávit. A mesma coisa está acontecendo agora.

Folha - Há uma espécie de boa vontade...
Fishlow -
Exato. Todo governo começa com boa vontade porque há pessoas interessadas em ocupar posições no segundo e no terceiro escalões, há pessoas interessadas em votar a favor do governo para que possam participar dele. Mas o que vai determinar o êxito do governo Lula vai ser a sua capacidade de sustentar uma maioria [parlamentar" ao longo dos quatro anos.

Folha - Numa entrevista à Folha no ano passado o sr. afirmou que seria provável uma aliança entre PT, PSDB e PMDB. O PT substituiria o PFL na base de sustentação do governo. O sr. ainda acha que isso é possível?
Fishlow -
Eu acho que sim, exatamente porque é difícil ver diferenças entre as políticas propostas pelo governo atual e as do governo anterior. O fato de haver gente no PT dizendo que "talvez devíamos ter apoiado o governo anterior" é uma indicação de que o que se tem é uma posição de governante no lugar de uma posição de partido.

Folha - Como o sr. avalia a política econômica ortodoxa conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho? A continuidade é a melhor saída possível?
Fishlow -
Eu acho que dentro da situação global atual é a única saída. Veja a diferença entre o governo da Argentina e o novo governo do Brasil. O governo argentino teve dificuldades para negociar com o Fundo Monetário Internacional. A economia continua sem crescimento, havia um declínio da renda no ano passado de mais de 10%. O Brasil tem sido capaz de evitar tudo isso.
Estou certo de que depois do primeiro ano vai começar a haver uma redução da taxa de juros interna e vai haver possibilidade de um crescimento maior. O país já havia feito uma reestruturação fundamental nas contas externas, vai haver um superávit grande de exportação, vai haver a continuação do superávit primário [economia de receitas do governo para o pagamento de juros da dívida pública" que, no futuro, dará a base para permitir que o Estado comece a poupar e o setor privado comece a investir.

Folha - O sr. parece bastante otimista em relação a esse governo.
Fishlow -
Eu estou [otimista". Acho que esses primeiros meses têm uma importância fundamental porque já marcou o compromisso do governo com a política macroeconômica, e agora há a necessidade de implementar algumas políticas que poderiam reduzir a pobreza e começar a atacar o problema da distribuição da renda. Acho isso possível. No fundo, eu vejo isso como uma continuidade da política econômica brasileira, como uma implicação do Plano Real.

Folha - Não é um erro insistir numa política que levou o país a uma situação de forte vulnerabilidade externa?
Fishlow -
Eu acho que a vulnerabilidade externa do país é menor hoje em dia do que há seis meses. A razão para isso é que há uma entrada maior de capital, um déficit na conta corrente [soma dos resultados da balança comercial e rubricas como juros e fretes pagos ao exterior" reduzido, uma taxa de câmbio mais forte, e tudo isso está permitindo ao governo atuar de maneira menos limitada. Fala-se que essas políticas são do FMI, contrárias às idéias do PT, mas são políticas que estão conseguindo dar muito mais liberdade de decisão ao país e permitir que ele tome iniciativas na área social.

Folha - Como o sr. avalia a política social do governo e, mais especificamente, o Fome Zero, que é sua principal vitrine?
Fishlow -
O programa ainda não está funcionando da maneira que todo mundo esperava. Leva tempo implantar uma iniciativa desse tipo. Acho que dentro do governo deve haver discussões sobre focalizar o Fome Zero como objetivo ou realmente tratar do problema da pobreza, que inclui não apenas a fome, mas também a capacidade de trabalhar, a existência de empregos adequados, a possibilidade de dar treinamento às pessoas mais velhas e tudo isso como um programa para realmente começar a melhorar a distribuição da renda no país.

Folha - O representante da Casa Branca para o Hemisfério Ocidental, Otto Reich, disse que os EUA ficaram desapontados com a oposição brasileira ao ataque ao Iraque. O sr. crê em possíveis retaliações do governo dos EUA contra o Brasil?
Fishlow -
Não. Não vejo a posição do Brasil como um fator determinante. O que tem muito mais importância são as discussões sobre a Alca [Área de Livre Comércio das Américas", em que a posição do Brasil é muito central, uma vez que está co-chefiando as negociações junto com os EUA. O Brasil já mostrou no passado diferenças em relação às posições norte-americanas. Tudo isso eu acho que tem muito mais importância para a relação do Brasil [com os outros países" do que a guerra. O que o Brasil poderia dar? Cinco pessoas para a assistência médica? Um pouco de petróleo para os aviões?
A posição do Brasil foi exatamente a mesma dos outros países da América Latina, como o México e o Chile, que são os dois países membros [não-permanentes" do Conselho de Segurança.

Folha - Uma posição como essa não influencia uma negociação sobre a Alca, por exemplo? São coisas independentes?
Fishlow -
Eu acho que são independentes. É um pouco difícil imaginar que os produtores de suco de laranja nos EUA vão permitir a entrada [de produtos brasileiros" com uma tarifa bem menor porque o Brasil apoiou os EUA no Iraque.

Folha - A França recentemente deu apoio ao Brasil para ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Quais as chances de que isso venha a ocorrer de fato?
Fishlow -
Já houve recomendações no passado para a ampliação [do Conselho de Segurança da ONU", e eu acho que é uma coisa que deveria acontecer. Mas acho que os EUA, de certo modo, não gostam da idéia.
É uma realidade que os EUA exercem uma posição preeminente no cenário internacional - e, depois da vitória rápida no Iraque, essa posição foi reforçada. Então o momento para uma discussão séria sobre isso não existe agora. Há que se lembrar que a decisão [de invadir o Iraque" foi tomada independentemente do conselho.
Quando se fala do problema de paz permanente no Iraque, de quanto tempo os EUA vão levar para organizar o país e até quando devem permanecer lá, no meio disso tudo, eu duvido que seja possível ter uma discussão para a expansão do conselho.



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