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ALBERT FISHLOW
Ex-professor de Malan diz que as políticas adotadas por Palocci se parecem com as do ex-ministro
Mercados erraram sobre Lula, afirma economista
LIA HAMA
DA REDAÇÃO
Os mercados erraram nas expectativas em relação ao governo
de Luiz Inácio Lula da Silva, cuja
política macroeconômica representa uma continuidade em relação à administração anterior. A
avaliação é do economista Albert
Fishlow, 67, diretor do Centro de
Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, de Nova York.
Segundo Fishlow, não havia
fundamentos para que o risco
Brasil, termômetro da confiança
do investidor externo no país,
atingisse seu recorde histórico na
campanha eleitoral -2.440 pontos em 27 de setembro- devido
ao temor de uma vitória de Lula.
"Não há tanta diferença entre as
políticas adotadas pelo ministro
[Antonio" Palocci [Filho" e as políticas de [Pedro" Malan", diz. "O
mundo não mudou quando o Lula chegou à Presidência."
Ex-professor de Malan, Fishlow
faz a defesa do ex-ministro da Fazenda. "Todo mundo hoje critica
o comportamento dele [Malan".
Mas, ao final do mandato, a taxa
de crescimento do país foi maior
do que a do período anterior, a taxa de inflação foi bem menor e havia se criado a base sobre a qual o
governo atual está construindo as
novas políticas", afirma.
Em entrevista por telefone à Folha, Fishlow disse considerar
pouco provável uma retaliação
dos EUA contra o Brasil pela oposição do país à guerra no Iraque.
Segundo ele, muito mais importante do que a discussão sobre o
papel do Brasil na guerra é a questão da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), em que o país
ocupa um papel central por estar
co-chefiando as negociações junto com os EUA.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Que balanço o sr. faz dos
primeiros meses do governo Lula?
Albert Fishlow - No início havia
um medo em relação às consequências da eleição de Lula. Hoje
eu acho que há uma satisfação
grande no mercado internacional
e também dentro do país. O Brasil
passou por um período difícil no
fim do governo Fernando Henrique, em que havia muita especulação sobre o futuro. Havia o aumento do risco Brasil e a falta de
empréstimos por parte dos bancos internacionais.
As grandes dúvidas desse período agora estão resolvidas. De certo modo a situação voltou ao normal. Daqui para frente vem a parte mais difícil.
Folha - Durante a campanha eleitoral, quando o risco-país estava
subindo, havia um temor de que o
Brasil pudesse virar uma Argentina
caso Lula fosse eleito. Houve precipitação dos mercados?
Fishlow - Os mercados estavam
reagindo às expectativas dos investidores no momento e eles estavam errados. O comportamento da taxa de câmbio mostra isso
com clareza. Há evidências de que
o mercado não previu bem a evolução da política brasileira. O
mercado estava errado em sua expectativa em relação à política do
novo governo.
Folha - O sr. foi professor de Pedro Malan. Como o sr. avalia o desempenho dele à frente do Ministério da Fazenda no governo FHC?
Fishlow - Todo mundo hoje critica o comportamento dele. Mas
não é fácil ser ministro da Fazenda com a crise asiática, com a crise
da Rússia, com a crise da Argentina, com as dificuldades da falta de
energia no Brasil, com a redução
do crescimento da economia dos
EUA e a recessão e com as dificuldades do aumento do preço do
petróleo no final do ano passado.
Tudo isso aconteceu durante o
mandato dele.
Mas, ao final do mandato, a taxa
de crescimento do país foi maior
do que a do período anterior, a taxa de inflação foi bem menor e havia se criado a base sobre a qual o
governo atual está construindo as
novas políticas.
Folha - De 0 a 10, que nota o sr.
daria a ele?
Fishlow - Uma coisa importante
que o Brasil está começando a entender melhor é que o mundo não
mudou quando o Lula chegou à
Presidência. Ao mesmo tempo as
pessoas estão entendendo que
não há tanta diferença entre as
políticas adotadas pelo ministro
[Antonio" Palocci [Filho", que está sendo aplaudido pelos bancos
internacionais, e as políticas seguidas pelo Malan durante um
período mais difícil.
Folha - O sr. não quer dar a nota a
Malan?
Fishlow - [Risos" Prefiro evitar.
Folha - Pesquisa do Datafolha
mostra que, após três meses de governo, Lula teve
a maior aprovação obtida por
um presidente
desde a década
de 90, quando o
levantamento
começou a ser
feito. Como explicar a contradição entre as
poucas realizações do governo até agora e o
apoio recorde a
Lula?
Fishlow - De
certo modo eu
acho que representa a
maior confiança do povo
brasileiro. O
que se tem como consequência da eleição do
Lula é, de um lado, um processo
de continuidade em termos de
política macroeconômica e, de
outro, uma expectativa de que haverá reformas que vão permitir os
avanços necessários para reduzir
a taxa de desigualdade, que continua sendo um dos maiores problemas do Brasil.
Folha - Membros do PT já fizeram
uma espécie de mea culpa afirmando que a oposição errou no passado por não ter ajudado o governo a
aprovar reformas. Tucanos e pefelistas estariam tendo a chance de
votar agora o que não conseguiram
no governo FHC. Como o sr. vê essa
inversão de papéis?
Fishlow - Eu acho que essa é a diferença entre quem está no governo e quem está na posição de opositor. O governo Fernando Henrique conseguiu aumentar a arrecadação do governo, elevar o superávit fiscal, mas, por outro lado,
não tinha uma maioria fidedigna
dentro do Congresso que apoiasse as reformas fundamentais.
Folha - Está sendo mais fácil para
Lula ser governo do que foi para
Fernando Henrique?
Fishlow - Eu acho que estamos
no começo, e no começo a coisa
sempre fica mais fácil. Eu me lembro bem do início do Fernando
Henrique. Ele conseguiu a aprovação do superávit fiscal
para apoiar o real. Houve redução dos gastos
por parte do Congresso
e o governo conseguiu
aumentar o superávit. A
mesma coisa está acontecendo agora.
Folha - Há uma espécie
de boa vontade...
Fishlow - Exato. Todo
governo começa com
boa vontade porque há
pessoas interessadas em
ocupar posições no segundo e no terceiro escalões, há pessoas interessadas em votar a favor do governo para que
possam participar dele.
Mas o que vai determinar o êxito do governo
Lula vai ser a sua capacidade de sustentar uma
maioria [parlamentar" ao longo
dos quatro anos.
Folha - Numa entrevista à Folha
no ano passado o sr. afirmou que
seria provável uma aliança entre
PT, PSDB e PMDB. O PT substituiria
o PFL na base de sustentação do
governo. O sr. ainda acha que isso é
possível?
Fishlow - Eu acho que sim, exatamente porque é difícil ver diferenças entre as políticas propostas
pelo governo atual e as do governo anterior. O fato de haver gente
no PT dizendo que "talvez devíamos ter apoiado o governo anterior" é uma indicação de que o que
se tem é uma posição de governante no lugar de uma posição de
partido.
Folha - Como o sr. avalia a política
econômica ortodoxa conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio
Palocci Filho? A continuidade é a
melhor saída possível?
Fishlow - Eu acho que dentro da
situação global atual é a única saída. Veja a diferença entre o governo da Argentina e o novo governo
do Brasil. O governo argentino teve dificuldades para negociar com
o Fundo Monetário Internacional. A economia continua sem
crescimento, havia um declínio
da renda no ano passado de mais
de 10%. O Brasil tem sido capaz de
evitar tudo isso.
Estou certo de que depois do
primeiro ano vai começar a haver
uma redução da taxa de juros interna e vai haver possibilidade de
um crescimento maior. O país já
havia feito uma reestruturação
fundamental nas contas externas,
vai haver um superávit grande de
exportação, vai haver a continuação do superávit primário [economia de receitas do governo para o pagamento de juros da dívida
pública" que, no futuro, dará a base para permitir que o Estado comece a poupar
e o setor privado comece a
investir.
Folha - O sr.
parece bastante otimista em
relação a esse
governo.
Fishlow - Eu
estou [otimista". Acho que
esses primeiros meses têm
uma importância fundamental porque
já marcou o
compromisso
do governo
com a política
macroeconômica, e agora
há a necessidade de implementar algumas políticas que poderiam reduzir a pobreza e começar a atacar o problema da distribuição da renda.
Acho isso possível. No fundo, eu
vejo isso como uma continuidade
da política econômica brasileira,
como uma implicação do Plano
Real.
Folha - Não é um erro insistir numa política que levou o país a uma
situação de forte vulnerabilidade
externa?
Fishlow - Eu acho que a vulnerabilidade externa do país é menor
hoje em dia do que há seis meses.
A razão para isso é que há uma
entrada maior de capital, um déficit na conta corrente [soma dos
resultados da balança comercial e
rubricas como juros e fretes pagos
ao exterior" reduzido, uma taxa
de câmbio mais forte, e tudo isso
está permitindo ao governo atuar
de maneira menos limitada. Fala-se que essas políticas são do FMI,
contrárias às idéias do PT, mas
são políticas que estão conseguindo dar muito mais liberdade de
decisão ao país e permitir que ele
tome iniciativas na área social.
Folha - Como o sr. avalia a política
social do governo e, mais especificamente, o Fome Zero, que é sua
principal vitrine?
Fishlow - O programa ainda não
está funcionando da maneira que
todo mundo esperava.
Leva tempo implantar
uma iniciativa desse tipo. Acho que dentro do
governo deve haver discussões sobre focalizar o
Fome Zero como objetivo ou realmente tratar
do problema da pobreza, que inclui não apenas a fome, mas também a capacidade de
trabalhar, a existência de
empregos adequados, a
possibilidade de dar
treinamento às pessoas
mais velhas e tudo isso
como um programa para realmente começar a
melhorar a distribuição
da renda no país.
Folha - O representante
da Casa Branca para o Hemisfério Ocidental, Otto
Reich, disse que os EUA ficaram desapontados com a oposição brasileira ao ataque ao Iraque. O sr. crê
em possíveis retaliações do governo dos EUA contra o Brasil?
Fishlow - Não. Não vejo a posição do Brasil como um fator determinante. O que tem muito
mais importância são as discussões sobre a Alca [Área de Livre
Comércio das Américas", em que
a posição do Brasil é muito central, uma vez que está co-chefiando as negociações junto com os
EUA. O Brasil já mostrou no passado diferenças em relação às posições norte-americanas. Tudo isso eu acho que tem muito mais
importância para a relação do
Brasil [com os outros países" do
que a guerra. O que o Brasil poderia dar? Cinco pessoas para a assistência médica? Um pouco de
petróleo para os aviões?
A posição do Brasil foi exatamente a mesma dos outros países
da América Latina, como o México e o Chile, que são os dois países
membros [não-permanentes" do
Conselho de Segurança.
Folha - Uma posição como essa
não influencia uma negociação sobre a Alca, por exemplo? São coisas
independentes?
Fishlow - Eu acho que são independentes. É um pouco difícil
imaginar que os produtores de
suco de laranja nos EUA vão permitir a entrada [de produtos brasileiros" com uma tarifa bem menor porque o Brasil apoiou os
EUA no Iraque.
Folha - A França recentemente
deu apoio ao Brasil para ocupar
uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Quais as
chances de que isso venha a ocorrer de fato?
Fishlow - Já houve recomendações no passado para a ampliação
[do Conselho de Segurança da
ONU", e eu acho que é uma coisa
que deveria acontecer. Mas acho
que os EUA, de certo modo, não
gostam da idéia.
É uma realidade que os EUA
exercem uma posição preeminente no cenário internacional -
e, depois da vitória rápida no Iraque, essa posição foi reforçada.
Então o momento para uma discussão séria sobre isso não existe
agora. Há que se lembrar que a
decisão [de invadir o Iraque" foi
tomada independentemente do
conselho.
Quando se fala do problema de
paz permanente no Iraque, de
quanto tempo os EUA vão levar
para organizar o país e até quando
devem permanecer lá, no meio
disso tudo, eu duvido que seja
possível ter uma discussão para a
expansão do conselho.
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